TUDO O QUE NUNCA LHE DISSERAM - E, PROVAVELMENTE, NUNCA QUIS SABER - SOBRE SEXO, AMOR ROMÂNTICO E CASAMENTO, NA PERSPECTIVA DA MORAL CATÓLICA TRADICIONAL/DIREITO NATURAL CLÁSSICO 


 VI - HIGHWAY TO HELL 

Ego vado,

et quwretis me,

et in peccato vestro moriemini

(Evangelho segundo S. João, VIII: 21.)

 

Vimos quão nefastas podem ser, a nível pessoal e social, as consequências da rejeição da Moral Católica Tradicional.

Mas, no entanto, as consequências sub specie aeternitatis são infinitamente mais terríveis: a condenação eterna às penas do inferno.

Mas, perguntar-se-á, como é possível, alguém, ir para o inferno por causa destes ou de outros pecados?

Como pode um Deus todo misericordioso condenar alguém a um castigo eterno?

Como conceber, enfim, que não apenas algumas pessoas, mas muitíssimas pessoas sejam eternamente condenadas, como sustenta historicamente a quase totalidade dos teólogos cristãos?

É grande a confusão sobre este assunto porque, a maioria das pessoas, parte de um ponto de vista errado: ou parte do princípio que as pessoas são condenadas por causa de algo que Deus faz, ou por causa de um determinado pecado particular.

Não há dúvida que podemos ser condenados, em parte, por algo que Deus faz e também não há dúvida que um pecado particular pode condenar-nos ao inferno.

No entanto há algo de mais fundamental e profundo à luz do qual aqueles factores têm de ser entendidos.

Será útil, para melhor se entender esta matéria, começar por analisar o modo como, segundo S. Tomás, os anjos são condenados.

Para São Tomás, os anjos, tal como nós, quando fazem uma escolha fazem-na porque de algum modo a julgam boa. E, para eles, tal como para nós, o bem supremo é Deus. Mas os anjos, como nós, podem errar na escolha feita; podem escolher como seu fim último algo diferente de Deus.

No entanto, a natureza de um erro cometido por um anjo é diferente da natureza de um erro cometido por nós, seres humanos.

Connosco, uma paixão súbita ainda que passageira, poderá desviar-nos do que para nós na realidade é bom e levar-nos a prosseguir algo diferente. Mas as paixões são essencialmente corpóreas, isto é, apenas existem em criaturas que, como nós, têm corpo. Não tendo os anjos corpos, as paixões não os podem fazer errar. A influência de um mau hábito poderá também afastar-nos do que é verdadeiramente bom para nós, de uma forma ainda mais séria do que uma paixão passageira.

Para o Doutor Angélico também pode haver habituação nos anjos, como há em nós. Mas, no nosso caso, devido à nossa natureza corpórea estamos sujeitos a diferentes apetites que nos atraem em diferentes direcções.

Sendo criaturas racionais a nossa vontade está dirigida para o que o nosso intelecto entende como bom. Mas sendo animais racionais, também temos apetites que nos levam a prosseguir coisas mais prosaicas, como comida, prazer sexual, etc.. Estes apetites competem entre si e é por isso que um mau hábito profundamente enraizado poderá ser superado se contrariado por outro apetite suficientemente forte.

Mas, os anjos sendo incorpóreos, têm apenas um apetite — a vontade leva-os a prosseguir aquilo que o intelecto entende como bom. E, não tendo outros apetites que possam competir com esse, não há forma de se poderem afastar dele. Uma vez a vontade fixada numa dada direcção segue-se imediatamente uma habituação imutável, uma vez que os anjos, não estão sujeitos a outros apetites que os possam desviar noutra direcção.

Podem, os seres humanos, ser ainda induzidos em erro duma forma intelectual: em virtude de estarem intelectualmente errados à cerca do que de facto é bom para eles.

Os anjos também podem cair neste tipo de erro mas, neles, a natureza do erro é diferente.

