TUDO O QUE NUNCA LHE DISSERAM - E, PROVAVELMENTE, NUNCA QUIS SABER - SOBRE SEXO, AMOR ROMÂNTICO E CASAMENTO, NA PERSPECTIVA DA MORAL CATÓLICA TRADICIONAL/DIREITO NATURAL CLÁSSICO
III - A MORAL SEXUAL TRADICIONAL É NATURAL RACIONAL E SÃ.
Quanto mais
me é dado conhecer o Cristianismo mais me convenço que as regras que
estabeleceu se destinam a permitir que as coisas boas possam prosperar à
vontade.
(G.K.
Chesterton )
Para se poder aplicar a Moral Católica Tradicional/Direito Natural Clássico (MCT/ DNC) à ética sexual devemos começar por identificar os fins
para os quais as nossas capacidades sexuais estão dirigidas. Pois se o que é
bom para nós, seres humanos, é, como vimos no capítulo anterior, a realização dos fins inerentes à nossa
natureza, então o que para nós é bom a nível sexual só pode ser aquilo que leve
à realização dos fins para os quais as nossas faculdades sexuais estão
dirigidas.
Para S.
Tomás de Aquino e outros teóricos da MCT/DNC ser-se um ser humano é ser-se um
animal racional.
Tal,
implicará que os fins vegetativos, sensoriais, locomotores e vegetativos (de
satisfação das necessidades corporais) que determinam o que é bom para os
animais irracionais também, em parte, determinem o que é bom para nós.
O facto de
sermos racionais implica, no entanto, termos fins específicos ligados ao
intelecto e à vontade.
Como os
outros animais, para nos desenvolvermos temos de ingerir nutrientes, passar por
um processo de crescimento desde a concepção até à maturidade, reproduzirmo-nos
e movermo-nos pelo mundo em resposta a impulsos interiores e a informações
exteriores que captamos através dos órgãos dos sentidos.
Mas, a um
nível superior, temos de exercer as nossas capacidades racionais, formando
conceitos abstractos, juntando-os por forma a fazermos juízos e
racionalizando-os através das leis da lógica, por forma a tomarmos decisões.
Ora estas
actividades racionais de carácter superior não são apenas bens que nos
diferenciam dos animais não racionais; elas também alteram a natureza dos bens
inferiores.
Por exemplo,
tanto um cão como um homem podem ter uma percepção visual de uma árvore. Mas há
um elemento conceptual na percepção visual normal de um ser humano que não está
presente na de um cão.
Um cão
percepciona a árvore, mas não o faz de forma a conceptualizá-la como árvore,
fazendo um juízo do tipo: aquela árvore é um carvalho; ou inferindo da presença
da árvore e do facto de ela ser um carvalho que está perante um carvalho.
No homem, o
elemento animal sensorial é fundido com o elemento racional, formando uma
unidade.
Desta forma,
embora a percepção seja um bem tanto dos animais irracionais como dos seres
humanos, no nosso caso a sua conjugação com a nossa racionalidade transforma a
percepção num bem diferente e de ordem superior inatingível para animais
irracionais.
Os bens inferiores,
que partilhamos com os animais irracionais, conjugando-se com a nossa
racionalidade, alteram-se radicalmente.
Por isso,
uma refeição não é mera nutrição mas tem um significado cultural e social; por
isso os jogos têm uma dimensão social e um conteúdo conceptual que as
brincadeiras dos outros mamíferos não são capazes de atingir, etc..
As nossas
capacidades sexuais não são diferentes, e exactamente por isso têm, não só um
fim reprodutivo, mas também um fim unitivo, que são inseparáveis.
Comecemos
por considerar o fim reprodutivo:
É
incontroverso que, do ponto de vista puramente biológico, o sexo existe apenas
para fins reprodutivos.
Isto é
verdadeiro mesmo que as pessoas tenham relações sexuais por outras razões que
não a procriação, porque o que está em causa são os fins da natureza e não os
nossos fins subjectivos.
