AO QUINQUAGÉSIMO QUINTO ANO RESSUSCITOU
Ao fim de
cinquenta e cinco anos, uma organização nostálgica do Salazarismo, teve
finalmente a coragem de convocar os portugueses para o Terreiro do Paço, a fim
de recordar e homenagear António de Oliveira Salazar (agora, comummente apelidado
de “ditador” e “fascista”) no aniversário da sua morte. Mas, em abono da
verdade, nem os próprios organizadores estavam à espera de reunir uma grande
assistência.
Desde o dia
do seu anúncio, a iniciativa tinha gerado enorme polémica. E, embora os
partidos do regime e os Mídias oficiais tivessem entrado numa histeria
frenética, para o cidadão médio português, atendendo ao estado em que o país se
encontrava em 2025 e à obra deixada por Salazar, já era mais que tempo de se
homenagear essa figura histórica. Não esqueçamos que, já em 2007, num concurso televisivo
que emocionou a nação, Salazar, para espanto das elites democráticas, tinha
sido inesperadamente eleito, pelo povo português, a figura mais proeminente da
história de Portugal.
Curiosamente
os mais entusiasmados com a nostálgica chamada eram os mais velhos, que ainda
tinham conhecido o “Antigo Regime” e os muito novos. A geração intermédia,
instalada na vida, não demonstrava igual ardor e, ainda que reconhecesse os méritos do anterior regime, tinha plena consciência de que Portugal, estando o
regime saído do 25 de Abril completamente podre, precisava agora de uma outra
coisa, mas que o Salazarismo (infelizmente, diziam muitos para com os seus botões)
não tinha viabilidade no presente, e menos ainda no futuro.
Assim, em 27 de Julho de 2025, os mais
optimistas estavam à espera, no máximo, de uns poucos milhares de manifestantes.
Tinha-se por
garantidos o fervor, o entusiasmo, o hino nacional cantado de braço estendido,
as bandeiras ao vento, as invocações dos feitos heróicos dos portugueses em
África. E, também as imprecações ao Governo, ao PR e à classe política em
geral. Contava-se com o apoio que viria das varandas das artérias
vizinhas e de grande parte dos transeuntes.
Mas, a
verdade é que o tempo trabalha com implacável severidade; as gerações sucedem-se
a uma velocidade impressionante; os estímulos emocionais vão perdendo eficácia; e
nunca se pode restituir à actualidade o passado, por melhor que tenha sido. Os
acabrunhadores erros do Portugal de 2025, exigiam uma solução. Mas essa solução
não podia ser o regresso a um “ontem” impossível.
Tudo isso
gravitava na mente dos organizadores do acto nostálgico nesse dia 27 de Julho do ano de 2025, e por isso, sensatamente compreendiam que a melancólica convocatória
ia ficar reduzida a uma homenagem carinhosa, sem ulterior transcendência; a uma
evocação da figura de Salazar, a uma justa homenagem à sua obra e à sua
memória.
Mas, também por isso
mesmo, a surpresa foi enorme: logo às nove e pico da manhã começou a sair gente aos magotes para a rua. Gente frenética, delirante, enlouquecida. Gente que gritava “Salazar!
Salazar! Salazar!”, com o mesmo entusiasmo com que o fizera em 1961 naquela
manifestação contra a ONU quando começou a guerra em Angola e que marcou o auge
da popularidade do então Presidente do Conselho.
Às dez e meia
(a convocação era para o meio dia), mais de setecentas mil pessoas cantavam o
Hino Nacional no Terreiro do Paço; o comércio tinha fechado sem que nenhuma nota
oficial o autorizasse e dos arredores de Lisboa afluíam à capital autocarros
cheios de cidadãos entusiasmados. As autoridades registavam um insólito tráfego
de veículos com bandeiras nacionais e fotografias de Salazar em todas as artérias que conduziam a Lisboa, nomeadamente na ponte (de novo) Salazar.
Os
organizadores não entendiam nada. Tinham andado tão atarefados que não puderam
ver uma notícia que circulava nas redes sociais viralizando um boato propalado
pelo Pároco de Santa Comba Dão e anunciado pela autarquia local:
“Com todas
as reservas, tornamos público que, segundo resulta de inspecção efectuada no local, o cadáver do ditador Salazar desapareceu da respectiva campa. Versões não
oficiais admitem que tenha ressuscitado”.
Era
irracional. Era física, quase metafisicamente impossível. Em circunstâncias
normais as pessoas tê-lo-iam tomado por um gracejo.
