«Embora, nunca como hoje, se encha tanto a boca com a palavra liberdade, a verdade é que, nas democracias liberais modernas, o controlo exponencialmente invasivo da vida dos cidadãos parece não ter fim.

Trata-se dum problema irresolúvel, do ponto de vista humano: o liberalismo e todas as doutrinas, de esquerda ou de direita, dele derivadas, trazem ínsito no seu ADN o conceito de autodeterminação e este opondo-se ao conceito aristotélico de liberdade (posteriormente, adoptado e desenvolvido por S. Tomás), que se consubstanciava na capacidade do ser humano actuar segundo a ordem do ser (segundo a realidade, a verdade, a natureza das coisas, o Logos, a ordem divina), traduz-se, pelo contrário, na “liberdade do querer” de que falava Heguel, uma “liberdade verdadeiramente infinita cujo limite se encontra apenas nela própria”.

Esta liberdade de cada um configurar a própria vida ao seu gosto converte cada ser humano num pequeno déspota que, se bem lhe apetecer, pode independentizar-se da família – pelo divórcio, das responsabilidades parentais - pela contracepção, da vida que se desenvolve no seu seio – pelo aborto, do seu próprio corpo – pela mudança de sexo, ou até da sua própria vida – pela eutanásia.

Uma liberdade que se autodetermina a cada instante, ao contrariar a ordem ontológica, enche a sociedade de cidadãos imbuídos de um individualismo feroz, cada vez mais solipsistas, obcecados com os seus direitos, transformando os povos em hordas inorgânicas e amorfas, facilmente subjugáveis, tanto mais que a defesa e a imposição de tais direitos pressupõem a existência dum poder suficientemente forte e invasivo para, no meio do caos social instalado, os poder defender e impor.

A sociedade liberal, ao destruir a ordem do ser, substitui os vínculos naturais entre as pessoas por vínculos puramente contratualistas (jurídicos), dando origem a uma forma de coexistência horrenda, a uma sórdida dis-sociedade, resultante da mera agregação de indivíduos intercambiáveis, todos suportando, por igual, a dura pena de serem constantemente vigiados e coagidos por uma legião de leis, regulamentos e medidas coercivas que, com o auxilio da moderna tecnologia, se tornaram, como nunca, omnipresentes.

É bom de ver que, uma sociedade assim destroçada, onde cada qual, para seu lado, se entretém a renegar, à sua vontade, a ordem das coisas, jamais conseguirá ter ânimo para se livrar desta tirania.»


Ryszard Legutko


 

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