Natal 2014         

 

O que poderia ser o melhor Natal da sua vida?

 Aquele em que apercebesse claramente a Presença de Deus.

Mas, o que é a Presença de Deus?

Ela é tantas coisas que todos os livros do mundo não bastariam para a descrever.

De todas essas coisas, sei somente uma. Ela pode ser muito modesta no conjunto, mas para mim é a mais importante, justamente porque é a única que conheço com a certeza absoluta de quem viveu a experiência e sabe do que está falando.

Vou tentar resumi-la.

Espero que goste deste meu presente de Natal.

É o seguinte. Quando falamos com alguém, não atiramos simplesmente palavras para todos os lados, mas dirigimo-nos  a uma pessoa determinada, da qual sabemos alguma coisa. Falar com Deus não é diferente disso.Temos de nos dirigir a Deus como a uma pessoa determinada aqui presente neste momento e não como a um anónimo desconhecido que não está em parte alguma.

Temos de nos apegar a algo que sabemos de Deus com certeza, e falar a esse algo como se tratasse de Deus inteiro. É claro que não é Deus inteiro, mas Deus não liga para isso. Quando falamos com seres humanos, é a mesma coisa. Falamos com uma pessoa, neste lugar, num momento determinado do tempo, como se o que estivesse diante de nós fosse a pessoa inteira, do nascimento até à morte, sabendo que não é, mas que, de algum modo, o que você diz a esse recorte de pessoa, chega à pessoa inteira.

Pois bem, de Deus há uma coisa que eu sei com toda a certeza, e é por esse canal que Lhe falo.

Na verdade são duas coisas.

A primeira é que Ele me conhece melhor do que eu me conheço a mim mesmo e que nada que eu Lhe diga de mim será novidade para Ele. Pelo contrário: eu conto um pedacinho da história e Ele vai mostrar-me o resto.

Só há um problema: será que nós mesmos queremos saber, assim, tantas coisa a nosso respeito? É que, se não tivermos a firme disposição para aceitar o nosso retracto tal como Deus nos mostra, com todas as surpresas agradáveis e desagradáveis, Ele não não mostrará nada.

Às vezes queremos contar a Deus os nossos pecados, mas como poderemos fazê-lo, se é somente o próprio Espírito Santo quem nos ensina quais são esses pecados? Às vezes pensamos que é um, e na verdade é outro. Convém, pois, pedir a Deus que nos revele os nossos verdadeiros pecados, para que os confessemos; e, aos poucos, nos dias seguintes, ir-nos-emos lembrando de vários deles, que andavam perdidos na nossa memória ou que nem nunca lá chegaram a estar.

Mas é claro que o que estou dizendo não se refere só aos pecados. Podemos pedir também que Deus nos mostre quem realmente somos. Só que, se Ele mostrar tudo de uma vez, não caberá no nosso círculo de atenção. Portanto, devemos pedir que Ele nos revele, de tudo quanto nós somos, só aquilo que Ele achar verdadeiramente importante que saibamos naquela etapa da nossa vida.

A segunda coisa é essencial para que  tudo isto funcione. 

Todos nós falamos de nós mesmos usando a palavra “eu”. O nosso eu, é o centro agente e consciente que tenta dirigir os nossos actos e pensamentos no meio de uma gigantesca confusão que provém do nosso inconsciente, do meio social, de fragmentos de conversas entre-ouvidas, da TV - do diabo.

Ora, toda essa confusão está em nós, de algum modo faz parte de nós, mas não é o nosso “eu”. Isso quer dizer que cada um de nós só é um “eu” de maneira parcial e imperfeita. Somos muito imperfeitamente personalizados. Há muitos pedaços em nós que nos são estranhos, que são anónimos. Pedaços de nós que são coisa, e não pessoa.

Os bichos e as coisas à nossa volta não têm um eu. Não podem falar consigo mesmos, viver a vida interior de alguém que se conhece como sendo um centro agente, responsável, consciente, pelo menos em parte, da sua história e co-autor consciente, espera-se, dos capítulos restantes.

De todos os seres e coisas, só o ser humano tem um “eu”, ainda que incompleto e imperfeito.

Deus, no entanto, tem um Eu completo e perfeito. Ele mesmo, por meio de Moisés, nos ensinou o Seu Nome, e esse nome é “Eu Sou”.

 N´Ele não há elementos estranhos, que Ele próprio desconheça. Em Deus não existe alteridade.

Mas se o Eu de Deus é completo e perfeito, e o nosso é parcial, fragmentário e imperfeito, isso quer dizer que, só temos um eu, por Graça de Deus; porque Ele nos conferiu, na medida das nossas possibilidades, uma capacidade que, em rigor, só Ele possui.

Foi nesse sentido que Paul Claudel, o poeta, disse: “Deus é Aquele que, em mim, é mais eu do que eu mesmo.” 

Deus, portanto, não só sabe tudo a nosso respeito, mas é d’Ele que vem a nossa capacidade de falar de nós mesmos (e com Ele), a capacidade de possuir uma “intimidade” que nenhuma coisa ou bicho jamais possuirá.

Foi por isso que outro poeta, António Machado, disse: “Quem fala consigo espera falar a Deus, um dia.”

Um dia? Quando?

 Saltamos da conversa solitária para a conversa com Deus no instante em que tomamos consciência de que: (a) estamos a falar com Alguém que nos conhece melhor do que nos conhecemos a nós próprios; (b) estamos a falar com Alguém que é a própria raiz, a fonte mais íntima da nossa capacidade de nos conhecermos e de falarmos com nós mesmos. Alguém que é mais nós do que nós mesmos. 

Então descobrimos que Ele sempre esteve aqui e que a única coisa que  nos separava  d’Ele era aquilo que o separava de nós mesmos.

A partir desse instante, falar com nós mesmos, na oração, torna-se uma abertura para descobertas infindáveis, para uma intensificação do nosso eu, da nossa consciência de nós mesmos, da nossa presença diante de nós mesmos, dos outros "eus", do mundo e do próprio Deus.

Descubra isto neste Natal e seja feliz.

Olavo de Carvalho

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