A maneira como, nós humanos, chegamos a conhecer as coisas é discursiva. Juntamos factos, avaliamo-los, chegamos através de premissas a conclusões, etc.. Tudo isto provém da nossa corporalidade — mais precisamente do facto de dependermos dos nossos sentidos para, através de experiências sensoriais particulares, chegarmos a conclusões gerais e do modo como precisamos usar as imagens mentais para nos ajudar a pensar, etc..

O erro intelectual, no nosso caso, aparece porque ou a paixão ou o hábito interferem com o correcto funcionamento deste processo cognitivo ou ainda porque apreendemos incorrectamente os factos que sustentam as premissas sobre as quais raciocinamos.

No entanto, para nós, é sempre possível corrigir o erro procedendo a uma melhor averiguação.

Com os anjos nada disto acontece. Segundo S. Tomás um anjo vem a saber algo, não duma forma discursiva, mas de forma imediata; não raciocina partindo dos primeiros princípios até chegar às conclusões.

Ele sabe os primeiros princípios e sabe exactamente o que deles decorre, instantaneamente, no mesmo acto.

Ora, não fazendo os anjos uso dum processo cognitivo (como nós fazemos), não pode haver uma correcção desse processo se estiver errado, quer através de obtenção de novas informações, quer por resistência às paixões, quer por superação de maus hábitos.

Se um anjo chega a estar errado não será por ter seguido uma determinada direcção errada (como acontece connosco) susceptível de ser corrigida. Ele, simplesmente está errado e fica errado.

Sendo assim, a orientação básica de um anjo fica definida imediatamente após a sua criação. Ou escolhe correctamente Deus como seu fim último, ou escolhe erradamente algo menor que Deus como seu último bem.

No primeiro caso fica para sempre apegado à beatitude; no segundo fica para sempre preso à infelicidade.

Não existe, neles, qualquer apetite alternativo que os possa afastar do seu hábito, nem processo cognitivo que possa ser corrigido.

Um anjo que tenha feito a escolha errada é um anjo caído para todo o sempre. Nem Deus poderá alterar tal situação, da mesma forma que não pode fazer a quadratura do círculo: porque é metafisicamente impossível contrariar a própria natureza das coisas (neste caso, dos anjos).

Os seres humanos são diferentes uma vez que são criaturas corpóreas. Ou, para ser mais preciso, são diferentes enquanto são criaturas corpóreas.

Um ser humano tem tanto faculdades corpóreas como incorpóreas. Quando o corpo se vai, à hora da morte, as capacidades corpóreas vão com ele, mas as incorpóreas, o intelecto e a vontade - exactamente as faculdades que os anjos também têm — continuam, e o ser humano persiste como substância incompleta.

Segundo o Doutor Angélico , antes da morte é sempre possível, à vontade humana, corrigir o seu curso, pelas razões acima descritas. Uma paixão que nos leva no mau caminho pode ser dominada; um mau hábito pode ser contrariado por um apetite contrário; podem ser adquiridos novos conhecimentos que nos levem a corrigir um raciocínio errado.

Ou seja, antes de a morte ocorrer, há sempre, pelo menos, a esperança de evitar a condenação eterna.

Mas depois da morte tudo é diferente. Com a morte a alma separa-se do corpo levando consigo o intelecto e a vontade ficando privada das faculdades corpóreas que influenciavam as suas operações durante a vida.

Nos aspectos relevantes a alma fica agora a operar exactamente como um intelecto angélico. E, se um anjo, imediatamente após a sua criação, escolhe aceitar Deus ou algo inferior a Deus, como seu fim último, a alma, já sem corpo, logo após a morte, faz a mesma escolha.

E, tal como a escolha dos anjos a escolha da alma também é irreversível, dado que as pré-condições corpóreas de mudança de orientação quanto ao bem supremo estão, agora, ausentes.

