«Não tenho conhecimento de nenhuma outra máxima
cujos efeitos práticos sejam mais perversos do que aquela que afirma ser a
prevenção o melhor remédio.
Naturalmente, esta máxima, é verdadeira apenas em abstracto; se pudéssemos prever todos os males possíveis muito antes que viessem a acontecer, e se fôssemos capazes de modificá-los ou evitá-los sem esforço e sem prejudicar nada ou ninguém, obviamente deveríamos ficar contentes por poder fazê-lo.
Mas, isso é simplesmente impossível; todas as nossas
antecipações em relação às coisas incertas tendem, necessariamente, a
desorganizar as coisas certas.
É, bem provável, por exemplo, que um belo dia eu
venha a entalar um dedo numa das portas de minha casa.
Os especialistas e cientistas modernos, juntamente
com os modernos burocratas da saúde, da sociologia, e tutti quanti, agarram-se
a essa possibilidade e julgam-se no direito de me ditar comportamentos e de me
inundar de conselhos, que, invariavelmente, se dividem em dois grandes tipos:
os que prescrevem que eu me prive de todas as minhas portas, e os que
recomendam que eu me prive de todos os meus dedos.
Remover todas as portas da minha casa, incluindo a
da rua, certamente impediria que uma delas me viesse, um dia, a estraçalhar um
dedo, mas não creio que isso aumentasse, de facto, o meu conforto.
Cortar todos os meus dedos à machadada,
seguramente evitaria que, mais tarde, eu pudesse vir a ter um deles, preso numa
porta, mas, nesse caso, não creio que se pudesse afirmar que a prevenção tinha
sido melhor que a cura.
No fundo, o que realmente importa, no que às medidas preventivas diz respeito, é saber se elas criam, ou não, uma atmosfera
mórbida ao tentarem obcessivamente antecipar-se ao mal.
Tornar-se-ão elas maléficas por estarem sempre a
pensar no mal?
Porque, estar-se sempre saudável sob tutela dos
médicos ou das autoridades sanitárias mais não é do que se deixar transformar
num inválido imortal.
Ser, assim, mantido perpetuamente saudável é, no fim de contas, o mesmo que estar perpetuamente doente.
Pois o que define o inválido
não é o perigo, que é o orgulho do herói, nem a dor, que é o orgulho do mártir,
mas, sim, a limitação - o facto de estar preso a uma vida anormal.
Não, a prevenção não é melhor do que a cura.
A cura é saudável, pois acontece num momento em
que falta saúde.
A prevenção é doentia, uma vez que acontece num
momento em que há saúde.
Não há vantagem alguma em estar sempre de olhos fechados com medo de ficar cego; esperar por ficar cego para, só então, ir a
um oftalmologista, não seria mais estúpido.
Da mesma forma, arrancar toda a relva do jardim
para evitar que um búfalo a coma, não faz sentido algum; seria bem melhor
esperar por ele e, então, calma e humildemente, resolver o assunto –
provavelmente com uma caçadeira.
Por essa razão eu sempre fui, por instinto,
contrário a todas as formas de ciência ou ética que professem ser
particularmente prescientes ou preventivas.
É sabido que alguns especialistas – os eugenistas
- influenciados por doutrinas darwinistas, queriam ansiosamente matar certas
criancinhas com medo que elas, quando crescessem, se tornassem más. Mas, eu
digo-lhes o seguinte:
Não, meus caros especialistas, por favor, não
matem as criancinhas; esperem que elas cresçam e se tornem más e, então (se
tivermos sorte), talvez elas vos matem primeiro».
G. K. Chesterton, 30 de maio de 1908.
Fabuloso, João!
ResponderEliminarVou "podcastar" :P