Mesmo
sabendo que o sexo dá prazer e que os seres humanos e os animais irracionais o
procuram exactamente por dar prazer, aquela afirmação não deixa de ser
verdadeira porque dar prazer não é o fim para o qual o sexo foi criado, para o
qual existe, nos animais.
O prazer
proporcionado pelo sexo tem o seu fim natural próprio o qual é levar os animais
a terem relações sexuais para assim se reproduzirem.
Situação
paralela acontece com a alimentação:
Embora o
acto de nos alimentarmos dê prazer, o fim biológico da alimentação não é
dar-nos prazer mas antes fornecer-nos os nutrientes de que necessitamos para
sobreviver. O prazer associado à nutrição é apenas a maneira da natureza nos
levar a ingerir alimentos.
Se, ao
analisar o significado biológico do sexo e da nutrição, puséssemos a tónica no
prazer estaríamos, por assim dizer, a pôr a carroça à frente dos bois.
O prazer, em
ambos os casos, tem a sua função. Mas é secundária.
Ora, a
natureza fez com que fosse difícil ter sexo sem procriação: ao nascer ninguém
trás um preservativo no pénis, nem um diafragma na vagina. Foi necessário algum
engenho para congeminar tais dispositivos que ainda hoje não são especialmente
eficazes. A experiência diz-nos que maioria das pessoas acha as relações
sexuais bem mais agradáveis quando tais dispositivos não são usados, mesmo
sabendo que o seu fim é evitar a gravidez. Na realidade, é esta a razão por que
a gravidez (mesmo quando terminada abruptamente por meio de aborto) é tão
frequente em sociedades onde a contracepção é de fácil acesso: as pessoas
apesar de poderem facilmente obter preservativos acabam frequentemente por
praticar sexo "desprotegido".
Tal facto
mostra que o desejo sexual ocorre com facilidade e frequência e pode ser tão
absorvente que se torna muito difícil resistir-lhe mesmo por um curto período
de tempo.
Mesmo com o
advento da "pílula", as gravidezes (e os abortos) são frequentes
porque, além daquela não ser 100% eficaz, o seu uso eficiente exige que a
mulher a tome sem falhas, nos dias certos, e que sofra os seus efeitos
secundários que não são despiciendos.
Resumindo, o
sexo existe para a reprodução, e o prazer sexual existe para levar as pessoas a
terem relações sexuais e assim se reproduzirem; o desejo sexual é tão intenso
que se torna extremamente difícil resistir-lhe e ocorre com muita frequência de
tal forma que acaba por não ser fácil evitar a gravidez.
A conclusão
óbvia é que a natureza não só quer que procriemos, mas quer que procriemos
muito.
A mãe
natureza claramente quer que tenhamos bebés, montes deles.
Note-se que
tudo que até agora foi dito sobre os fins naturais do sexo e do prazer sexual,
tirando a terminologia Aristotélica/Tomista (A-T), poderia ter sido defendido por qualquer cientista
Darwiniano.
Perante este
quadro poder-se-ia dizer que a Mãe Natureza colocou um fardo bem pesado nos
ombros da mulher pois que, se seguir o seu curso normal, as mulheres estão
sujeitas a engravidar frequentemente. E também sobrecarregou fortemente as
crianças pois que, ao contrário das outras espécies animais, são dependentes da
ajuda de outros seres humanos durante um longo período da sua vida, não apenas
no aspecto biológico mas também no aspecto moral e cultural, uma vez que são
pequenos animais racionais.
Ou seja, na
espécie humana a reprodução não se limita à geração de novos elementos da
espécie, não se reduz à criação de novos organismos; implica também, através
dum acompanhamento subsequente, a formação de pessoas capazes de cumprir a sua
natureza de animais especificamente racionais.
Sendo assim,
a natureza deixaria as mães e os filhos numa posição bastante desvantajosa se
não providenciasse alguém que assegurasse a sua subsistência. Mas, na verdade,
a natureza providenciou esse, alguém. Esse, alguém, é o pai das crianças.