Sendo assim, a alma que, naquele momento, opte por Deus como seu fim último fica apegada a esse fim para sempre; e a alma que opte por algo inferior a Deus como seu fim último fica a esse fim presa para todo o sempre.

A primeira gozara eternamente da Visão Beatífica; a segunda sofrerá a eterna separação de Deus - a danação eterna.

A única maneira de inverter a situação seria se a alma pudesse ainda aceitar Deus como seu bem supremo. Mas não pode. Porque estando, agora, desencarnada, faltam-lhe as capacidades corpóreas que lhe permitiriam fazê-lo. Tal como aos anjos, faltam-lhe agora os apetites contrários, que lhe permitiriam alterar a escolha; fica instantaneamente habituada a desejar, como seu fim último, o quer que tenha escolhido logo após a morte, seja Deus ou seja algo inferior a Deus.

Faltam-lhe, agora, as sensações, a imaginação e tudo que delas deriva, que lhe permitiriam um conhecimento discursivo que pudesse sustentar uma mudança de julgamento; agora o seu conhecimento é instantâneo e imutável tal como o dos anjos. Já não existe um processo cognitivo cujo curso possa ser alterado.

E nem no Dia do Julgamento Final, aquando da ressurreição dos corpos, será possível corrigir a escolha feita. Porque a natureza da ressurreição de um corpo corresponderá à natureza da alma com que se vai reunificar e esta está agora "presa" à escolha feita logo após a morte.

A alma antes da morte era capaz de alterar a sua orientação porque estava unida a um corpo e, como tal, era incapaz de se fixar numa dada escolha. Após a morte, uma vez fixada, não há como alterar orientação escolhida.

Uma analogia ajudará a entender este ponto. Pensemos num pedaço de barro ainda húmido que está a ser moldado. Enquanto estiver húmido é sempre possível alterar-lhe a forma. Uma vez seco no forno, é impossível fazê-lo. Mergulha-lo em água não lhe alteraria a forma. Pelo contrário seria a água a adaptar-se, agora, à sua forma.

A alma é igual. Enquanto unida ao corpo durante a vida, é como o barro húmido. A morte fixa-a a uma dada orientação tal como forno fixa o barro numa determinada forma. A recuperação do corpo, no Dia do Juízo Final, não permitirá a mudança de orientação escolhida do mesmo modo que mergulhar um pote de barro em água não tornará possível mudar a sua forma.

Qual poderá ser, então, a escolha provável da alma imediatamente após a morte? As paixões e apetites que a dominavam em vida, terão obviamente tendência para a orientarem fortemente numa ou noutra direcção.

Por exemplo uma pessoa que no fim da sua vida esteja fortemente habituada a amar a Deus sobre todas as coisas é muito improvável que, logo após a morte, escolha algo que não Deus como seu fim último.

Pelo contrário uma pessoa que no fim da sua vida esteja habituada a odiar Deus é muito pouco provável que logo após a morte escolha Deus como seu bem supremo.

Alguém que no fim da sua vida esteja fortemente habituado a considerar qualquer coisa específica em vez de Deus como sue fim último — dinheiro, sexo, carreira, poder político, etc. — muito provavelmente, após a morte, escolherá essa coisa como seu bem supremo.

Muito provavelmente estas almas ficaram para sempre "presas" ao que quer que habitualmente valorizassem mais nesta vida.

É preciso, no entanto, analisar cuidadosamente o que se pode entender por "ter Deus como último fim". Uma pessoa poderá ter uma concepção deformada de Deus e mesmo assim, no essencial, tê-Lo por último fim.

Como vimos, a Doutrina dos Transcendentais diz-nos que o Ser em si próprio é o mesmo que o Bem em si próprio e a Verdade em si própria.

É possível que alguns tomem a Verdade ou o Bem como seu fim último, estando assim (dependendo, claro, do que entenderem por Bem ou Verdade) a tomar Deus como seu supremo bem, mesmo que dele tenham uma ideia errónea e mesmo que não se apercebam de que aquilo a que na realidade estão devotados é aquilo a que os teístas clássicos, como S. Tomás, chamam Deus.

