DO MATRIMÓNIO
É
frequente livres-pensadores afirmarem
que Jesus de Nazaré era um homem do seu tempo, muito embora – concedam, eles,
magnânimos - estivesse à frente do seu tempo; e que, por tal motivo, não seria possível
aceitar a ética que Ele propôs como uma ética definitiva.
Passam
de seguida a criticar essa ética afirmando, com razoável plausibilidade, que
uma pessoa não pode dar sempre a outra face, ou que não deve deixar de pensar
no dia de amanhã, ou ainda que a auto-negação é excessivamente ascética e a
monogamia excessivamente rígida.
Acontece, porém que, naquele tempo, os zelotas e os legionários
também não davam a outra face, - ou, ainda davam menos do que nós; e, os
mercadores judeus e os cobradores de impostos romanos também pensavam no dia de
amanhã - ou, ainda pensavam mais do que nós.
Não
podemos, pois, fingir que se trata de trocar uma moralidade do passado por uma
moralidade mais adequada ao nosso tempo, porque não estamos perante uma moralidade
de um outro tempo; estamos perante uma
moralidade de um outro mundo.
Pode-se,
por ventura, dizer que os ideais, por Ele propostos, são impossíveis, mas não se
pode de maneira nenhuma dizer que são impossíveis só para o nosso tempo.
O que se passa é que são ideais marcados por
uma tal transcendência que se tornam impossíveis sempre para o mesmo tipo de
pessoas.
Pensemos,
por exemplo, na questão do casamento e das relações entre os sexos. Poderia
muito bem ter acontecido que um mestre galileu tivesse ensinado coisas que
fossem naturais num ambiente galileu; mas não foi isso que se passou. Era de esperar, do ponto de vista racional, que
um homem do tempo de Tibério tivesse proposto uma visão das coisas condicionada
pelo tempo de Tibério. Ora, não foi isso que Ele fez; aquilo que Ele propôs foi
uma coisa muito diferente; uma coisa muito difícil; mas, uma coisa tão difícil
agora, como na altura.
Cristo,
de modo algum, sugere, na visão que dá do matrimónio, a situação da Palestina
no século I. Não sugere, aliás, coisa nenhuma, que não seja a visão sacramental
do matrimónio, tal como foi desenvolvida, algum tempo depois, pela, Igreja
Católica; e que era tão difícil para as pessoas da época como é para as de
agora; e, até, muito mais intrigante para as pessoas da época do que para as de
agora.
Nem Judeus, nem romanos, nem gregos
acreditavam – e também não compreendiam o suficiente para não acreditarem – na
ideia mística de que um homem e uma mulher se transformam numa única substância sacramental. Pode-se pensar que se trata de
um ideal inconcebível ou impossível; o que não se pode é pensar que é mais
inconcebível ou impossível para nós do que era para eles.
Ou
seja, independentemente de tudo o resto, não é de maneira nenhuma verdade que
as ideias de Jesus da Nazaré fossem adaptadas ao seu tempo, mas não sejam ao
nosso. E, a maneira como a sua história acabou, é uma boa indicação do grau de
adaptação a esse tempo – ou da falta dela.
“O
céu e a terra hão-de passar, mas as Minhas palavras não passarão”.
A verdade é que quando os livres-pensadores dizem ter sido Jesus um homem do Seu tempo, aquilo que está verdadeiramente em causa é
que invariavelmente são eles que estão condicionados pelos preconceitos dos seus
respectivos tempos.
Podemos
não acreditar em sacramentos, mas é perfeitamente claro que Cristo acreditava no
Sacramento do Matrimónio à sua maneira, e não à maneira corrente na
actualidade, ou corrente no seu tempo. Não foi certamente à lei mosaica, ou à
lei romana, ou aos hábitos do povo da palestina que Ele foi buscar o argumento
que apresentou contra o divórcio. Os críticos da altura pensaram exactamente o
que pensam os críticos de agora. Que se trata de um dogma arbitrário,
transcendente, vindo sabe-se lá de onde; acontece que vinha dEle mesmo. E, é
tão fácil defendê-lo agora como foi defendê-lo na altura.
Trata-se de um ideal que está inteiramente
fora do tempo; que é difícil em qualquer período; mas não é impossível em época
nenhuma.
Não
é, de todo o que se podia esperar de um
homem que caminhasse entre homens daquele tempo; é muito mais uma formulação misteriosa, proferida por um ser
sobre-humano que caminhasse entre os homens.
G.K.
Chesterton, The Everlasting Man
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