AMOR, ALEGRIA E PREGUIÇA ESPIRITUAL
Há uma tendência moderna para considerar os santos
como um grupo de pessoas azedas e mal-humoradas como se de puritanos se
tratassem. Nada poderia estar mais longe da verdade. Os santos são sempre
grandes enamorados; e o amor inunda os corações com o brilho da alegria -
especialmente quando esse amor é por um Amigo Divino.
Olhemos objectivamente, por um momento, para este
facto. O amor une a nossa vontade à vontade do nosso amigo; a sua
felicidade é nossa felicidade. Mas, quando se trata da Amizade Divina, desde o primeiro momento,
o nosso Amigo não cessa de estar ligado intimamente connosco por meio daquela presença extremamente íntima da Graça Divina, que nos
permite participar da Sua própria vida.
Nada pode ameaçar a Sua felicidade; nada pode, portanto, ofuscar a alegria de nossa amizade.
Esta é um facto que permeia toda a vida cristã:
onde há caridade, há alegria.
E onde há alegria, a vida pode ser vivida intensa
e alegremente, sejamos nós empregados de limpeza ou vivamos em palácios; tenhamos
uma vida cheia de fracassos ou cheia de triunfos materiais.
A caridade é o património comum de todos os cristãos que se encontrem em em Estado de Graça, ou seja, de todos que estejam em estado de amizade com Deus. Não são, pois, apenas os santos que vivem alegremente; mas também o mais humilde dos homens, possuidor do menor grau de caridade.
Essa alegria, que vem do fundo do nosso coração, é
plena e profunda; mas, nesta vida, pode ser sempre aumentada, pois podemos
sempre aproximarmo-nos mais de Deus.
No céu essa alegria será tão plena que, em vez de ficar
encerrada nos nossos corações,envolver-nos-á como uma roupagem brilhante.
As fontes celestiais de alegria transbordam em
nosso ser, pois são proporcionais à infinita bondade de Deus; só Ele pode derramar
sobre nós o profundo e fresco cálice da alegria.
Mas, poder-se-ia generalizar e dizer que, muitas
vezes, o amor humano se desfaz justamente por causa de ninharias que, acumulando-se, vão adquirindo
uma importância exagerada.
Quando o amor se concentra nas contrariedades, nas
pequenas irritações, nos defeitos, nas tristezas da vida e nas desilusões do amor humano, então não está apenas traindo a alegria que lhe é inerente, mas está a preparar o
caminho para a sua própria destruição.
O mesmo se passa com a Amizade Divina.
Quando nos concentramos nas tristezas, misérias e
infortúnios da vida, estamos a trair muito mais do que a alegria própria
do amor; estamos a preparar-nos para abandonar a Amizade com Deus, para ter horror às coisas divinas, para fazer chegar o tempo em que a carne prevalecerá sobre o espírito.
Então, em vez do anseio pela pessoa amada e da
alegria jubilosa da amizade, virá o triste tédio e a irritação que preparam o
caminho para o ódio.
O coração humano necessita de alegria. E, se a alegria não vier da nossa amizade com
Deus, então, teremos de a procurar num reino
que já não será o do espírito.
A concentração exagerada da nossa atenção, nos
males terrenos que nos afligem, ofusca a alegria proveniente da nossa amizade
com Deus e leva a um crescente desprezo pelos bens do espírito; por outras
palavras, faz-nos concentrar cada vez mais nas atracções da carne e cada vez menos nas
alegrias do espírito.
Este é o caminho que leva, segundo S. Tomás, à Preguiça Espiritual.
Não se trata, aqui, da mera preguiça física. É
algo de muito mais profundo. É uma espécie de pasmo entediado, um torpor da
mente que nos leva a negligenciar as coisas do espírito e a querer chafurdar no
lodo tépido da carne.
São Tomás descreve-a como “uma tristeza que sobrecarrega o espírito do homem, impedindo-o de
operar”.
É uma tristeza estranha, pervertida, impregnada de
mal; pois chega a considerar a própria bondade de Deus como algo de doloroso e mau, afastando o homem da única coisa que verdadeiramente importa na vida, daquilo que o conduzirá ao seu fim
último.
Em si, a Preguiça
Espiritual pode ser venial ou mortal, conforme o grau de desgosto que
tivermos pelos bens espirituais.
Mas quanto
às suas potencialidades é sempre trágica.
É um pecado capital e como todos os pecados
capitais tem uma prole bastante desagradável; é simultaneamente uma fuga e uma perseguição: é
uma fuga de Deus e uma procura do mundo.
Do ponto de vista da fuga de Deus, S. Tomás aponta
como filhas da preguiça, “o desespero,
a pusilanimidade, o torpor da mente diante dos preceitos divinos
e, finalmente, a indignação contra as - e a aversão às - coisas espirituais”.
Do ponto de vista da procura dos prazeres mundanos,
São Tomás, sob o título geral de "mente
errática", agrupa as filhas da Preguiça
Espiritual em: “impertinência da
mente” - a tendência para pensar sempre a coisa errada em qualquer situação
-, “a curiosidade, a verbosidade, a inquietação do corpo - como sintoma da inquietação da mente - e, finalmente, a instabilidade”.
É certamente de assinalar esta intuição do Santo ao
reconhecer, no desassossego e agitação febris, um sintoma de preguiça.
Por outras palavras, a Preguiça Espiritual não é,
de forma alguma, uma mera preguiça física. É uma fuga; um voo desesperado e cheio
de pânico; há nela o travo insensato do homem que foge daquilo de que sabe não
poder escapar; e, a tentativa cobarde de afogar o medo no lodo dos prazeres
sensuais.
Numa palavra, a Preguiça Espiritual é a troca da
alegria de Deus, pela alegria do mundo.
A Companion
to the Summa, Walter Farrell, volume III, pag.58,59 e 60.
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