A PROSTITUTA DA DGS

 

Quando se é um Médico pela Verdade, tem de se aprender a seguir os nossos próprios instintos. É por isso que, quando me entrou pelo consultório adentro aquele monte de músculos que dava pelo nome de Cajó e me expôs o seu caso, eu devia ter dado atenção ao calafrio que me percorreu a espinha.

– João? – perguntou ele – João Morais?

– É o que diz a minha carteira profissional – admiti.

– Tem de me ajudar. Sou vítima de chantagem sanitária. Por favor!

Tremia como se estivesse a ter uma reacção adversa à vacina covid.

 Empurrei um copo pelo tampo da secretária, mais a garrafa de Macieira que tenho sempre à mão, para fins não medicinais.

– E, se te acalmasses e me contasses tudo?

– Você… você não vai contar nada à minha mulher, pois não?

– Falemos claro, Cajó; não prometo nada…

Tentou servir-se, mas ouvia-se o tilintar do vidro no outro lado da rua, e a maior parte do líquido foi-lhe parar aos ténis.

– Eu trabalho – disse. Sou alpinista. Guio turistas à procura de emoções fortes, lá nas alturas. Está a ver, neves eternas, picos inacessíveis, abismos insondáveis, horizontes longínquos.

– E? …

– Estou a ficar saturado. Acaba por ser sempre a mesma coisa.

–Bem, bem, vamos lá ao que interessa.

– Passo os dias ao ar livre. E, quer saber uma coisa?… sinto-me atabafado, sinto-me só. Não é o que está a pensar. Percebe, João, basicamente sou um aventureiro mas, por incrível que pareça, um gajo, naquele ambiente acaba por ficar um pouco cinzento. Parece que seca por dentro. E, encontrar algo que dê realmente animação à vida não se consegue do pé para a mão.

– Continue.

– Bem, ouvi falar de uma certa jovem. Dezoito anos. Estudante de medicina. Paga-se um tanto e ela vem discutir um tema qualquer de Saúde Pública… a pandemia, os casos activos, os testes PCR.  Para dar um pouco de frisson à vida. Não sei se está a ver?

– Nem por isso.

– Ou seja, a minha mulher é óptima, não me interprete mal. Mas não discute o SarsCov-2 comigo; ou a saturação do SNS. Não sabia disso quando me casei com ela. Preciso de uma mulher que seja estimulante, João. E estou disposto a pagar por isso. Não quero uma relação duradoura… quero uma experiência epidémica virtual, arrepiante e rápida; depois quero que a pequena desapareça. Que raio, João, sou casado e sou feliz.

– Há quanto tempo isso dura ?

– Desde Março. Sempre que sinto desejo, ligo à Marta - é uma Madame, com mestrado em Saúde Pública - e, ela manda-me logo uma especialista, compreende?

Portanto, estava perante um daqueles homens cuja fraqueza são as pandemias. Tive pena do pobre coitado. Calculei que devia haver muitos na mesma situação, famintos por umas migalhas de excitação com uma calamidade qualquer, mesmo se virtual, e dispostos a pagar um preço exorbitante por isso.

– Agora  ameaçou contar tudo à minha mulher - gemeu ele.

– Quem?

– A Marta. Puseram o quarto do motel sob escuta. Têm uma gravação em que discuto veementemente com a rapariga o confinamento e o uso de máscaras obrigatório, embora, no fim, tenhamos atingido várias conclusões interessantes. Querem que lhes pague cem mil euros, ou vão contar tudo à minha mulher. João, tem de me ajudar! Ela morreria se soubesse que não me consegue encher as medidas.

Era, mais uma vez, o velho negócio da prostituição sanitária. Tinha ouvido uns boatos de que os rapazes da judiciária andavam atrás de qualquer coisa que metia um grupo de burocratas do SNS, que inventavam pandemias para depois se aproveitarem economicamente delas, mas não sabia nada de concreto.

– Telefona à Marta, disse-lhe eu, quero falar com ela.

  O quê?

– Vou tomar conta do teu caso, Cajó. Mas cobro cinquenta Euros por dia, mais despesas. Vais ter de trepar muita montanha, para me pagares.

– Sempre é menos do que os cem mil que me pediam, comentou ele com perspicácia.

Pegou no smart phone e marcou um número. Tirei-lho e pisquei o olho. Começava a gostar dele.

Segundos depois respondia uma voz sedosa, e eu disse-lhe ao que vinha:

– Parece que me pode ajudar a ter uma hora de conversa agradável sobre a pandemia mais apocalíptica da história da humanidade – disse.

– Claro, querido. Qual era a tua ideia?

– Gostaria de discutir  a fiabilidade dos testes PCR..

– Na vertente Gold Standard ou quanto ao número ciclos?

– Qual é a diferença?

– O preço, é claro. Mas os pormenores técnicos são pagos à parte.

– Em quanto é que ficaria?

– Cinquenta; talvez cem, pelo pacote todo. Que dizes a uma discussão comparativa… a pandemia em Portugal, Reino Unido e Suécia? Poderia arranjar-se isso por cem.