Os pais são
dotados pela natureza duma forte propensão para cuidarem dos seus próprios
filhos. Muito mais que dos filhos doutros. E são enormemente ciosos dos
carinhos da mulher com quem geraram os seus filhos até ao ponto de, por vezes,
matarem a concorrência.
Então, a mãe natureza, equitativamente, colocou também um fardo bem pesado sobre o pai, pondo-o na situação de ter de se sujeitar a um trabalho diário para angariar o sustento dos seus filhos e da respectiva mãe. Se a natureza seguir o seu livre curso esses filhos serão numerosos e, como tal, o seu compromisso será de longa duração.
Como tal, a
teleologia do sexo, no que respeita aos seres humanos, mesmo que só se tenha em
conta os seus aspectos reprodutivos meramente animais, aponta fortemente, para
algo parecido com a instituição do casamento.
Também neste
caso, o que foi dito, uma vez que resulta do simples bom senso, poderia ser
subscrito por qualquer cientista secular ou por um psicólogo evolucionista,
quais quer que fossem as ilações morais que daí extraíssem.
Até aqui
expusemos, em traços gerais, a teleologia do sexo atendendo aos seus aspectos
meramente animal e reprodutivo.
Mas descendo ao pormenor analisemos o acto sexual em si. Se atentarmos na estrutura dos órgãos sexuais e no acto sexual em si, desde o desejo inicial até ao clímax, torna-se claro que a sua função biológica, a sua causa final é introduzir sémen na vagina. É esse o motivo pelo qual o pénis e a vagina têm a forma que têm, porque a vagina se lubrifica durante a excitação sexual, etc. Os órgãos sexuais masculino e feminino encaixam na perfeição um no outro como a chave na fechadura; o fim de todo o acto sexual é não só extrair sémen do macho mas também deposita-lo na fêmea, e num sítio muito particular da fêmea.
Estamos aqui
perante um facto. Algo que ninguém poderá negar do ponto de vista meramente
biológico, independentemente das conclusões morais que daí se possam tirar.
Claro que há
outros aspectos envolvidos. A mulher também tem orgasmos, o prazer sexual
também pode advir doutros actos que não apenas a penetração vaginal e toda uma
plêiade de profundas e complexas paixões que estão associadas ao acto sexual e
o transformam em algo que vai muito para além do desejo de introduzir sémen num
determinado local.
Mas do ponto
de vista meramente biológico, reprodutivo e animal, todo este aparato existe
para levar o homem e a mulher a terem relações sexuais, para que haja
ejaculação na vagina, para que daí resultem frequentemente bebés, de modo a que
se fortaleça o desejo do pai e da mãe permanecerem juntos, de forma que (como a
natureza humana exige) possam cuidar dos filhos, material e espiritualmente,
até que se tornem independentes.
Todos os
elos desta cadeia têm a reprodução como fim natural independentemente da
vontade dos envolvidos.
Ou seja, o
sexo é essencialmente reprodutivo independentemente do mais que possa ser.
Se os seres
humanos não se reproduzissem, embora eventualmente pudessem criar entre si
vínculos emocionais estreitos e até exclusivos, o sexo não existiria (não faria
biologicamente sentido), nem existiriam o homem e a mulher como opostos a algo
assexuado ou andrógino.
Note-se que
não se está a afirmar que a reprodução implica sexo — na realidade a reprodução
assexuada existe no reino biológico — mas, antes, que a razão primordial para a
existência de sexo é a reprodução. E isto é verdade mesmo que as relações
sexuais nem sempre impliquem reprodução, e mesmo que a reprodução tivesse
podido resultar de um outro qualquer processo biológico (assexuado).
No entanto,
ao contrário dos outros animais que também se reproduzem sexualmente, nós temos
consciência desse facto e sabemos que, enquanto macho e fêmea, de alguma forma
somos incompletos. É exactamente por isso que nos seres humanos o fim
reprodutivo do sexo não é a história toda.
Os seres
humanos conceptualizam a sua incompletude, e idealizam a maneira de a remediar,
tanto ao nível mais rude e animal como a um nível mais refinado.
