DA RESSURREIÇÃO

 

O maior ensinamento que a Ressurreição de Cristo nos pode dar é o de que não devemos dar demasiada importância à nossa vida corpórea, com todo o seu cortejo de misérias, sofrimentos e decepções; mas também não a devemos negligenciar.

 É compreensível, que numa época secularista e (como tal) decadente como a nossa, os cristãos tendam a focar-se mais nos aspectos anti materialistas da Doutrina Cristã por serem aqueles mais opostos ao espírito moderno. Efectivamente, do ponto de vista secularista dominante, não existe pior destino na vida do que ver frustradas as ambições terrenas: ser-se saudável e rico, ter a possibilidade usufruir de inúmeras “experiências” e “relações”, alcançar-se uma vida prazerosa e longa; e, na mesma perspectiva, não é concebível maior tragédia do que não conseguir obter todas essas coisas, uma vez que no fim do caminho nos espera, apenas, a extinção total e eterna.

Woody Allen captou bem a essência desta mentalidade na seguinte frase: “A vida é cheia de miséria, solidão e sofrimento – mas acaba depressa demais”.

Ora, esta visão da condição humana é patética. Todos os filósofos clássicos e todos os Doutores da Igreja sabiam não haver pior cegueira do que não conseguir ver a  eternidade para além dos poucos anos passados na Terra. Para eles a morte era apenas o fim do tempo gasto na sala de espera. Algumas salas de espera são terrivelmente maçadoras  e desconfortáveis; outras, são tão cheias de entretenimentos e prazeres, que é um desapontamento amargo quando chega a hora da partida.

Mas, a verdade é que em qualquer dos casos, com a morte do corpo, não deixamos se não uma sala de espera.

A Doutrina Cristã diz-nos que temos almas imortais e que as coisas terrenas em si mesmas não têm grande valor. Mas, não confundamos, segundo a mesma doutrina, uma alma não é uma pessoa completa. A alma é o que resta duma pessoa após a morte; e, a perda do corpo, é sempre uma injúria grave e não uma libertação.

 Por outro lado, a nossa vida corpórea interessa, mas só na medida em que, o que nela fizermos e sofrermos, determina perpetuamente o caracter da nossa alma após a morte .

E, é aqui que a mensagem cristã se torna anti platónica. Segundo ela  somos seres corpóreos por natureza e não por acidente. Ou seja, a alma não está completa sem a carne. Nem está destinada a ser expurgada de todos os traços que fizeram parte do indivíduo que viveu, respirou, sofreu e morreu, como se tratasse do atman impessoal do hinduísmo.

Por isso, a Ressurreição de Cristo não nos diz apenas que a morte não é o fim da alma; diz-nos mais: que a morte não é o fim do indivíduo como ser corpóreo; e, não nos diz que os sofrimentos desta vida serão esquecidos; diz-nos que eles serão redimidos; diz-nos que um bem perpétuo brotará dum mal finito, como o vinho brotou da água em Canaã.

 Cristo ressuscitado exibe até ao fim dos tempos as suas chagas como troféus, diz-nos S. Tomás de Aquino (Suma Teológica, Terceira Parte, Questão 54, Artigo 4º). Elas, são como as cicatrizes ganhas por um guerreiro que jamais pensará apagá-las, para não apagar a memória viva de seus feitos heroicos.

Do mesmo modo, a lição da Ressurreição é a de que todas as nossas dores - o nosso coração desfeito, a perda de qualquer esperança neste mundo, o horror da perda de um ente querido, a decadência do corpo e a agonia da morte – todas essas memórias serão, na eternidade, as nossas Chagas de Cristo. Terão, então, é bom de ver, um caracter radicalmente diferente, mas serão vistas como aquilo que, na realidade, sempre foram – meios de purificação e aperfeiçoamento do combatente espiritual que fomos.

Será assim, pelo menos, para aqueles que amam a Deus (Romanos, 8:28). Porque, existe um reverso trágico da Ressurreição; os corpos serão, no Dia do Juízo Final, restituídos tanto aos réprobos como aos eleitos, mas o carácter da alma de cada um ficará para sempre fixado naquelas coisas que o seu coração mais amou durante a vida terrena. A memória dos prazeres ilícitos, do apego a mamon, da ânsia de fama, sucesso mundano e poder, atormentá-lo-ão eternamente como uma lembrança perpétua da sua estupidez e cegueira - “na verdade, tiveram, já, a sua recompensa”.

E, essa é uma recompensa que se deve temer mais que a morte.

A morte do corpo é uma realidade assustadora. A  morte de Sócrates, embora honrosa, não foi a morte dum homem que tivesse uma noção correcta do que a morte realmente é. Claro que, a sua noção de morte, ainda que parcial, estava imensamente mais próxima da Verdade que a “verdade” dos materialistas modernos. É mil vezes melhor ser-se um pagão do tipo platónico do que ser aquela triste e desprezível coisa a que Nietzsche chamava o “último homem”, um individualista obcecado com o próprio bem estar e conforto, produto característico da modernidade secular e liberal.

Platão, no Fédon, dá-nos uma imagem da morte como um adormecer durante uma boa conversa filosófica com um grupo de amigos.

Mas, a realidade da morte, é melhor traduzida na imagem dum Santo Inácio de Antioquia a ser devorado por leões, ou na de um S. Policarmo a ser consumido pelas chamas.

E, no entanto, eles enfrentaram essas mortes pavorosas com não menos ânimo que Sócrates.

 O “último homem” de Nietzsche diz-nos: “a morte é horrível e devemos temê-la!”

Sócrates diz-nos: ”a morte não é horrível e não devemos temê-la!”

 A Ressurreição de Cristo diz-nos “ a morte é horrível mas não devemos temê-la!”

EDWARD FESER (Doutor em Filosofia Tomista)

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