"Quando deixamos de estar sujeitos aos Dez Mandamentos, ficamos logo sujeitos a milhões de mandamentos"

G.K. Chesterton


                                             O Lícito, o Obrigatório e o Interdito

Giorgio Agamben  (filósofo)


 Segundo os juristas árabes, as acções humanas dividem-se em cinco categorias, que eles enumeram da seguinte forma: obrigatórias, louváveis, lícitas, repreensíveis e proibidas. Ao obrigatório opõe-se o proibido, ao louvável o condenável. Mas a categoria mais importante é aquela que está no meio e constitui, de certa forma, o eixo da balança que pesa as acções humanas e mede a sua responsabilidade (responsabilidade que,  na linguagem jurídica árabe, se chama “peso”). 

Se o louvável é aquilo cuja execução é recompensada e cuja omissão não é proibida, e o condenável é aquilo cuja omissão é recompensada e cuja execução não é proibida, lícito é aquilo sobre o que a lei tem de ficar silenciosa e que, portanto, nem é obrigatório nem é proibido, nem é louvável nem é condenável, correspondendo a um estado “paradisíaco”, em que as acções humanas não produzem qualquer responsabilidade, nem são de forma alguma “pesadas” pela lei.

Mas – e este é o elemento decisivo – segundo os juristas árabes, é bom que esta área, em que a lei não pode em caso algum se imiscuir, seja o mais ampla possível, porque a justiça de uma Cidade mede-se precisamente pelo espaço que ela deixa livre de regras e sanções, recompensas e censuras.

Na sociedade em que vivemos, está a acontecer exactamente o contrário.

A área do lícito encolhe cada dia mais e uma hipertrofia regulatória sem precedentes tende a não deixar nenhuma esfera da vida humana fora da obrigação e da proibição. Gestos e hábitos que sempre foram considerados indiferentes à lei, são hoje meticulosamente regulamentados e pontualmente sancionados, a ponto de praticamente não haver mais nenhuma esfera do comportamento humano que possa ser considerada meramente lícita.

Primeiro razões de segurança nunca identificadas, depois um número crescente de razões de saúde, tornaram obrigatória a obtenção de autorização para praticar os actos mais habituais e inocentes, como andar na rua, entrar em locais públicos ou ir ao trabalho. 

Uma sociedade que restringe a tal ponto a esfera “paradisíaca” do comportamento não-legal, não é apenas, como pensavam os juristas árabes, uma sociedade injusta, é propriamente uma sociedade inviável, na qual toda e qualquer acção deve ser burocraticamente autorizada e legalmente sancionada e onde a facilidade e a liberdade dos costumes, a doçura das relações e as formas de vida são reduzidas ao ponto de se extinguirem.

 Além disso, a quantidade de leis, decretos e regulamentos é tamanha que, não só se torna necessário recorrer a especialistas para saber se determinada acção é permitida ou proibida, como também, os próprios responsáveis ​​pelo cumprimento das regras, se tornam confusos e contraditórios.

Numa tal sociedade, a arte de viver só pode consistir em minimizar o obrigatório e o proibido e em, inversamente, maximizar o permitido - a única área em que, se não a felicidade, pelo menos a alegria, se torna possível.

Mas é precisamente isso que, os miseráveis ​​que nos governam, estão a fazer tudo para impedir e dificultar, multiplicando as regras, os regulamentos e os controlos, até que a deprimente máquina que construíram se desmorone, bloqueada pelas próprias regras e dispositivos que a deveriam manter em funcionamento.

Agamben: quand le champ du « licite » se rétrécit de plus en plus | Benoit et Moi (benoit-et-moi.fr)

Comentários

Mensagens populares deste blogue