Abstinência


                                                                                A sua natureza

 

Se abster-se apenas de comida, fosse uma virtude então, a ingestão de comida seria pecaminosa. No entanto é  exactamente este tipo de absurdo que está implícito no ataque dos modernistas - grandes “protectores” da liberdade – ao jejum e à abstinência.

Um homem é livre de se recusar a comer; ou porque não tenha apetite ou porque esteja a fazer greve de fome. Mas, em nenhum destes casos, se trata duma questão de abstinência. O objectivo desta virtude é dar uma nota de razoabilidade ao acto de comer. O homem que deixa de tomar café como penitência, mas que inferniza a vida à sua família, não é um homem abstinente; nem, tão pouco, o estudante ascético que fica acordado, noite após noite, rezando, apenas para depois adormecer nas aulas durante o dia.

 Essas coisas são irracionais, portanto, não podem ser virtuosas.

A virtude da abstinência entra em acção apenas quando os limites da razão são cuidadosamente observados; o seu trabalho é precisamente restringir a limites razoáveis o uso de alimentos pelo homem.

 

                                           O Seu acto – o Jejum; Finalidades

 

A abstinência impede o homem de abusar da comida. O jejum - um acto de abstinência - vai um passo mais além e impede o homem de comer o que poderia muito bem ser comido sem nenhum abuso. Mais uma vez, devemos insistir que não se trata aqui de condenar a comida. Comer certamente não pode deixar de ser motivo de alegria. Recusar-se a comer o suficiente, para ser virtuoso, tem de ser também razoável; e só pode ser razoável se visar fins mais elevados do que os seus propósitos imediatos.

Se, em circunstâncias razoáveis eu tiver um apetite saudável, por um pedaço razoável de bife e me recusar a comê-lo, então vai ser preciso adiantar algumas explicações, porque se esta recusa não tiver qualquer motivo, será um acto de insanidade; se proceder da convicção de que a própria comida é má e deve ser evitada, então é um acto vicioso; mas se for para algum fim mais elevado, como treinar a alma ou satisfazer pelos pecados, então pode muito bem tratar-se de um acto virtuoso.

Podemos obter uma visão mais realista e concreta dos fins mais elevados que o jejum prossegue, se recordarmos qualquer primeira semana da Quaresma. Depois de alguns dias de mortificação bem-sucedida, ficamos com uma sensação de imença satisfação, de superioridade em relação ao nosso antigo eu, de orgulho de nós próprios, de que nos  realizámos como seres humanos, porque tivemos um domínio total sobre os nossos apetites, porque estamos a ser eminentemente humanos e sabemos disso. 

Experimentamos, no fundo, a alegria de sermos verdadeiramente humanos.

Ao jejuar, estamos a sinalizamos aos nossos apetites, sem sombra de dúvida, que é a Razão que manda na nossa casa; e por esse mesmo facto, damos aos nossos apetites um hábito inestimável de sujeição. Por isso a prática do jejum
é tão importante; porque é sempre importante, para um homem, ser racional.

Subindo um degrau acima, o jejum é claramente uma espécie de restituição. Todo pecado é um prazer roubado, pois todo pecado é pelo menos uma complacência excessiva da vontade; jejuar, ao fazer-nos abdicar dum prazer legítimo, por um lado faz-nos satisfazer a dívida dos nossos pecados e, por outro, deixa-nos impressionados com a verdadeira natureza desses pecados. Efectivamente ninguém pode jejuar por muito tempo sem começar a perceber que nada se ganha em pecar; porque tudo o que aparentemente se ganhou, terá, nesta ou na outra vida, de ser devolvido – nem que demore toda a eternidade.

Olhando para o jejum num plano ainda mais elevado, não é difícil ver nele uma disposição para a contemplação. Seja qual for o contexto físico, psicologicamente é certo que a satisfação plena do apetite embota a mente.

Por isso, os jejuns monásticos não são gestos ociosos de melancolia ou de aversão pelos prazeres dos sentidos. O jejum cria uma excelente disposição para aquele que é o principal objectivo da vida monástica, a contemplação

 

                                A sua compatibilidade com a natureza humana.

 

Do que fica dito, poder-se-ia concluir erroneamente que o jejum é um produto do ascetismo cristão; mas, nada está mais longe da verdade. O valor do jejum como meio de satisfação pelo pecado, de dominar e elevar a mente, sempre foi reconhecido comumente pelos homens; tanto que o jejum era uma prática comum mesmo entre os povos primitivos, tão comum a ponto de justificar a afirmação de São Tomás de que o jejum é um mandamento da lei natural.

A lei natural, é claro, não dizia a um pigmeu africano ​​que ele deveria jejuar à sexta-feira, nem observar as têmporas; nem lhe ensinou nada sobre a Quaresma. Os períodos de jejum prescritos pela Igreja são as determinações de direito positivo que resultam desse preceito geral do direito natural.

Isso explica o caráter universal da insistência no jejum.

À luz dos, acima referidos, propósitos do jejum, os dias de jejum indicados pela Igreja assumem nova beleza. Certamente não há tempo mais adequado para satisfazer pelos nossos pecados e para preparar as nossas mentes para a contemplação das coisas eternas, do que os dias que nos preparam para a morte e ressurreição de Cristo.

 

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