Os
ornamentos, por exemplo, reflectem uma atitude estética em relação ao objecto
de desejo de que os animais irracionais são incapazes - não consta que os cães
se sintam especialmente atraídos por cadelas com cortes de pelo e coleiras
provocantes.
Os animais
também são incapazes de conceptualizar os desejos e as percepções dos seus
parceiros, como os seres humanos fazem.
Ou seja, tal
como os nossos órgãos sexuais, a nossa psicologia sexual, tende para algo além
de nós próprios, e concretamente para o que nos pode completar emocionalmente e
psicologicamente, dada a nossa natureza.
A alma
humana tende para outra alma (e não apenas para outros órgãos) como forma de
colmatar a incompletude de sermos apenas macho ou fêmea.
E o facto de
algumas pessoas não se sentirem atraídas pelo sexo oposto, ou não terem mesmo
qualquer tipo de desejo, é tão irrelevante para determinar o fim natural da
nossa psicologia sexual, como o facto de algumas pessoas terem miopia é
irrelevante para determinar o fim natural para o qual a natureza criou os
olhos.
A natureza
dessa tendência para o outro é, no entanto, complexa.
C. S. Lewis,
no capítulo sobre o amor romântico do seu livro The Four Loves (1988) faz uma
distinção entre Eros e Venus.
Venus seria
apenas o desejo sexual, puro e duro, desejo esse que poderia ser (ainda que não
devesse ser) sentido e satisfeito por qualquer pessoa.
Eros seria o
desejo de estar enamorado por alguém, de tal forma que mais ninguém, se não
esse alguém, pudesse preencher esse desejo.
Vénus
poderia existir, e muitas vezes existe, sem Eros.
Eros
geralmente inclui Vénus, mas não é apenas Vénus, pois que, muitas vezes,
o amante estaria disposto a sacrificar Vénus, em prol da pessoa amada.
A satisfação
sexual própria seria o objecto de Vénus.
O Ser Amado
seria o objecto de Eros.
Lewis, no
entanto, diz-nos que seria um erro concluir que Vénus sem Eros é sempre
moralmente suspeito: seria bom que cada marido e mulher sentissem, durante toda
a vida o que Tristão e Isolda ou Romeu e Julieta sentiram um pelo outro — ou
talvez não, dados os fins trágicos que tiveram - no entanto, na vida real, é
raro tal acontecer e as relações do casal são geralmente bastante mais
prosaicas: os casamentos arranjados pelos pais dos noivos foram comuns durante
a maior parte da história humana; os modernos casamentos por amor rapidamente
perdem a paixão e caiem na rotina ou pelo menos têm altos e baixos; e algumas
pessoas não têm simplesmente um temperamento Erótico (em sentido relevante - ou
seja, não são dadas a paixões) mas têm desejos sexuais normais e querem
casar-se e ter filhos.
Ou seja,
mesmo nessas circunstancias em que Eros está ausente, Vénus poderá continuar a
estar presente.
No entanto
haveria uma boa razão para que Eros fosse tido como o ideal a atingir, e
efectivamente, até certo ponto, fosse muitas vezes atingido, mesmo que
posteriormente pudesse esfriar. É que, tal como Vénus, Eros faz parte da
natureza humana; a sua função seria conduzir a inconstante Vénus para uma
relação monogâmica, estável e construtiva, necessária para a constituição de
uma família. O respeito pela lei moral, os respeitos humanos, a atenção aos
sentimentos do cônjuge, poderiam preencher os mesmos fins mas como entram
frequentemente em conflito com as inclinações do próprio, podem ser pouco
eficazes: um homem decente confinará a satisfação dos seus desejos sexuais ao
leito conjugal; um homem que enamorado da sua esposa quererá fazê-lo.
Por outro
lado, Eros conseguiria fazer-nos sair de nós próprios com mais eficácia que
Vénus, elevando-nos acima do meramente animal e até do meramente social: como
Lewis escreve, a absoluta entrega de si próprio ao ser amado, com exclusão de
tudo o mais, que Eros nas suas manifestações mais nobres suscita, prefigura o
amor que o homem deve ter por Deus.
