“A Maturidade é tudo” (Shakespeare)

 

Em praticamente tudo o que tenho lido e ouvido sobre sexo, desejo e amor, reina a mais tosca e pueril confusão entre experiências que, embora completamente distintas, são todas elas associadas a esses termos; termos esses que, para aumentar a confusão, quase sempre são tomados como sinónimos.

No seu nível mais imediato e fisiológico, o desejo é um fenómeno puramente interno, produto da química hormonal sem objecto definido e que, por isso mesmo, pode ser em seguida projectado sobre qualquer objecto real ou imaginário. É uma pura urgência fisiológica, um “desejo de gozar” que aparece sem a necessidade de nenhum excitante externo e pode ser satisfeito por mera fricção mecânica.

Bem diferente é o desejo despertado pela visão directa ou indirecta de um objecto, de um corpo desejável. Nesse caso, invariavelmente, o factor excitante é algum traço sexual secundário ao qual o sujeito seja particularmente sensível: peitos, traseiros, pernas, olhos, etc. Este é o nível que corresponde tecnicamente à noção escolástica da concupiscência. Os comentários de garotões de praia perante as transeuntes que lhes parecem gostosas são uma enciclopédia das expressões verbais que manifestam esse tipo de desejo.

Num terceiro nível o desejo não é despertado por nenhuma característica física mais saliente, mas por uma impressão geral, indefinida e não-localizada de beleza ou charme, quase uma aura mágica em torno da pessoa desejada.

Logo acima disso vem a paixão, o enamoramento, o coup de foudre que torna a pessoa uma presença obsessiva e insubstituível na mente do apaixonado. Esta emoção é repleta de ambiguidades. Traz inevitavelmente consigo a ansiedade, o medo da rejeição, e acciona um conjunto de mecanismos psicológicos de defesa contra a frustração possível.

Vencidas essas ambiguidades, o enamoramento pode consolidar-se num sonho conjugal, o anseio de ter a pessoa amada ao nosso lado para sempre. A este nível o desejo assume tons de um valor moral, destinado a manifestar-se na aceitação comum de sacrifícios para o benefício mútuo, para a criação de uma família, para a aceitação de responsabilidades sociais, etc. A resistência maior ou menor às dificuldades pode levar a resultados que vão desde a criação de uma família estável até uma variedade de desastres conjugais.

Só no topo da experiência conjugal com todas as suas ambiguidades é que pode, no entanto, surgir o verdadeiro e genuíno amor, no sentido pleno da palavra, que é o impulso firme, constante e irrevogável de tudo sacrificar pelo bem da pessoa amada, de perdoar sempre e incondicionalmente os seus defeitos e pecados, de a proteger de todo mal e de toda tristeza, ainda que com o risco da nossa própria vida, e de a conservar ao nosso lado como o nosso bem mais precioso, não só nesta existência terrestre, mas por toda a eternidade.

Cada um desses níveis engloba e transcende o anterior, e só quem passa à fase seguinte compreende o que estava em jogo na anterior.

É evidente que só quem percorreu o trajecto inteiro está habilitado a formar uma visão abrangente e objectiva da experiência sexual, que os outros só vislumbram de maneira parcial e subjectiva– não raro solipsista – determinada pela sua fixação numa etapa que se recusam a ultrapassar. 

Infelizmente, este último é o caso da maioria dos “formadores de opinião”, universitários,, legisladores ou mediáticos, que se oferecem gentilmente para orientar a vida conjugal alheia segundo a medida do seu próprio subdesenvolvimento existencial.

Muitos não se contentam com isso e fazem da sua própria consciência atrofiada um critério de moralidade com base no qual julgam e condenam o que não compreendem. São esses que denomino “pequenos e médios psicólogos”: almas atrofiadas, que querem ajustar a vida sexual alheia, ao modelo da sua própria pequenez.  

Todos os animais crescem e se desenvolvem em ordem a alcançar a realização das potencialidades máximas da sua espécie, e não de qualquer outra. A esse auge chama-se “maturidade”.

Um esquilo alcança a maturidade quando se torna capaz de armazenar avelãs suficientes para se alimentar durante o inverno; um urso, quando se torna grande, pesado, e suficientemente forte e feroz para se defender de outros ursos; uma gazela, quando se torna capaz de correr a muitos quilómetros à hora para fugir dos seus predadores.

A escala do desenvolvimento sexual que expus acima é própria e exclusiva do ser humano. Ela é a medida de aferição da maturidade humana. Quem não chegou à última etapa está abaixo da medida humana.

Pode estar a evoluir para a alcançar ou pode estar fazendo o possível para estacionar numa das primeiras etapas, tomando-a fetichisticamente pela essência última do fenómeno sexual. 

Pode até fazer tudo para que outros também por aí fiquem porque a característica fundamental dos pequenos e médios seres humanos é o ódio à maturidade. 

O que há de mais belo, nobre e elevado no ser humano é justamente o processo pelo qual, por transmutações sucessivas, o mais egoísta dos instintos se transfigura em bondade, generosidade, perdão e auto-sacrifício.

Abdicar disso é renunciar à vocação humana e tentar competir com outras espécies animais naquilo que lhes é próprio.

Esse processo não deve ser confundido com algum pretenso “conflito entre matéria e espírito” – um chavão gnóstico que, nesta época de confusão mental estupenda, muitos tomam por cristão. O referido impulso evolutivo faz parte do próprio instinto sexual, que se compõe ao mesmo tempo de uma ânsia de auto-satisfação e de uma tendência incoercível à busca do outro amado.

O conflito permanente entre o centrípeto e o centrífugo, entre imanência e auto-transcendência é inerente à própria força sexual, e é isso que faz dela, de maneira inteiramente natural, o motor do processo evolutivo que descrevi.

É patente que os pequenos e médios sexólogos não observaram suficientemente o fenómeno sobre o qual opinam, já que nem sequer chegam a notar a sua natureza contraditória e dialéctica, tomando-o simploriamente por uma força unívoca voltada para a busca de uma generalidade chamada “prazer”.

Uma sociedade onde esta gente predomina, jamais se tornará adulta.

Olavo de Carvalho

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