TUDO O QUE NUNCA LHE DISSERAM - E, PROVAVELMENTE, NUNCA QUIS SABER - SOBRE SEXO, AMOR ROMÂNTICO E CASAMENTO, NA PERSPECTIVA DA MORAL CATÓLICA TRADICIONAL/DIREITO NATURAL CLÁSSICO - II
II - É A REALIDADE, ESTÚPIDO
O fim da
Filosofia não é saber o que os filósofos pensam
mas
compreender o que as coisas são.
(São Tomás
de Aquino, In Sententia de caelo et mundo 1.22)
Os argumentos apresentados pelos filósofos e teólogos modernos contra a Moral Católica Tradicional/ Direito Natural Clássico (MCT / DNC) são inúmeros mas têm origem numa compreensão errada das suas bases Aristotélicas/Tomistas (A-T) e na tendência para a interpretar à luz de assumpções metafísicas pós-cartesianas.
A objecção
mais comummente avançada é a de que a MCT / DNC cometeria a, assim chamada,
Falácia Naturalística em virtude de não levar em conta a distinção facto/valor
.
Já David
Hume, um dos pais do pensamento moderno, defendia não ser possível tirar
conclusões sobre o dever (declarações de valor) a partir de premissas
concernentes ao ser (declarações de facto).
Acontece, no
entanto, que, do ponto de vista A-T, a distinção facto/valor não faz qualquer
sentido uma vez que, segundo esse ponto de vista, não é possível existir uma
discrição puramente factual da realidade, isenta de qualquer valoração, pois que o valor faz parte da estrutura dos factos.
A separação
facto/valor só é concebível no quadro duma visão mecanicista da natureza, num
mundo desprovido de essências e fins naturais, tal como foi aprioristicamente
assumida pelos filósofos modernos.
Pelo
contrário, partindo da concepção do mundo A-T, do essencialismo e do teleologismo, (que se opõe ao nominalismo) tal separação não existe e como tal não se cometerá qualquer
falácia ao inferir-se de premissas puramente factuais, conclusões normativas .
Um exemplo
muito simples ajudará a esclarecer este ponto:
É da
essência, da natureza ou da forma (em sentido aristotélico) de um triângulo euclidiano ser uma figura
plana, fechada, com três lados rectos, cuja soma dos respectivos ângulos
internos perfaz 180 graus.
Estamos,
aqui, perante factos objectivos que os seres humanos se limitaram a descobrir e
não perante algo que tivéssemos inventado. Dificilmente se poderá defender
opinião contrária.
No entanto,
é patente que existem triângulos que não apresentam todas estas
características. Um triângulo apressadamente desenhado numa superfície rugosa dum autocarro em movimento por uma criança pode não chegar a ser completamente fechado ou ter lados que
não são completamente rectos e, como tal a soma dos seus ângulos internos pode
não perfazer exactamente os 180 graus. Na verdade, até mesmo um triângulo
desenhado com todo o cuidado, com régua e caneta próprias, não deixará de ter
algum defeito ainda que imperceptível a olho nu.
Mas, este
último, ter-se-ia aproximado muito mais da essência dos triângulos (da
triangularidade) do que o primeiro; seria um melhor triângulo; seria, na
terminologia A-T, uma melhor determinação ou instanciação da triangularidade.
Instintiva e
naturalmente, descreveríamos o último como um bom triângulo e o primeiro como
um mau triângulo. Este julgamento seria completamente objectivo. Seria
descabido dizer que estávamos a ser preconceituosos ou a manifestar uma
preferência pessoal por triângulos com paredes rectas cuja soma dos ângulos
internos perfizesse 180 graus, ou a discriminar os triângulos com paredes
tortas e ângulos por fechar; e certamente não constituiria uma falácia fazer
juízos de valor sobre a maldade ou bondade dos triângulos com base nos factos
ligados à essência desses mesmos triângulos.
