TUDO O QUE NUNCA LHE DISSERAM - E, PROVAVELMENTE, NUNCA QUIS SABER - SOBRE SEXO, AMOR 
ROMÂNTICO E CASAMENTO, NA PERSPECTIVA DA MORAL CATÓLICA TRADICIONAL/DIREITO NATURAL CLÁSSICO 


    V - O LIBERALISMO SEXUAL É ANTI-NATURAL, IRRACIONAL E PERVERSO

Nom enim vocávit nos Deus in immundítiam,

sed in sanctificatiónem

(Primeira Epístola de S. Paulo aos Tessalonicenses, VI: 7.)

 

Como vimos, no capítulo I deste trabalho, a intensidade única do prazer sexual, pode frequentemente levar-nos a agir irracionalmente. Como se trata de um aspecto do sexo raramente abordado nos nossos dias, vamos aprofunda-lo um pouco.

S. Tomás de Aquino, na Summa Theologiae, versa este assunto ao discutir as oito filhas (ou efeitos) da luxúria.

Para S. Tomás e demais teólogos da Moral Católica Tradicional/Direito Natural Clássico (MCT/DNC), o termo luxúria, não significa desejo ou excitação sexual. Não há nada de errado com o desejo ou excitação sexual em si. Pelo contrário, o termo luxúria, do ponto de vista da MCT/DNC, mais não é que um termo técnico para significar um desejo sexual que, de alguma forma é desordenado. A este propósito, S. Tomás refere:

Pecado, no que se refere aos actos humanos, é aquilo que for contra a ordem da razão. A ordem da razão, por sua vez, é ordenar tudo para o fim correspondente, de forma conveniente .

O desejo sexual razoável ou bem ordenado será, então, aquele que é ordenado para o fim correspondente de forma conveniente. Logo, um desejo sexual será irrazoável e desordenado se praticado de forma a obstar à realização dos fins naturais do sexo.

O Doutor Angélico diz-nos, pois, que é desordenado, na medida em que contraria o fim natural para o qual o sexo existe, por exemplo, um desejo sexual que tenha por objecto algo diferente de um ser humano do sexo oposto; ou impedir o acto sexual de atingir o seu fim natural - a inseminação; ou, ainda, consentir desejos sexuais num quadro de uma relação adúltera.

Duas notas preliminares antes de abordar, em si, o tema dos Efeitos da Luxúria:

i)  Suponha o leitor que subitamente acha alguém do sexo oposto, que não o legítimo cônjuge, atractivo. Até aqui não está a cometer nenhum pecado. Suponha que a imagem dessa pessoa lhe vem com frequência e inadvertidamente  mente. Ainda assim não existe pecado. Mas se, em vez de expulsar estes pensamento, procurando pensar noutra coisa, voluntariamente os quiser alimentar e com eles obtiver prazer, agora sim, estamos perante um pecado de luxúria. Achar essa outra pessoa atraente é em si próprio perfeitamente natural e, nas circunstâncias correctas (se fosse casado com essa pessoa) não haveria qualquer mal em se deixar arrastar por fantasias sexuais acerca dela. Mas, nãos sendo com ela casado, mas sim com outra pessoa, as circunstâncias tornam essa fantasia e excitação pecaminosas.

 ii) Dizer que uma determinada desordem moral é um efeito da luxúria não quer dizer que esse efeito invariável e exclusivamente provenha da luxúria. Estamos, aqui, perante tendências. Quanto mais prolongados e profundos forem os desejos sexuais desordenados de alguém maior a tendência terá para cair nas desordens morais a que São Tomás chama efeitos da luxúria. Por outro lado, se esses desejos desordenados forem contrariados por esforços para os corrigir, essa tendência será menor.

Dos oito efeitos da luxúria os quatro primeiros dizem respeito ao intelecto e os quatro últimos à vontade.

O primeiro efeito da luxúria é, segundo S. Tomás a Cegueira Mental. Segundo ele, a capacidade do intelecto apreender um fim como bom...é diminuída pela luxúria.

O intelecto tem como fim natural a apreensão da Verdade. A Verdade é um transcendental, tal como o Bem. Quer isto dizer que, segundo a Doutrina dos Transcendentais defendida pelo Doutor Angélico, a Verdade e o Bem são a mesma coisa vista de pontos de vista diferentes. Sendo assim o nosso, intelecto tem por seu fim natural apreensão tanto da Verdade como do Bem.

