DIGNIDADE HUMANA

 

O homem pela sua natureza racional é muitíssimo superior aos outros animais. Dever-se-ia então deixar levar pela vergonhosa sensualidade, que compartilha inteiramente com as bestas, com míngua e desdém da sua dignidade humana?

Todavia, mil vezes acima da sua dignidade humana, puramente natural, está a sua dignidade cristã, estritamente sobrenatural. Com efeito, pela graça o homem é de algum modo elevado ao nível da divindade. Recebeu uma misteriosa participação, mas realíssima, na própria natureza de Deus, que verdadeiramente o faz seu filho por uma espécie de adopção intrínseca. Essa adopção em nada se parece com as adopções humanas, que são puramente extrínsecas e que se baseiam num título jurídico que realmente nada deposita na alma do adoptado. Na adopção divina pela graça, por outro lado, pode-se dizer que nas veias do cristão corre o sangue do próprio Deus. Enquanto permanecer em estado de graça, o cristão é herdeiro do céu por direito próprio: “Se somos filhos somos também herdeiros” (Rm 8,17). A sua dignidade é tão alta que ultrapassa incomensuravelmente a da criação inteira, incluindo a própria natureza angélica enquanto tal. Por isso S. Tomás afirma sem vacilar que o bem sobrenatural de um só indivíduo, procedente da graça santificante, está acima e vale mais que o bem natural de todo o universo – “Bonum gratiae unius, maius est quam bonum naturae totius Universi” (I- II, 113, 9 ad 2).

Mas então, será possível que um cristão que creia e pense seriamente nestas coisas se deixe arrastar por paixões  vis, que de um só golpe lhe arrebatariam a sua divina grandeza e o rebaixariam ao nível dos animais? São Paulo não encontrava  outro argumento de maior força  que este para afastar os primeiros cristãos das desordens da carne em qualquer das suas manifestações: “Por ventura não sabeis que vossos corpos são membros de Cristo? Poderia eu fazer dos membros de Cristo membros de uma prostituta?!... Não sabeis que o vosso corpo é santuário dAquele que habita em vós, o Espírito Santo que recebestes de Deus; e que não pertenceis a vós mesmos? De facto fostes comprados por alto preço!  Glorificai portanto a Deus no vosso corpo” (1 Cor 6, 15-20).

 

António Royo Marin O.P., Teologia da Perfeição Cristã, Editora Magnificat 2020, pag. 315

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