Na verdade,
este juízo de valor decorre necessariamente da essência dos triângulos uma vez
que quanto mais uma determinação duma dada essência (no caso vertente a
triangularidade) se aproximar dessa mesma essência, melhor será essa
determinação — objectivamente.
Este exemplo
mostra-nos como uma determinação defeituosa de uma dada essência não deixa de
ser uma determinação (má) dessa mesma essência (um triângulo mal desenhado não
deixa de ser, um triângulo — ainda que defeituoso).
Mas, serve
também para evidenciar como é possível estabelecer um critério objectivo e
factual para determinar o que seja o bem, o mal, o melhor e o pior.
O critério
assim estabelecido não será ainda de natureza moral. Mas, do ponto de vista
A-T, constitui uma noção geral de bem, da qual o bem moral, sendo um caso
particular, pode decorrer.
Alargando o
campo da argumentação, refira-se que vários filósofos modernos, não tomistas,
mas defensores, no campo da Ética, de posições neo-aristotélicas, evidenciaram
o facto de os seres vivos fornecerem inúmeros exemplos que corroboram a
existência duma concepção objectiva de bem.
Realçaram
nomeadamente o facto de os seres vivos só poderem ser adequadamente descritos
segundo Categorias Aristotélicas, do tipo:
Es são Cs,
em que E se
refere a uma espécie e C a uma característica dessa espécie, nomeadamente: os
coelhos são herbívoros, ou os gatos têm quatro patas ou, ainda, os seres
humanos têm trinta e dois dentes.
Note-se que
a proposição os gatos têm quatro patas não está a afirmar que existe pelo
menos um gato que tem quatro patas, mas também não afirma que todos os gatos
têm quatro patas, dado que um determinado gato pode eventualmente ter apenas
três patas devido a um acidente ou defeito genético.
As
Categorias Aristotélicas dão-nos, assim, normas do mesmo tipo da que é dada
pela noção de triângulo (pela triangularidade).
Um dado ser
vivo é apenas uma determinação da sua espécie (como um dado triângulo é apenas
uma determinação da triangularidade) e essa espécie só pode ser descrita
através de Categorias Aristotélicas referentes às suas características.
Se um dado E
não é C (se um dado gato não tem quatro patas), isso não quer dizer que os Es
não são Cs (que os gatos não têm quatro patas) mas apenas que esse dado E é uma
determinação defeituosa de E (ou seja, que é um gato defeituoso).
Nos seres
vivos estas normas estão indissociavelmente ligadas à ideia de teleologia (de
fim, de objectivo): existem determinados fins que um dado organismo tem de
prosseguir para que se possa prosperar como o tipo de organismo que é; fins,
esses, ligados à sua sobrevivência, ao seu desenvolvimento, à sua reprodução, à
sua capacidade de protecção dos seus descendentes, etc..
Estes fins
estabelecem um critério de bem.
Por exemplo,
uma árvore que desenvolva raízes longas que lhe permitam melhor absorver os
nutrientes e estar melhor alicerçada ao solo, é neste sentido uma árvore boa
enquanto uma que tenha raízes pequenas será uma árvore má; uma leoa que
alimente as suas crias é uma boa leoa, enquanto uma que as abandone será uma má
leoa, etc..
Tal como no
caso do triângulo seria absurdo defender que estes juízos de valor (de
discriminação do que é bom ou mau) são subjectivos e preconceituosos, ou que
reflectem uma preferência pessoal, ou ainda, que as inferências que a esses
juízos conduzem constituem uma falácia naturalística.
Na verdade,
esses juízos de valor decorrem de factos objectivos acerca uma dada
determinação (florescente ou defeituosa), duma dada espécie biológica, factos
esses ligados à capacidade dessa determinação realizar os fins intrínsecos à
sua natureza.
Sendo assim,
estes factos estão desde a origem inerentemente impregnados de valor.
A bondade
duma determinação florescente duma espécie biológica é uma bondade natural —
tal bondade está na natureza das coisas e não nos nossos juízos de valor
subjectivos.