É um facto facilmente observável, mesmo não se sendo um Filósofo Aristotélico/Tomista (A-T), que se obtivermos prazer com uma determinada actividade, temos tendência para considerá-la boa mesmo que na realidade não o seja; e que quando, por qualquer motivo, gostamos de uma determinada ideia sentimo-nos inclinados a considera-la verdadeira e razoável mesmo quando na realidade não o é:

Um alcoólico ou um cocainómano obtêm um prazer tão intenso do seu vício que se recusam a ouvir quem os adverte do mau caminho que estão a seguir; um intelectual pode estar tão apaixonado pela sua teoria de estimação que procurará apenas os factos que a confirmem e não atenderá aos factos que gritantemente a contradigam; o putativo escritor sem talento está tão obcecado com a expectativa de fama e riqueza futuras que não percebe que deveria enveredar por outra carreira.

Ou seja, é um facto observável no dia-a-dia que o prazer associado a algo que é mau ou falso impede-nos de ver essa realidade.

ii) No que diz respeito ao sexo, não há motivo para que as coisas se passem de modo diferente. Na verdade, como realça S. Tomás, é exactamente a extraordinária intensidade do prazer sexual que lhe confere uma especial propensão para toldar a nossa capacidade de discernir o que é bom e verdadeiro do que é mau e errado.

 Quanto mais frequentemente alguém cair na tentação de praticar actos sexuais desordenados, tanto mais difícil lhe será compreender a desordem desses mesmos actos e isto porque, o prazer repetidamente obtido suscitará nessa pessoa uma falsa aparência de bem.

 Não tardará que comece a procurar razões para se justificar e autoconvencer da bondade de tais actos ou pelo menos da sua inocência e tornar-se-á surdo a todas as razões que contrariem essa sua inclinação.

 Ou seja, a condescendência com comportamentos sexuais desordenados embota tendencialmente a nossa capacidade para discernir entre o bem e o mal especialmente no que respeita à moral sexual.

 Não é preciso ser um filósofo A-T para ver que propensão exagerada para o prazer sexual cega as pessoas para as consequências nefastas que daí possam advir.

  Os exemplos do dia-a-dia são legião: desde o patrão ou professor lascivos que perseguem sexualmente os subordinados ou alunos apesar dos riscos para a sua carreira e estabilidade familiar; até à mulher que se deixa convencer que o homem casado com quem tem relações vai deixar, por ela, a família; passando pelo viciado em pornografia que se recusa a admitir que está efectivamente viciado.

 Claro que os tomistas consideram sexualmente desordenadas muitas coisas que não são vistas como tal nos nossos dias pela maioria das pessoas. Do ponto de vista A-T tal resulta em parte do erro intelectual reinante.

 Porque, ao contrário do que a maioria das pessoas actualmente pensa, se atendermos ao enquadramento metafísico subjacente à Moral Católica Tradicional/Direito Natural Clássico (MCT/DNC) — essencialismo, teleologismo, etc. — é absolutamente óbvio (como anteriormente demonstrámos) que a moral sexual tradicional é perfeitamente razoável e até dificilmente evitável, sendo o seu enquadramento metafísico perfeitamente defensável, quando correctamente entendido.

 O problema é que, no mundo contemporâneo, até mesmo a nível universitário, ninguém conhece os fundamentos racionais da MCT/DNC, ou então conhece apenas caricaturas básicas dos mesmos.

  Mas, o mais grave, é que do ponto de vista A-T, não estamos apenas perante um simples erro intelectual. Porque não se trata apenas de, a nível intelectual, a maioria das pessoas na sociedade ocidental contemporânea não concordar com a Moral Sexual Tradicional no que respeita ao que deve ou não deve ser considerado desordenado. O grande problema reside no facto de a maioria das pessoas, do ponto de vista da Moral Sexual Tradicional, actuar desordenadamente, a este nível. E tendo este tipo de comportamento uma forte propensão para obnubilar a nossa capacidade para discernir o bem do mal, especialmente no que ao sexo diz respeito, segue-se que a generalizada rejeição da Moral Sexual Tradicional tem muito a ver com aquela corrupção cognitiva a que S. Tomás chama Cegueira Mental.

 Que, quem não se comporta segundo as normas da Moral Sexual Tradicional, não entenda também que essas normas têm um fundamento racional sólido, não é de todo surpreendente. Pelo contrário, é exactamente o que o Doutor Angélico previu.

 É a esta luz que temos de ver a recusa, da maioria dos filósofos e académicos contemporâneos (e, até, de muitos prelados modernistas), de considerarem sequer os argumentos da MCT/DNC em defesa da Moral Sexual Tradicional. Para eles, nem vale a pena dar qualquer crédito a tais argumentos porque "sabem" à partida não passarem de meros preconceitos de fanáticos.

