DINHEIRO E PODER


                     Sempre que ouço um político de esquerda verberar em tom profético a cobiça capitalista, pergunto-me se ele imagina, mesmo, que o anseio de poder é uma paixão moralmente superior ao desejo de dinheiro, ou se simplesmente finge acreditar nisso para se fazer de santinho. 

Evidentemente, não há terceira alternativa. 

Nenhum militante esquerdista quer fazer uma revolução só para depois ir para casa viver como obscuro cidadão comum da república socialista: cada um deles é, por definição, o virtual detentor de uma fatia de poder no Estado futuro. Essa é, entre os adeptos de um partido, a única diferença entre o militante e o simples eleitor. 

Ao assumir a luta revolucionária, o mínimo que um sujeito espera é um cargo de comissário do povo. Afinal, não teria sentido que, após ter arcado com a responsabilidade de líder activo na destruição da sociedade capitalista, ele desse menos de si à “construção do socialismo”. (O mesmo, é claro, se aplica, mutatis mutandis , aos militantes do fascismo, do nacional socialismo ou de qualquer outra proposta de mudança radical da sociedade. )

Toda militância revolucionária é, pois, inseparável da ânsia de poder, e é preciso um brutal descaramento ou uma inconsciência patológica para não perceber que essa paixão é infinitamente mais destrutiva que o desejo de riqueza.  

  A riqueza, por mais que as abstracções dos financeiros a tentem relativizar, tem sempre um fundo de materialidade – casas, comida, roupas, utensílios – que faz dela uma coisa concreta, um bem visível que vale por si, independentemente da opulência ou miséria circundantes. 

Já o poder, como bem viu Nietzsche, não é nada se não é mais poder. Isto é a coisa mais óbvia do mundo: por mais mediada que esteja pelas relações sociais, a riqueza é, em última instância, domínio sobre as coisas. 

O poder, é domínio sobre os homens.

 Um rico não se torna pobre quando os seus vizinhos também enriquecem, mas um poder que seja igualado por outros poderes, anula-se automaticamente. 

A riqueza desenvolve-se por acréscimo de bens, ao passo que o poder, em essência, não aumenta pela ampliação de seus meios, e sim pela supressão dos meios de acção dos outros homens. Para instaurar um Estado policial não é preciso dar mais armas à Polícia: basta tirá-las aos cidadãos. 

O ditador não se torna ditador por se arrogar novos direitos, mas por suprimir os velhos direitos do povo. 

Foi preciso que a inteligência humana descesse a um nível quase infra natural para que uma filosofia – ou, o que quer que seja – chegasse a inverter equação tão evidente, vendo no poder político o instrumento criador de igualdade.

O fenómeno mais característico do século 20, o totalitarismo, não foi um desvio ou acidente de percurso no caminho do sonho democrático: foi a consequência inescapável de uma aposta suicida na superioridade moral do poder político e na sua missão social igualitária. 

O resultado dessa aposta está diante dos olhos de todos. A prometida igualdade económica nunca chegou, muito pelo contrário, mas, em contrapartida, a diferença de meios de acção entre governados e governantes cresceu a um ponto que os mais ambiciosos tiranos da Antiguidade não ousaram sequer sonhar. 

 Júlio César, Átila ou Gêngis Khan recuariam horrorizados se alguém lhes oferecesse os meios de escutar todas as conversas particulares,  de desarmar todos os homens adultos ou de impedir populações inteiras de sair de casa. 

Hoje os governantes já querem alterar a natureza humana e programar geneticamente o comportamento das gerações futuras. Não se contentam com o poder destrutivo dos demónios: querem o poder criador dos deuses. 

É uma das mais atrozes perversidades da nossa época que o homem imbuído do simples desejo de aumentar o seu património e o da sua descendência seja considerado um tipo moralmente lesivo e quase um criminoso, enquanto o aspirante ao poder político é visto como um belo exemplo de idealismo, bondade e amor ao próximo.  

Um século que pensa assim está a clamar aos céus por um Stalin ou um Hitler.

 

Olavo de Carvalho

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