Segundo Heinrich Pesch, SJ, autor do Lehrbuch der Nationaloekonomie , que serviu de inspiração à Encíclica Quadragesimo Anno, de Pio XI, escrita no quadragésimo aniversário da Encíclica Rerum Novarum de Leão XIII (Encíclicas que inspiraram as políticas económicas e sociais de Salazar), o capitalismo é , nada mais que "usura patrocinada pelo Estado"; ou, por outras palavras, a "apropriação sistemática das mais-valias pelos detentores de capital" - o que é outro modo de dizer roubo.
O capitalismo começou com o roubo da propriedade da Igreja e do povo através da operações de rapina que ficaram conhecidas na História como "Renascimento" e “Reforma” e vive duma injusta apropriação, pelos detentores de capital, das mais-valias obtidas através do Trabalho – única fonte real de riqueza - por meio duma política de baixos salários.
A subsequente acumulação excessiva de capital e a dificuldade em reinvestir as enormes quantias assim acumuladas, faz nascer a tentação de criar um sistema bancário que permita multiplicar essa riqueza, já não através do trabalho, mas por meio de empréstimos a juros que virão a “beneficiar” os trabalhadores com o dinheiro que seria seu se, de início, auferissem a justa remuneração do seu trabalho.
A desvalorização do factor trabalho é ainda exacerbada por uma excessiva carga fiscal, sobre o mesmo Trabalho, aumentando a necessidade de recurso ao crédito por parte dos trabalhadores para poderem ter acesso a bens de primeira necessidade, como habitação, etc..
Entretanto, os fundos públicos criados pelas receitas dos impostos, virão, no fim do ciclo, a servir para salvar os bancos da crise de crédito malparado, quando, à fase inicial de expansão criada pelo crédito, se seguir a inevitável recessão criada pelo crédito malparado.
O Capitalismo, longe de ser independente do Estado, necessita invariavelmente dum poder tirânico estatal qualquer que o salve da crise económica que inevitável e ciclicamente cria.
Este ciclo vicioso, segundo Heinrich Pesch, tem por causa última a separação entre a economia e a moral ocorrida no Renascimento e exacerbada com a Reforma.
Os Medicis, por exemplo, promoveram o retorno à cultura clássica pré-cristã, exactamente para se poderem livrar das peias morais medievais que restringiam a sua actividade usurária.
Como bem
viram, São Bernardino de Siena e Santo Antonino de Florença só um retorno à
valorização da única fonte real de riqueza – o Trabalho - ao conceito medieval
e cristão do justo salário e ao fim da usura, pode acabar com este ciclo gerador
de miséria.
Depois de Lourenço de Medici ter deitado a mão ao erário público para acudir ao seu banco, o Estado, teve de se haver com o deficit assim criado e, tal como nos nossos dias, as primeiras vítimas foram os fundos de pensões.
O Monte delle Doti , depois de aliviado, pelos Medici, em 10 000 florins, anunciava, em 1490, que cada uma das raparigas associadas, receberia apenas um quinto do dote que estava inicialmente previsto levar para o seu casamento e teria de pagar juros dos outros quatro quintos se os quisesse receber.
Este tipo de
política financeira, seja na Roma da decadência, seja na Florença da
Renascença, seja na Inglaterra da Reforma, seja nas democracias liberais da actualidade, leva invariavelmente
ao empobrecimento das populações que, também invariavelmente são distraídas da
tirania e do saque de que são vítimas, por uma política de pão e circo.
Seward, descreve a vida na Florença dos Medici, como “uma contínua folia e dissipação”, uma procura incessante de prazer fomentada pelo regime para impedir as pessoas de pensarem e de se interrogarem sobre a estranha forma de governo a que estavam sujeitas (e, na altura, ainda não existia a Televisão, Hollywood, Futebol, Netflix, Rocks in Rio, Indústria do Entretenimento, ...).
Para conseguir escravizar os florentinos económica e politicamente, Lorenzo de Medici teve de fomentar a sua corrupção moral.
E, adianta ainda aquele autor, “a política dos Medici conduziu não só à escravidão política, mas também à escravidão moral dos florentinos”.
Sirico lembrava que “a Civilização cristã construiu a mais extensa rede de cuidados para os vulneráveis e pobres, que o mundo jamais conheceu”.