Então, Vénus
e Eros, quanto à sua função natural, seriam melhor considerados, não como
faculdades distintas, mas como extremos opostos de um continuum:
Vénus
diz-nos que somos incompletos, impelindo-nos para a consumação do acto sexual
cujo fim natural - a geração de novos seres humanos- exige a estabilidade de
algo como a instituição casamento.
Eros
focaliza esse desejo numa só pessoa por quem o amante, enamorado, está disposto
a sacrificar alegremente a sua própria felicidade.
Eros é a
perfeição de Vénus; Vénus, só por si, é uma forma deficiente de Eros.
Por sua vez,
Robert Stenberg (1988) desenvolveu uma influente "Teoria Triangular do
Amor" que distinguia intimidade, compromisso e paixão e seis tipos
sub-óptimos de amor, cada um dos quais envolvendo apenas um os dois daqueles
três elementos.
A intimidade
corresponderia ao tipo de relação que normalmente é conhecida por amizade.
O
compromisso caracterizaria uma relação "vazia" como a que existiria
nos "casamentos arranjados", pelo menos no início.
A paixão, só
por si, seria apenas uma obsessão fugaz.
O companheirismo amoroso, seria uma combinação de compromisso com a intimidade
própria da amizade mas sem paixão.
O amor
romântico combinaria paixão e intimidade mas sem compromisso.
O amor fugaz
combinaria paixão e compromisso antes de haver intimidade.
O amor
consumado seria uma combinação de compromisso, intimidade e paixão - que da
excitação inicial, com o tempo, passaria a algo mais estável — e existiria nos
melhores casamentos.
Não será
preciso concordar com todos os detalhes das teorias de Lewis e de Sternberg
para concordar que o amor Erótico (como perfeição de Vénus) ou o amor
Consumado, além de serem ideais para os quais os seres humanos geralmente
tendem, servem também para abrir caminho à consumação dos fins reprodutivos
lato sensu do sexo — abrangendo, não só a geração de novos seres humanos, mas
também a sua educação e correspondente união duradoura dos parceiros sexuais.
E, apesar de
as famílias poderem ser suficientemente estáveis sem que o casal atinja o amor
consumado de Stemberg, é difícil admitir que o casamento e a família como
instituições pudessem sobreviver sem que esse tipo de amor ideal fosse honrado,
ao menos como ideal, pela sociedade e procurado como meta a atingir pela
maioria dos casais.
Resumindo:
nos seres humanos, dada a sua natureza racional, o fim reprodutivo do sexo, é
indissociável do fim unitivo do mesmo.
Mais uma
vez, qualquer psicólogo científico ou evolucionista Darwiniano poderia
subscrever esta conclusão.
No entanto,
quando se lê tudo que acabamos de dizer, à luz da metafísica A-T que subjaz à
MCT/ DNC, somos levados a algumas conclusões com as quais muitos secularistas
não concordarão.
Primeiro, o
fim unitivo do sexo está estreitamente ligado ao seu elemento sensorial; ou
seja, a nossa racionalidade eleva a nossa animalidade a um nível mais alto sem,
no entanto, a negar.
Por exemplo,
na experiencial visual humana há uma estreita união entre o racional e o animal;
o facto de (ao contrário dos animais irracionais) conceptualizarmos aquilo que
recebemos através dos órgãos dos sentidos não torna essa percepção menos
sensorial, ainda que a transforme em algo mais que meramente sensorial.
De igual
modo, embora a psicologia sexual do ser humano esteja associada a estados
psicológicos que se dirigem ao outro - de que os animais irracionais não são
capazes - esse facto não faz com que os actos sexuais humanos não tenham como
seu fim natural a reprodução, ainda que sejam mais do que meramente
reprodutivos.
O acto
sexual, nos humanos, é pois uma simbiose estreita entre o reprodutivo e o
unitivo que se destina simultaneamente à procriação e à comunhão emocional e
espiritual do casal.
Sendo assim,
não existe algo como um acto sexual que por natureza seja apenas unitivo e não
tenha um fim reprodutivo da mesma maneira que não existe uma experiência
sensorial humana que por natureza seja apenas conceptual e não sensorial.