Isto, que é
verdade para os animais em geral, também o é para os seres humanos em
particular: tal como os animais irracionais também nós temos fins inerentes à
nossa natureza que determinam o que é bom para nós.
Por essa razão,
S. Tomás de Aquino nos diz que "todas as coisas para as quais o ser humano tem
uma inclinação natural são por ele apercebidas como sendo naturalmente boas".
É crucial
entender o significado e a força que S. Tomás atribui à expressão "inclinação
natural". Inclinação, não quer significar necessariamente algo conscientemente
desejado, nem algo psicologicamente enraizado ou geneticamente determinado.
O que S.
Tomás tem em mente é antes a teleologia natural das nossas capacidades, ou
seja, a inclinação das mesmas em ordem à prossecução de certos fins inerentes à
nossa natureza humana.
Frequentemente
existe uma correlação estreita entre o que a natureza quer de nós e os nossos
desejos. A natureza quer que nos alimentemos para continuarmos vivos e
tendencialmente, temos vontade de comer; como somos animais sociais, a natureza
quer que evitemos prejudicar o nosso semelhante e geralmente procuramos não o
fazer; e por aí adiante. Mas, simultaneamente existem pessoas (como os
anorécticos e os bulímicos) que desenvolvem uma forte vontade de não se
alimentarem o suficiente, ou para se alimentarem em excesso; e algumas pessoas
têm inclinação para prejudicar os outros e são verdadeiros sociopatas.
Ou seja, os
nossos desejos são, comummente, a forma de a natureza nos levar a fazer aquilo
que é melhor para nós. Mas como tudo o mais na ordem natural, esses desejos
estão sujeitos a imperfeições e distorções.
Assim, se a
maior parte das vezes os nossos desejos tendem a estar de acordo com os
propósitos da natureza, nalguns casos particulares tal coincidência pode não se
verificar.
Um vício
arreigado, a pressão social, a irracionalidade, uma doença mental, etc., podem
deformar os nossos desejos subjectivos de forma a desviar-nos do que a natureza
pretende - do que é bom para nós.
Um defeito
genético pode ter o mesmo efeito: assim como pode provocar pé-chato ou miopia,
também pode provocar deformidades psicológicas ou comportamentais.
Recordemos
que, para o Tomismo, o termo natural está relacionado com as Causas Finais que
são inerentes às coisas em função da sua essência; causas finais, essas, que
existem independentemente de virem a ser realizadas e independentemente da
existência duma vontade consciente para as realizar.
Sendo assim,
aquilo que é genuinamente bom (naturalmente bom) para alguém pode ser algo que
esse alguém conscientemente não queira, como acontece quando as crianças se
recusam comer vegetais, ou quando um drogado está convencido de que não é bom
parar de se drogar.
Para a MCT/
DNC, saber o que é verdadeiramente bom para nós próprios implica, pois,
adoptar, um ponto de vista objectivo, como o que teria uma terceira pessoa que
observasse do exterior, e não um ponto de vista subjectivo
Trata-se de
apurar o que preenche a nossa natureza e não de seguir os nossos desejos
contingentes.
A propósito,
S. Tomás de Aquino identifica três categorias de bens inerentes à natureza
humana:
Primeiro,
temos os bens vegetativos, que partilhamos com todos os seres vivos, como a
preservação da vida.
Em segundo
lugar, os bens sensoriais e locomotores, que são especificamente comuns aos
animais, como mover-se pelo mundo, cumprir as suas funções sexuais e criar os
filhos que resultaram dessas relações.
Em terceiro
lugar, os bens que são peculiares a nós, animais racionais, como saber a verdade
sobre Deus, viver em sociedade, rejeitar a ignorância e evitar ofender os que
nos são próximos .
Estes bens
estão ordenados segundo uma hierarquia correspondente à hierarquia tradicional
Aristotélica dos seres vivos: as formas de vida vegetativa, sensorial e
racional, respectivamente.