– Acho que está bem, disse eu e dei-lhe o número do meu quarto no Hotel da Lapa.

– Queres loira ou morena?

–  Faz-me uma surpresa – disse-lhe, e desliguei.

Fiz a barba e bebi café forte enquanto consultava uma colecção antiga de relatórios do Instituto Ricardo Jorge sobre a Gripe Espanhola. Menos de uma hora depois, batiam à porta. Abri.

 À minha frente estava uma loira, embalada num Hazmat Suit.

 – Olá, sou a Graça.

Irra, sabiam mesmo como excitar a fantasia dum homem!

– Até me espanta que a deixassem entrar vestida dessa maneira – disse eu. A segurança do hotel costuma topar uma gaja da DGS à distância.

– Uma nota de cinco acalma-os logo, disse.

– Começamos? – disse eu, encaminhando-a para o divã. Ela acendeu um cigarro e foi directa ao assunto.

– Acho que os confinamentos nunca foram suficientemente prolongados para acabar de vez com a pandemia, n’est-ce pas?

– É uma hipótese interessante, mas não esqueçamos que muitos cientistas de renome, como os signatários da Declaração De Great Barrrington e o insuspeito epidemiologista John Ionnidis da Stanford University, defendem serem os confinamentos totalmente ineficazes e até contraproducentes, respondi.

 Não estava a fazer bluff. Queria perceber se ela tinha estofo para o trabalho.

– Sim, respondeu, mas a verdade é que os argumentos adiantados por esses negacionistas não passam de discurso de ódio e são facilmente refutáveis por um qualquer fackt checker da Reuters ou do Facebook ou até por um simples comentador televisivo.

Afinal tinha estofo.

– Certo, certo. Meu Deus, tens toda a razão – assenti.

– Creio que, sem o confinamento obrigatório, o uso de máscaras generalizado, o distanciamento social e a vacinação em massa  já, para aí, três quartos da população mundial teriam falecido, não concordas?

Deixei-a continuar. Exibia o corte de cabelo duma miúda de dezanove anos, mas mostrava já possuir a ductilidade calejada dum quadro superior da OMS. Expunha as ideias com lábia mas, no fundo, era tudo mecânico - sempre que eu introduzia uma ideia, ela simulava prazer:

– Oh, sim, sim, João, essa foi bem profunda, uma abordagem da epidemia tipo a da Suécia … como é que não pensei nisso antes?

Falámos para aí uma hora e depois ela disse que tinha de ir. Levantou-se e passei-lhe uma nota de cem para as mãos.

– Obrigada, querido.

– Há outras iguais, de onde essa veio.

– Que queres dizer?

Tinha-lhe espicaçado a curiosidade. Sentou-se de novo.

Suponhamos que eu queria… organizar uma festa? – adiantei.

– Que tipo de festa?

– Talvez uma palestra, sobre tratamento precoce da covid com Hidroxicloroquina, Ivermectina, com duas pequenas.

– Oh, uáu!

– Mas, se não quiseres…

– Terei de falar com a Marta – disse ela. – Mas, vai sair-te caro.

Aí estava! Tinha chegado a altura de lhe dizer que era dos Médico pela Verdade. Mostrei-lhe o cartão da Ordem e informei-a que ia dentro.

– O quê?

– Não sou jurista, doçura, mas sei o suficiente de ética para perceber que defender, por dinheiro, este tipo de medidas sanitárias, viola o princípio primum non nocere e o Juramento de HipócratesVais cumprir uma bela pena.

– Miserável!

– É melhor confessares, filha. Olha que o Guimarães e o Simas já começaram a dar com a língua nos dentes; e não queiras ser interrogada  pelo Dr. G. Branco - ele ia adorar ouvir o que tens para dizer.

Começou a chorar.

– Não me entregues, João – disse - precisava de dinheiro. O Costa nunca me chegou a arranjar o lugar na OMS que lhe pedi. Por duas vezes. Ó, meu Deus!

E vomitou tudo… a história completa. Tinha crescido na Lapa, férias em Vale do Lobo fins de Semana na Quinta da Marinha; ela era como todas essas miúdas que, ao ingressarem na administração pública, deixam de questionar a racionalidade das normas vindas de cima para não prejudicarem a progressão na carreira e que escrevem a lápis a nota “sim, é totalmente constitucional” nas margens de um qualquer decreto governamental que quarte direitos, liberdades e garantias sem autorização legislativa da Assembleia da República, mas que um dia descobrem que, por muito que lambam as botas aos superiores hierárquicos, vão ter de sobreviver para o resto da vida com um ordenado de funcionária pública.

Só que, às tantas, a coisa dera para o torto.

– Precisava de dinheiro. Uma amiga disse-me que conhecia um administrador executivo da Pfizer, casado, cuja mulher era uma extremista anti-vacinas. Ele estava completamente aterrorizado e ela não o compreendia. Acabei por dizer, “claro que sim”; por um preço razoável eu falo com ele sobre as várias formas de combater as reacções adversas. No princípio estava nervosa. Fingi uma data de coisas. Ele não se importou. Depois, a minha amiga disse-me que havia outros interessados.