Claro que um
determinado acto sexual poderá não ser apto a gerar um novo ser, ou porque os
órgãos sexuais foram danificados ou porque foram desgastados pela idade; mas
tal não altera aquilo que esses órgãos e respectivas actividades são por
natureza; como o facto do nosso aparelho visual estar danificado não altera
aquilo que a percepção visual é por natureza; ou o facto de um dado cão ter
apenas três pernas não faz com que os cães, por natureza, não devam ter quatro
pernas.
Nestes três
casos estamos apenas, em termos aristotélicos, perante desvios de normas
categóricas do tipo: os actos sexuais humanos são tanto unitivos, como
reprodutivos, ou a experiência perceptual visual humana é tanto sensorial como
conceptual, ou ainda, os cães têm quatro patas.
Resumindo,
de tudo o que até aqui ficou dito, necessariamente se conclui que, atendendo à
natureza e à teleologia das faculdades sexuais humanas e, independentemente das
intenções subjectivas de cada um, não existem actos sexuais humanos cuja
natureza e fim natural seja apenas a obtenção de prazer.
O prazer
associado às relações sexuais humanas não é um fim em si mesmo; existe apenas
em ordem à prossecução dos fins naturais reprodutivos e unitivos do sexo. Se
não existissem esses fins não haveria qualquer razão para a natureza ter
tornado o sexo tão susceptível de gerar prazer - e (do ponto de vista A-T) a
natureza não faz nada em vão.
Sendo assim,
se os fins naturais das nossas capacidades sexuais são simultaneamente
reprodutivos e unitivos, aquilo que é bom para nós, no que diz respeito a essas
capacidades, é usá-las unicamente duma forma consentânea com os esses fins.
Isto é
necessariamente verdade dado o que atrás dissemos.
Não é
metafisicamente possível ser bom usar as capacidades sexuais humanas de modo
contrário aos seus fins intrínsecos, independentemente do que cada um possa
pensar a esse respeito. Tal como não é possível ser bom para uma árvore ter
raízes pouco profundas ou para um cão ter três patas. E isto será
necessariamente verdade qualquer que seja a razão que leve alguém a querer
actuar de forma contrária a esses fins naturais — erro intelectual, vicio
inveterado, defeito genético, ou o que for — e por muito forte que o desejo de
o fazer possa ser.
O facto de
alguém ter um desejo acentuado de actuar contra o fim natural das coisas apenas
demonstra que esse, alguém, está corrompido. A miopia é um defeito ainda que o
seu portador não tenha disso culpa e não possa corrigi-la. E, a vontade de
fazer o que é mau, é má em si mesma, por muito que a pessoa não tenha culpa de
ter tal vontade ou por muito difícil que seja, para esse alguém, deixar de ter
essa vontade.
Do que ficou
dito, fica justificada a tendência geral, que existia, até à revolução sexual dos
anos sessenta do século passado, para restringir a actividade sexual ao
casamento, para promover famílias numerosas e para condenar a fornicação, o
adultério, a contracepção, os actos homossexuais, o bestialismo, a masturbação
e a pornografia.
Porque a
fornicação tende a trazer crianças ao mundo fora do ambiente familiar que lhes
é necessário para o seu bem-estar e desenvolvimento.
Porque o
adultério destrói a estabilidade desse ambiente familiar.
Porque os
actos contraceptivos impedem directamente a prossecução do fim reprodutivo dos
actos sexuais.
Porque os
actos homossexuais e o bestialismo não têm nenhum fim reprodutivo e transferem
as emoções dirigidas ao fim unitivo do sexo, para um objecto impróprio uma vez
que, naturalmente, tal fim só pode ser preenchido por um ser humano do sexo
oposto.
Porque, por
fim, a masturbação e a pornografia são contrárias ao fim unitivo do sexo - que
é inerentemente direccionado para o outro - voltando esse fim, para o próprio,
para um mundo de fantasia, em vez de o voltar para fora, para um outro ser humano
real — como se um atirador contra si próprio disparasse.
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