Os bens
superiores pressupõem a existência dos bens inferiores. Por exemplo, não é
possível procurarmos a Verdade sem antes sermos capazes de assegurar a nossa
própria sobrevivência.
E os bens
inferiores estão subordinados aos superiores no sentido em que os primeiros
existem em função dos últimos: o objectivo de prosseguir os aspectos
vegetativos e sensoriais da nossa natureza é, em última análise, criar
condições para prosseguir o aspecto racional, específico da natureza humana.
Ora, uma vez
determinados estes bens naturais é fácil estabelecer a sua ligação com a MCT/
DNC, porque estes bens têm para nós, seres humanos, forte significado moral uma
vez que, ao contrário dos outros animais, somos capazes de intelectualmente captar
o que é bom e livremente escolher prossegui-lo, ou não.
S. Tomás de
Aquino sustenta, assim, que o Princípio fundamental do Direito Natural é que o
bem deve ser prosseguido e o mal deve ser evitado. Todos os outros preceitos da
Lei Natural se baseariam nele.
E, a
metafisica A-T do "naturalmente bom", atrás explanada, ao afirmar que
a nossa razão prática está ordenada a atingir um determinado fim natural - que
deverá ser o fim que o nosso intelecto aperceba como bom - ajuda-nos a entender
porque aquele princípio de S. Tomás está correcto:
Como foi
dito, os seres humanos, tal como todas as coisas na natureza, têm determinadas
capacidades e fins cuja realização é, para eles, boa e cuja frustração é, para
eles, má - objectivamente.
Assim sendo,
um intelecto racional, ciente desse facto, concluirá forçosamente que é bom
prosseguir esses fins e é mau frustrá-los. Uma pessoa racional procurará,
assim, prosseguir e não frustrar os fins que são inerentes à sua natureza.
Ou seja, a
razão prática está dirigida à prossecução daquilo que o intelecto apercebe como
bom; e aquilo que é de facto (objectivamente) bom é a prossecução dos fins
inerentes à natureza humana. Assim, uma pessoa racional, correctamente
informada, há-de prosseguir esses fins e direccionará as suas acções por forma
a alcançá-los.
E, nesse
sentido, uma boa acção será aquela que esteja de acordo com a razão .
À pergunta,
porque devemos fazer o bem? S. Tomás dá, então, uma resposta óbvia: porque é
racional.
Porque ser
racional é prosseguir o bem, ou seja, os fins que nos foram estabelecidos pela
natureza.
Toda a Ética
baseada no Direito Natural, como teoria moral substantiva, resume-se à
formulação de princípios morais gerais com base na análise das diferentes
capacidades e fins do ser humano e na sistematização das suas implicações.
Por exemplo:
se considerarmos que o ser humano tem um intelecto e que a função ou o fim do
intelecto é captar a verdade das coisas, segue-se que, para o ser humano, é bom
(está de acordo com a sua natureza, é racional) procurar a verdade e evitar o
erro. Um ser racional, aperceber-se-a que, dada a sua natureza, será bom
fazê-lo e procurará a verdade e evitará o erro.
O mesmo será
verdade para todas as outras capacidades humanas naturais.
Evidentemente
que, na prática, as coisas serão bem mais complicadas, do que esta síntese dá a
entender. Várias qualificações e complicações terão de ser esclarecidas ao
analisar-se detalhadamente cada uma das específicas capacidades humanas
naturais e nem todos os princípios morais que decorrem desta análise serão
necessariamente tão simples e directos como prosseguir a verdade e evitar o
erro.
Mas, o que
até agora foi dito, será suficiente para dar uma ideia geral de como a natureza
das coisas determina o conteúdo específico das nossas obrigações morais e faz
com que que os imperativos éticos e morais tenham força categórica e não
meramente hipotética.
O conteúdo e
a força obrigatória das nossas obrigações éticas e morais decorrem, assim, da
teleologia natural inerente à natureza humana.
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