O CARTAZ DE VACLAV HAVEL
«O dono duma mercearia, na Checoslováquia dos anos setenta, coloca na sua montra, entre cebolas e cenouras, o seguinte cartaz:
“Operários de todo o mundo, uni-vos!”
Porque o terá feito? Que mensagem quererá transmitir? Estará assim tão empolgado com a possibilidade dos trabalhadores de todo o mundo se unirem? Será, o seu entusiasmo tão grande que o faça sentir um impulso irresistível para publicitar os seus ideais? Terá ele gasto um segundo a pensar se tal união é possível e o que significa, na realidade?
Creio que podemos afirmar com segurança que a
esmagadora maioria dos lojistas nunca pensaram no conteúdo dos slogans que exibem nas suas montras, nem
muito menos os usam para expor as suas verdadeiras convicções.
O merceeiro coloca o cartaz na sua montra, entre cebolas e cenouras, simplesmente por que toda a gente o faz; porque é assim que
tem de ser.
Se recusasse fazê-lo, arriscar-se-ia a sofrer algumas
consequências desagradáveis; seria prejudicado por não ter demonstrado
convenientemente a sua adesão ao comportamento socialmente aceite e consensualmente
estabelecido; seria sujeito aos olhares recriminativos dos seus clientes e alguém
poderia, até, acusá-lo de deslealdade.
Ele exibe
aquele cartaz porque é o tipo de coisas que têm de ser feitas por quem queira
evitar problemas. É mais um dos milhares de detalhes a que deverá atender para
poder ter uma vida tranquila, “em harmonia com o resto da sociedade”.
É óbvio que, para o merceeiro, o conteúdo
semântico do slogan que exibe, lhe é
completamente indiferente; ele não tem nenhum desejo de transmitir, ao público,
aquela mensagem. Mas, isso não significa que o seu comportamento não tenha um
motivo ou que o slogan não tenha algo a transmitir.
Pelo contrário, o cartaz é um sinal e contem uma
mensagem que, embora subliminar, é bastante concreta. Essa mensagem poderia ser expressa da seguinte forma:
“Eu, o
merceeiro X, aqui estabelecido, sei o que devo fazer e, por isso, comporto-me da
forma que me é exigida. Sou uma pessoa de confiança e acima de qualquer suspeita;
sou obediente e portanto mereço que me deixem em paz.”
A mensagem dirige-se, evidentemente, ao poder e visa proteger o merceeiro de eventuais problemas e, sendo assim, o verdadeiro significado daquele cartaz acaba por ter uma importância decisiva para ele e vai ao encontro dos seus interesses mais vitais .
E, que interesses são esses?
Sejamos claros: se o merceeiro tivesse escrito no
cartaz,
“Tenho
medo e, por isso, obedeço sem fazer perguntas”,
não andaria
muito longe da verdade - mas, assim, já não conseguiria ficar indiferente ao conteúdo semântico do seu
cartaz.
Sentir-se-ia, naturalmente, embaraçado
e envergonhado por colocar na sua montra uma declaração tão óbvia da
sua própria degradação moral pois, como ser humano, ainda tem o senso da sua própria
dignidade.
Para
ultrapassar este impasse, ele vai expressar a sua submissão sob a forma dum
sinal que possa - pelo menos à superfície textual - indiciar uma convicção algo
desinteressada que lhe permita, posteriormente, justificar-se perante si e os
outros dizendo: “que mal tem defender a união de todos os trabalhadores
do mundo?”
Assim, aquele cartaz, enquanto ajuda o merceeiro a
esconder, de si próprio, a sua abjecta obediência, ajuda o poder a esconder a sua
abjecção.
Ambos ficam escondidos atrás de algo, supostamente
mais elevado.
Esse algo, chama-se ideologia dominante».
Vaclav Havel, O
poder dos Sem-poder; 1978
Comentário:
Quando virem nas montras mensagens como a da fotografia acima e pessoas de máscara, exibindo os respectivos "certificados digitais", colaborando com medidas sanitárias obviamente absurdas, ineficazes e prejudiciais para a sua própria saúde, papagueando os slogans da narrativa oficial e deixando-se injectar - e aos filhos !!! - com produtos farmacêuticos experimentais sem a menor garantia de eficácia e segurança –
lembrem-se do cartaz de Vaclav Havel e da correcta interpretação do seu
conteúdo:
“Tenho medo e, por isso, obedeço sem fazer perguntas”
Exceptuando, é claro, aqueles casos extremos de corrupção moral, em que o indivíduo tenha aderido genuinamente, à ideologia dominante.»
João Faria de Morais
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