O capitalismo
nascente destruiu os mosteiros e outras instituições religiosas que
permitiam a existência dessa “rede de cuidados”, expulsando os camponeses das terras que amanhavam há centenas de anos a rendas irrisórias e criando hordas de famintos que deram, mais tarde, origem ao proletariado urbano, cujas condições inumanas de trabalho deram, por sua vez, origem às ideologias socialistas e comunistas.
R. H. Tawney diz isso mesmo no seu Religion and the Rise of Capitalism: (após a Reforma) “os nobres ingleses, já não eram pequenos senhores defensores dos seus súbditos, mas sim astutos homens de negócios, que alugavam as suas terras a agricultores capitalistas, na ânsia de receber os lucros obtidos com a criação de ovelhas e ansiosos por eliminar a rede de restrições comunais medievais que impediam o seu aumento.
(Em Portugal o mesmo fenómeno ocorreu três séculos mais tarde com a operação de rapina que ficou conhecida por “Revolução Liberal” – conf. Os Devoristas de Vasco Pulido Valente).
A dimensão do
que ocorreu em Inglaterra em meados do século XVI (e em Portugal em meados do
século XIX) que lançou milhões de camponeses na mais negra pobreza, enriquecendo
incomensuravelmente algumas famílias (a quem o povo português alcunhou, na altura, de Devoristas, por terem devorado toda a riqueza nacional e de quem são descendentes as actuais grandes famílias endinheiradas portuguesas - Amorins, Espírito Santos, etc. ) é comparável às “privatizações”
que ocorreram na Rússia na década de noventa do século XX, as quais também lançaram milhões
de russos na mais negra miséria enriquecendo meia dúzia de oligarcas e de multinacionais
ocidentais - orgia neoliberal a que, Putin, pôs termo.
Através da continuidade histórica destes eventos podemos chegar à conclusão que o capitalismo sempre foi uma forma de roubo organizado com o apoio do Estado.
A única coisa que mudou em 500 anos
foi a sofisticação dos meios de proceder a esse roubo.
O capitalismo teria sido impossível se a Igreja tivesse continuado a poder impor a proibição da usura. Assim que esta proibição foi banida “O capital caiu nas mãos dum cada vez menor número de indivíduos e tornou-se num poder que veio a controlar toda a economia das nações”.
Ou como Pesch diz: “o capitalismo é a liberdade de exercer usura com a aprovação do Estado” ou “um sistema social onde a usura é totalmente permitida pela lei” . O capitalismo é usura à custa do Trabalho.
Por sua vez, Ruhland, defende serem os
capitalistas, usurários no sentido mais lato da palavra, definindo usura como “toda
a apropriação contratual de mais-valias”. E, continua: “capitalismo significa o
domínio da economia duma nação pelos detentores de capital”.
Uma vez
definido o que seja Capitalismo, torna-se mais fácil encontrar uma cura para os
males que invariavelmente acarreta.
Heinrich Pesch, propõe um a solução muito simples quando
escreve:
“ Se a
natureza do capitalismo é a apropriação contractual das mais-valias, então, a
cura real dos problemas económicos que necessariamente cria, só pode ser livrar o sistema económico dessa
apropriação de mais-valias; acabar com a liberdade de praticar a forma de usura
que se esconde por trás da proposição: “ comprar o mais barato possível para
vender ao mais alto preço possível” reintroduzindo uma noção de valor baseada
nos custos sociais, a qual também pode ser
chamada de “valor baseado na equivalência”.
Os homens de
boa vontade estão pois, obrigados a opor-se ao capitalismo tanto na teoria como
na prática porque o capitalismo é uma inversão da verdadeira ordem económica.
Ou, como
Pesche diz: “Não podemos permitir que o interesse aquisitivo dos detentores do
capital domine a vida económica”. “O supremo interesse duma comunidade nacional
organizada na forma de Estado, é o bem-estar de toda a Nação”. “A economia
privada deve, pois, subordinar-se à economia do Estado e não o contrário”.
O Capitalismo
e o Catolicismo, longe de serem compatíveis, são antitéticos.
O capitalismo é “usura patrocinada pelo Estado”;
o Catolicismo é o tradicional inimigo de toda a forma de usura e defende a prioridade
do trabalho.
Não há
maneira de resolver esta dicotomia. Um dos sistemas tem de prevalecer sobre o
outro. Tertius non datur.
E. Michael Jones, Barren Metal.
Comentários
Enviar um comentário