Mas, os portugueses estavam notoriamente predisposto
para se agarrarem a qualquer tábua de salvação: a situação do país era
dramática; a dívida externa ultrapassava o valor do PIB anual; Portugal tinha
sido invadido por hordas de imigrantes do terceiro mundo e a insegurança e os
crimes violentos disparavam; as fronteiras abertas aos capitais estrangeiros tinham
posto em mãos alheias a quase totalidade da riqueza nacional; o preço da
habitação batia recordes impossibilitando aos jovens o acesso a uma casa de
família; os salários, graças à adesão ao Euro, eram impossivelmente baixos
empurrando os recém licenciados para uma vida no estrangeiro; a incompetência, a corrupção
e a subserviência da classe política para com Bruxelas atingiam níveis
inimagináveis; e, uma falaz, obstinada e mentirosa campanha de muitas décadas
contra Salazar e a sua obra, tinha conseguido indignar, inclusivamente, pessoas
que nunca foram salazaristas.
Muitos milhões
de portugueses pensavam - e, cada vez mais, diziam – que os terríveis problemas
que acossavam Portugal só podiam ser resolvidos por um milagre.
Então, porque
não acreditar em milagres - apesar do Concílio Vaticano II?
Sim, porque não? Porque é que António de Oliveira Salazar, filho dilecto da Igreja Católica, à qual serviu denodadamente, não poderia ressuscitar?
Se já em vida
os príncipes da Igreja exaltaram as suas virtudes e até se encarou a hipótese
da sua canonização após a sua morte – porque não poderia o Senhor fazer-nos, a
nós portugueses, o impagável favor de lhe devolver a vida, para que pusesse em
ordem este Portugal destruído, vítima de todos os internacionalismos, submetido
ao azorrague de todas as maquinações maçónicas, transformado numa província servil da cada vez mais totalitária União Europeia, invadido pela pornografia, com
todas as imoralidades e perversões permitidas e apoiadas por lei?
Porque não
poderia Salazar voltar para restaurar a independência nacional, restabelecer a
ordem e a moral, apaziguar as convulsões sociais, correr com os imigrantes,
estabilizar a economia, acabar com a dívida estratosférica, devolver à nação o seu orgulho
patriótico, o seu destino universal e católico e fazer novamente de Portugal um
país pluricontinental?
Não! Não
era de estranhar a reacção dos portugueses, a 27 de Julho daquele ano da Graça de NSJC de 2025,
quando se espalhou o boato da ressurreição de Salazar:
Não era de estranhar que um Padre (dos
antigos), aos ombros de vários entusiastas, dirigisse à porta da Sé Catedral,
um multitudinário rosário de acção de graças. Nem que os antigos combatentes do ultramar
(agora obesos e carecas) marcassem o passo ritmado nos seus velhos camuflados
recamados de medalhas. Nem que voluntários da Legião Portuguesa, nos seus antigos uniformes, cantassem de
braço estendido o “Lá Vamos Cantando e Rindo”. Nem que os retornados das
províncias ultramarinas, seus filhos e netos gritassem a plenos pulmões “Angola
é Nossa” agitando bandeiras e exibindo fotografias, entre soluços. Nem que os
sinos repicassem por toda a Lisboa tocados por populares - muito contra
vontades dos respectivos padres (dos novos). Nem que às onze da manhã mais dois milhões de
pessoas delirantes enchessem o Terreiro do Paço, as ruas Augusta, do Ouro e da
Prata, o Rossio, os Restauradores, a Avenida da Liberdade e Almirante Reis até
ao Marquês e à Alameda Afonso Henriques...
Um clamor indescritível percorria a cidade e arredores, e milhares de lenços brancos agitavam-se no ar, ao som do estribilho "Salazar Voltou"; e muitos desmaiavam e eram levados às urgências médicas e o clima de entusiasmo era vibrante, esfuziante, com os portugueses de novo unidos abraçando-se fraternalmente pelas ruas de lágrimas nos olhos.
Por volta do meio-dia o frenesim atingiu extremos de delírio e aumentavam os “vivas”, os cânticos e o tremular das bandeiras e estandartes.
Todos os olhares se dirigiam para uma das varandas junto ao arco da Rua Augusta, esperando – absurda, fanática e incrível esperança! - que se materializasse o milagre: que de repente se abrisse a porta e aparecesse, vindo do além para tornar Portugal grande outra vez, António de Oliveira Salazar...
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