A origem das
opiniões dominantes
O idiota
presunçoso é, hoje em dia, o tipo mais representativo de qualquer profissão,
incluindo a das letras, do ensino e do jornalismo. Ele forma a sua opinião de
maneira imediata e espontânea, com base numa quantidade ínfima ou nula de
conhecimentos, e agarra-se a ela com a tenacidade de quem defende um tesouro
maior que a vida.
Na verdade, não se tratam propriamente
opiniões, mas apenas de impressões difusas que não podendo encontrar expressão
adequada, se acomodam mecanicamente a qualquer fórmula de sentido análogo, que
o sujeito colheu no ambiente que o rodeia e que, daí em diante, vai julgar
serem as suas opiniões pessoais - como se a conquista de uma autêntica opinião
pessoal pudesse prescindir do esforço.
O trajecto
mental que o levou a essas opiniões inabaláveis escapa-lhe completamente, por
ter sido percorrido à margem da sua atenção consciente. Literalmente, ele não
tem a mínima ideia de como e porquê veio a pensar da maneira que pensa. Se lhe
perguntarmos como chegou a semelhantes conclusões nunca responde com uma
introspecção rememorativa, como um verdadeiro intelectual tentaria fazer. Improvisa
duas ou três justificações que vai incorporar retroactivamente no seu discurso.
Confundindo o presente com o passado, a sua
autobiografia mental é fictícia e por isso está sempre pronta para ser alterada
e a justificar qualquer coisa.
Quando o uso
dessas justificações se torna uma rotina e coincide mais ou menos com coisas
ouvidas ou lidas por todos à sua volta, acaba por produzir, no sujeito, um
sentimento de coerência e solidez.
Por esse
motivo, não espanta que, perante uma opinião diferente que lhe desagrade, ele
creia instantaneamente que esta se formou como as suas se formaram: partindo de
preferências emocionais subjectivas para o julgamento dos factos, e nunca o
contrário.
E quando lhe mostramos algo dos dados e
comparações que fomos trabalhosamente juntando para pensar como pensamos,
imagina que estamos apenas a improvisar argumentos ad hoc, para o vencer
e humilhar e para lhe impor as nossas escolhas subjectivas, as nossas crenças
cegas, os nossos “dogmas”.
Incapaz de recordar seu próprio trajecto
interior, como poderia revivenciar imaginativamente o nosso? Quanto mais
fundamentadas as razões que apresentamos, mais ele as entende como
exteriorizações de uma vontade irracional semelhante à sua.
E, evidentemente, se as nossas opiniões forem
minoritárias e inusitadas, e as suas respaldadas na crença comum, aí a sua incompreensão
radical dos nossos argumentos vê-se fortalecida pelo sentimento de ser a voz da
razão em luta contra o fanatismo cego e a loucura.
Nesses momentos ele poderá apelar ao costumeiro
louvor da “dúvida” e do “relativismo”, que, desligados da experiência interior
correspondente, se tornam eficientes vacinas contra a necessidade de auto-exame.
Pode também,
caso se sinta acossado e inseguro, emitir a nosso respeito um diagnóstico
psiquiátrico, usando algum termo técnico recém ouvido, que embora totalmente
deslocado da situação — e às vezes do sentido próprio da palavra — lhe dará uma
reconfortante sensação de normalidade.
É assim que funciona, hoje, o cérebro de um
típico “formador de opinião”. A diligência na busca da verdade, o auto-exame
constante, a luta com a complexidade dos factos e com a obscuridade da própria
alma são-lhe totalmente desconhecidos.
O verdadeiro
fundamento das suas opiniões é sua falta de autoconsciência.
A sua utilidade social e a razão do seu sucesso residem no facto de que mantém em circulação o catálogo de fórmulas convencionais, de frases feitas e chavões, colocando-os à disposição dos outros indivíduos, tal como ele, intelectualmente passivos, que deles necessitam para "racionalizar" as suas próprias impressões subjectivas e adquirir com isso a ilusão de que sabem do que estão a falar.
A mera
assimilação imitativa da linguagem “culta” tornou-se assim o substitutivo da
procura de conhecimento.
Olavo de Carvalho
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