Uma pessoa simples poderá pensar em Deus como um velhote de longas barbas vestido de branco, mas no entanto saber que Deus é o criador de todas as coisas, que é bom, que dá a salvação àqueles que verdadeiramente se arrependem, etc..

Pelo contrário, é absurdo supor que alguém obcecado por dinheiro, sexo ou poder político esteja a tomar Deus por seu último fim sem disso se aperceber.

Seja como for, é a intensidade das paixões e dos apetites que faz com que os pecados a eles associados sejam tão perigosos. Ficar fortemente habituado a um determinado pecado associado a um apetite ou uma paixão particular é correr um grave risco de fazer desse pecado o seu fim último à hora da morte e assim se condenar para toda a eternidade.

É exactamente por isso que os sete pecados mortais são mortais.

Se à hora da morte, uma pessoa estiver profundamente habituada a ser invejosa ou a cometer pecados carnais, naturalmente que será difícil, logo após a sua morte, que a sua primeira escolha não seja influenciada por tais hábitos.

Um pecado como a inveja de certo modo tem as suas "vantagens"- não dá à pessoa que dela sofre qualquer prazer, mas apenas sofrimento. Este facto poderá ser um incentivo para, durante a vida, vencer este mau hábito.

Pelo contrário os pecados da carne causam tipicamente um grande prazer, pelo que são extremamente difíceis de vencer, ou até de querer vencer. E, têm como efeitos a cegueira do intelecto, o egoísmo, a aversão às coisas espirituais, etc.

Em Fátima, a Santíssima Virgem, declarou que vão mais almas para o inferno devido a pecados da carne do que por qualquer outra razão. Apesar do que os cépticos possam pensar sobre Fátima, a verdade é que esta tese faz todo o sentido à luz da Moral Católica Tradicional/Direito Natural Clássico (MCT/DNC) e da Doutrina de S. Tomás sobre a obstinação da alma após a morte.

Mais uma vez, não por os pecados da carne serem os piores, que não são, mas por serem pecados muito comuns, em que facilmente se cai, difíceis de vencer e que a maioria das pessoas se recusa a reconhecer sequer como pecados.

Um mundo, submerso em vícios sexuais mas em negação desse facto, é um mundo em que um grande número de pessoas terá por hábito procurar, acima de tudo, o prazer sexual; como tal, com grande probabilidade, à hora da morte ficaram agarradas a esse fim, como seu bem último.

É pois, sumamente insensato, da parte de alguns prelados modernistas julgarem ser muito misericordioso não falar sobre este tipo de pecados. É como não querer prevenir, do perigo iminente, alguém que vai a correr na direcção de um precipício.

Menosprezar a importância destes pecados e até enfatizar os aspectos positivos de certas relações (v.g. relações adúlteras) no seio das quais estes pecados são habitualmente cometidos, é como encorajar o referido corredor a aumentar de velocidade.

Mas, independentemente do que possa ser dito acerca dos pecados da carne, o ponto a realçar é o quão profundamente os apetites e as paixões, especialmente quando têm associado um prazer intenso, preparam a alma para a escolha que vai fazer à hora da morte.

Isto que é verdade para os prazeres sexuais ilícitos é também verdade, embora menos intensamente, para outros apetites e paixões. Por exemplo o prazer associado à presunção de julgar os outros, ou o prazer que o sádico tem de dominar e humilhar os outros, etc.

Pode, no entanto, como já foi referido, haver uma deficiência no que aos apetites e paixões diz respeito. Uma pessoa pode mostrar-se indiferente perante a injustiça ou o mal e assim não procurar combatê-los; ou pode ter um deficit de desejo sexual em relação ao seu cônjuge ou falta de afecto para com os seus filhos.

A deficiência, tal como o excesso, de apetites e paixões pode pois impedir-nos de prosseguir o que é bom .

 

 

 

 

 

 

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