"Quando deixamos de estar sujeitos aos Dez Mandamentos, ficamos logo sujeitos a milhões de mandamentos"
G.K. Chesterton
O Lícito, o
Obrigatório e o Interdito
Giorgio
Agamben (filósofo)
Se o louvável é aquilo cuja execução é recompensada e cuja omissão não é
proibida, e o condenável é aquilo cuja omissão é recompensada e cuja
execução não é proibida, lícito é aquilo sobre o que a lei tem de ficar silenciosa e que, portanto, nem é obrigatório nem é proibido, nem é louvável nem
é condenável, correspondendo a um estado “paradisíaco”, em que as acções humanas
não produzem qualquer responsabilidade, nem são de forma alguma “pesadas” pela
lei.
Mas – e este
é o elemento decisivo – segundo os juristas árabes, é bom que esta área, em que a
lei não pode em caso algum se imiscuir, seja o mais ampla possível, porque a justiça
de uma Cidade mede-se precisamente pelo espaço que ela deixa livre de regras e
sanções, recompensas e censuras.
Na sociedade
em que vivemos, está a acontecer exactamente o contrário.
A área do
lícito encolhe cada dia mais e uma hipertrofia regulatória sem precedentes
tende a não deixar nenhuma esfera da vida humana fora da obrigação e da
proibição. Gestos e hábitos que sempre foram considerados indiferentes à lei, são hoje meticulosamente regulamentados e pontualmente sancionados, a ponto de
praticamente não haver mais nenhuma esfera do comportamento humano que possa
ser considerada meramente lícita.
Primeiro razões de segurança nunca identificadas, depois um número crescente de razões de saúde, tornaram obrigatória a obtenção de autorização para praticar os actos mais habituais e inocentes, como andar na rua, entrar em locais públicos ou ir ao trabalho.
Uma
sociedade que restringe a tal ponto a esfera “paradisíaca” do comportamento
não-legal, não é apenas, como pensavam os juristas árabes, uma sociedade
injusta, é propriamente uma sociedade inviável, na qual toda e qualquer acção
deve ser burocraticamente autorizada e legalmente sancionada e onde a
facilidade e a liberdade dos costumes, a doçura das relações e as formas de vida
são reduzidas ao ponto de se extinguirem.
Numa tal
sociedade, a arte de viver só pode consistir em minimizar o obrigatório e o
proibido e em, inversamente, maximizar o permitido - a única área em que, se
não a felicidade, pelo menos a alegria, se torna possível.
Mas é
precisamente isso que, os miseráveis que nos governam, estão a fazer tudo
para impedir e dificultar, multiplicando as regras, os regulamentos e os
controlos, até que a deprimente máquina que construíram se desmorone, bloqueada
pelas próprias regras e dispositivos que a deveriam manter em funcionamento.
Agamben: quand le champ du « licite » se rétrécit de plus en plus | Benoit et Moi (benoit-et-moi.fr)
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