A aceitação do absurdo como libertação
Há dias, o
conhecido retransmissor de propaganda da CIA, Nuno Rogeiro, afiançava “existirem indícios" de
terem sido os russos os fautores das explosões na ponte que liga a Crimeia à
Rússia.
E, um pouco
mais à frente, no mesmo jornal, contava-se como essa dispendiosa obra de engenharia tinha
sido levada a cabo após a ocupação da Crimeia em 2014, constituindo um motivo
de orgulho nacional para os russos.
As duas afirmações
contradiziam-se. Uma dizia terem os russos investido milhões na construção duma
das pontes mais extensas do mundo, a outra, dava a entender - não se concebe bem porquê - que os próprios russos a tinham, depois, tentado destruir.
A
contradição poderia ser resolvida rapidamente, através duma simples operação
lógica que atentando nas premissas concluísse que uma impugnava a outra.
Mas a
generalidade dos leitores de jornais e telespectadores, não se dá ao trabalho de fazer esse tipo de análises. Vão, antes, absorver as mensagens, as duas em simultâneo, deixando que o
automatismo inconsciente resolva a contradição.
O inconsciente, no entanto, desconhece as subtilezas do raciocínio. Para ele não existem
contradições, não existe sequer a palavra “não”; só existem, neste caso, imagens
afirmativas.
O que ele vai
fazer, portanto, é ignorar a contradição e sobrepor simplesmente as duas ideias,
gerando uma terceira que as acomode da maneira mais confortável.
O resultado será mais ou menos o seguinte: “os malvados russos, não só construíram uma ponte para melhor se ligarem à Crimeia como, depois de a construírem, resolveram, por meio dum cobarde acto terrorista, destruí-la”.
Pela magia
do inconsciente, ficam assim harmonizados numa síntese indissolúvel o
investimento na construção da ponte e a sua destruição.
Aquilo que,
num debate científico ou filosófico, se traduziria na conclusão de que a segunda
afirmação anula completamente a primeira, torna-se, no reino da propaganda,
uma força psicológica inconsciente que reforça a impressão transmitida pela primeira.
Longe de constituir um obstáculo à disseminação de uma ideia, o absurdo pode favorecê-la, justamente porque a estimulação contraditória, quando persistente e em doses maciças, amortece a inteligência do destinatário e predispõe-no a uma apatetada passividade por meio da qual fica pronto a deixar-se conduzir, docilmente, pelos mesmos espertalhões que o deixaram nesse estado.
E, uma vez a razão paralisada não resta ao indivíduo outra saída senão entregar-se à pura emoção para se aliviar da indecisão sentida.
Hoje, a linguagem da propaganda política, já nada tem a ver com as antigas artes rectóricas, cujo fundamento, em última análise, era a persuasão racional; e a manipulação está de tal modo disseminada e tornou-se tão usual que, qualquer tentativa de persuadir racionalmente o cidadão, é por ele rejeitada, com horror, como se algo de sumamente “autoritário” se tratasse.
Raciocinar
tornou-se, para ele, um esforço doloroso equiparado ao trabalho escravo.
As conclusões inelutáveis do raciocínio lógico, obtidas a partir de factos ou de provas, são, por ele, encaradas com ressentimento, como se fossem imposições exteriores inaceitáveis e não o resultado natural de um percurso da inteligência.
Basta lembrar o ocorrido durante a recente “pandemia”,
onde a observação pessoal directa e os dados estatísticos da mortalidade da
doença, contradiziam gritantemente a narrativa oficial sobre a respectiva gravidade;
mas, essas mesmas contradições, em vez de acalmarem as populações, ainda contribuíam
para mais aumentar a desorientação e o pânico histérico em que estavam
mergulhadas, agudizando a sua raiva contra quem quer que ousasse mencioná-las.
Outro exemplo poderá ser encontrado na ideologia "climática"; neste caso, os factos contradictaram tão patentemente as sucessivas previsões de aumento das temperaturas globais que foi necessário substituir o conceito de "aquecimento global" pelo de "alterações climáticas" - conceito bem mais defensável pois que, como que por definição, desde que o mundo é mundo, o clima altera-se constantemente.
Há muito nelas viciados, os
cidadãos dos estados modernos, exigem, dos políticos, dos "especialistas" e da comunicação social, a dose diária de
absurdidades, sem a qual se sentem aturdidos e desamparados como um cãozinho de colo
perdido na rua.
Acontece
que, a liberdade não se resume a leis e instituições - nem se quer a constituições. Ela, pressupõe um adestramento da
inteligência de cada um em ordem à responsabilidade das decisões pessoais.
Mas, o cidadão moderno foi habituado desde a infância,
a encarar todo o esforço de apreensão da realidade como uma espécie de trabalho
forçado; enquanto foi levado a ver, na submissão emotiva à mais descarada propaganda - por ser fácil e não
exigir esforço -, o mais puro exercício de liberdade.
(Adaptação de um texto de Olavo de Carvalho)
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