Por vezes, do fundo obscuro da alma humana, soterrada por paixões e terrores, nasce um impulso de se libertar da densa confusão dos tempos e erguer-se até a um ponto onde seja possível ver, por cima do caos e das tormentas, dos prazeres e das dores, um pouco da harmonia cósmica ou mesmo, para além dela, um fragmento de luz da secreta ordem transcendente que governa todas as coisas.
Este, é o impulso mais alto e mais nobre da alma humana. É dele que nascem todas as descobertas da sabedoria e das ciências, a própria possibilidade da vida organizada em sociedade, a ordem, as leis, a religião, a moralidade, e mesmo, por refracção, as criações da arte e da técnica que tornam a existência terrestre menos sofrida.
Nenhum outro desejo humano, por mais legítimo, pode disputar-lhe a primazia, pois é dele que todos adquirem a quota de nobreza que possam ter, residindo precisamente aí o critério último da diferença entre o humano e o sub-humano (ou anti-humano) e, por conseguinte, para além de toda controvérsia vã, a chave da distinção entre o bem e o mal.
É bom o que nos eleva à consciência da ordem e do sentido supremos, é mau o que dela nos afasta.
Não tem outro significado o Primeiro Mandamento: Ama a Deus sobre todas as coisas.
Acontece que a esse impulso fundamental corresponde um outro, dele derivado, mas não menos forte: aquele que leva o homem que entreviu a ordem e o sentido último a desejar repartir com os outros homens um pouco daquilo que viu.
Não há certamente maior benefício que se possa fazer a um semelhante do que lhe mostrar o caminho do espírito e da liberdade, pelo qual ele pode elevar-se a uma condição que, dizia o salmista, é apenas um pouco inferior à dos anjos.
Tal é, substancialmente, a forma concreta do amor ao próximo: dar ao outro o melhor e o mais alto daquilo que um homem obteve para si próprio.
Amamos o nosso próximo na medida em que o elevamos à altura dos anjos; fazemos-lhe o mal quando o rebaixamos à condição de bicho, seja com maus tractos, seja com afagos.
Nestas duas exigências está contida, dizia Cristo, toda a Lei e os profetas.
Olavo de Carvalho
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