-  Oh, já não é a primeira vez que sou presa. Fui apanhada a levar três doses de seguida num automóvel estacionado; e, de outra vez, fui detida no Jardim da Gulbenkian a tentar fazer funcionar uma seringa fora de prazo.  Mais uma, e vou dentro de vez.

– Então leva-me à Marta.

Ela mordeu o lábio:

– O Ministério da Saúde,  é uma fachada.

– Sim???

– Como aqueles centros de apostas ilegais que ficam nas traseiras duma barbearia, estás a ver?

Fiz uma chamada rápida para a P.J. e depois disse-lhe:

– Tudo bem, filha. Por esta, passa. Mas, deixa-te ficar por estas bandas.

Ela ergueu o rosto para mim com gratidão.

– Posso arranjar-te umas imagens do Froes a baixar as calcinhas para um grupo de CEOs da indústria farmacêutica – e, sem máscara – disse.

– Obrigado, pequena, mas, fica para a próxima.

Entrei no Ministério da Saúde. O segurança, um jovem de olhos sensíveis, veio ter comigo.

– Posso ajudar?

– Ando à procura da quarta dose. Parece que a Marta guardou umas da AstraZeneca, para os amigos.

– Vou ver – disse ele. 

Olhei-o fixamente.

– Foi a Graça que me mandou - disse eu.

– Ah, nesse caso, passe lá para trás.

Carregou num botão. Abriu-se uma parede forrada de propaganda covídica e eu entrei encantado nesse titilante palácio de prazer conhecido por Ministério da Saúde.

Azulejos vermelhos com relevos e um décor art nouveau davam o tom. Raparigas pálidas e nervosas, de óculos de aros pretos e cabelo cortado a direito esparramavam-se indolentes por macas hospitalares, injectando-se provocadoramente nos respectivos deltoides tatuados. Uma loura com um grande sorriso piscou-me o olho e indicou-me, num aceno de cabeça, um quarto, no andar de cima, enquanto murmurava: “Moderna, hã?”

Mas, não se tratava apenas de experiências vacinais – também ofereciam experiências com medidas não farmacológicas de controlo de pandemias.

  Disseram-me que por cinquenta palhaços se podia  falar com uma delas, “mantendo uma distância socialmente aceitável “. Por cem, uma garota  podia mostrar-nos como colocar correctamente a máscara, ensinar-nos a desinfectar obsessivamente as mãos e depois tentar aterrorizar-nos simulando uma crise de falta de ar. Por cento e cinquenta, podia-se ouvir as intervenções televisivas completas do Fauci com um par de gémeas. Por três notas, tinha-se o tratamento completo: uma serigaita morena e magricela fingia ir buscar-nos a um covidário, deixava-nos ler a sua tese de doutoramento sobre a eficácia milagrosa das vacinas mRNA na indução de imunidade de grupo, envolvia-se connosco numa discussão aos berros sobre o passe sanitário e depois simulava suicidar-se por supostamente ter dado positivo num teste PCR  na véspera de ir passar o Natal com a família.

Ou seja, para muita boa gente, o tipo de serão perfeito.

Bela negociata, aquela!

 Grande cidade, Lisboa…

- Estás a gostar? – disse uma voz atrás de mim. Virei-me e de repente dei de caras com uma seringa. Tenho o estômago forte, mas desta vez deu uma volta e tanto.

Era a Marta, não restavam dúvidas.

– Não vais acreditar – disse ela - mas há milhares à espera dos nossos serviços; até tive de aldrabar as listas de espera. Como é que conseguiste dar o golpe?

Num relance percebi tudo; e, antes que ela me pudesse inocular sem o meu consentimento informado, entrei em acção. Lançando-me para a frente, dei-lhe com o cotovelo no cabeção lacado e agarrei na seringa, enquanto ela caía de costas. 

Desabou como se tivesse sido fulminada por um AVC causado por trombos originados numa cascata da coagulação causada por uma reacção tipo auto-imune à inflamação do endotélio dos vasos capilares periféricos provocada pela Proteína Spike produzida pelas células dos vacinados devido à incorporação no respectivo DNA - através da  retro-transcripção do mRNA  presente na vacina -  da porção de DNA do SarsCov-2 que contém a informação necessária à síntese da referida Proteína Spike.

Ainda estava a babar-se quando a P.J. chegou.

– Bom trabalho,  Morais – disse o inspector  A. Rodrigues – quando despacharmos esta tipa, o SIS vai querer ter uma conversa com ela sobre algo que tem a ver com estudos aldrabados sobre a eficácia e segurança das vacinas. Levem-na, rapazes.

Mais tarde, nessa noite, procurou-me uma colega chamada Margarida. Era loira e não fazia  questão de respeitar a distância social de segurança.  Estavam-na a  pressionar no emprego para que se deixasse vacinar e precisava de apoio.

 Soube-me bem.

 

 

JFM (a partir dum texto de  Woody Allen)

Comentários

Mensagens populares deste blogue