  Mas, este tipo de atitude, tão generalizada, tem o problema de ser completamente falaciosa. Porque o bus ilis da questão é precisamente saber se a Moral Sexual Tradicional é racionalmente defensável ou é apenas preconceituosa; ora, afirmar simplesmente que os seus defensores são preconceituosos e fanáticos não chega a ser um argumento; não passa de uma falácia ad hominem.

E, cereja no topo do bolo (ou, melhor, fel no fundo do copo), no mundo contemporâneo, a cegueira mental, é fortemente exacerbada por uma cultura hiper-sexualizada e pela pornografia moderna que envolvendo imagens de pessoas reais praticando actos reais, intensifica e torna vívidas as fantasias sexuais onanísticas, enquanto, através da perfeição dos corpos, da variedade dos actos praticados e da promiscuidade exibida, nos afasta do que na realidade será sexualmente pretendido por um parceiro real; o consumidor de pornografia terá forte tendência para ficar obcecado com expectativas irrealistas e actos sexuais ilícitos e dificilmente se satisfará com uma relação normal com uma pessoa real.

E quanto mais essa obsessão com desejos irrealistas e ilícitos se tornar como que uma segunda natureza, tanto mais essa pessoa perderá a noção do que é natural (em sentido relevante) no que ao sexo diz respeito. Os sentimentos naturais de repulsão perante certos actos ilícitos ir-se-ão esbatendo, assim como a vontade e a capacidade para pensar objectivamente acerca da moralidade dos actos a que se deixou apegar .

A pornografia contemporânea, da qual não há precedente histórico, através da sua prevalência e seu conteúdo excessivo, foi crucial para a liberalização das atitudes em relação à moral sexual.

A cultura moderna, fortemente sexualizada e "pornificada", transformou a cegueira mental, de que fala o Doutor Angélico, num fenómeno de massas. Milhões sobre milhões de seres humanos tornaram-se psicologicamente agarrados a atitudes de maior ou menor imoralidade sexual. A sociedade moderna ocidental transformou-se numa Caverna de Platão com imagens obscenas, em vez de sombras, continuamente passando em frente dos seus olhos.

Esta cegueira massificada provoca, por sua vez, outros tipos graves de imoralidade:

Milhões de crianças, por todo o mundo, estão encurraladas na pobreza por terem sido concebidas fora do casamento.

E, milhões de crianças são abortadas.

A fornicação generalizada produz, pois, milhões de crianças pobres e milhões de crianças mortas.

A pobreza e o aborto seriam certamente muito menos comuns se a fornicação e a cultura híper-sexualizada fossem fortemente estigmatizadas como até recentemente eram.

Estranhamente, aos modernos, embora tenham forte propensão para estigmatizar tudo e mais alguma coisa — tabaco, linguagem politicamente incorrecta, etc. — e sejam fortemente sentimentais no que diz respeito às crianças, nunca lhes passou pela cabeça estigmatizar a fornicação e a cultura híper-sexualizada em prol do bem-estar dessas mesmas crianças.

Estão tão obcecadas pelo estúpido cliché de que o que cada um faz no seu quarto não afecta mais ninguém que simplesmente não conseguem ver o que historicamente era absolutamente óbvio para a maioria dos seres humanos — que a imoralidade sexual tem, de facto, um impacto terrível nos membros mais frágeis da sociedade.

Nos nossos dias, chegou-se a um estado de inversão tal que as nossas capacidades sexuais que, de seu natural, têm por fim a geração, protecção e educação de novas crianças, pelo contrário estão a levar ao assassinato e ao empobrecimento em massa dessas mesmas crianças.

Ora isto é, em sentido próprio, perverso.

E demonstra como o prazer sexual desregrado pode ser terrivelmente nocivo.

Os outros três "efeitos da luxúria respeitantes ao intelecto procedem directamente da Cegueira Mental:

A segunda é chamada por S. Tomás de Temeridade. Trata-se da incapacidade para atender aos conselhos sobre o modo de proceder para atingir um fim. Ou seja, se o prazer que obtemos de actos desordenados nos pode cegar acerca dos fins naturais desses mesmos actos, também nos pode impedir de ver os meios correctos para atingir esses fins.

o   O terceiro efeito da luxúria é a Negligência ou Inconsideração que se traduz no facto do intelecto, ab initio, não levar em conta nem os referidos fins nem os respectivos meios.Ou seja, enquanto a Cegueira da Mente, se traduz no facto do intelecto se debruçar sobre o problema dos fins em si do sexo mas chegar a conclusões erradas, e a Temeridade se traduzir no facto do intelecto se debruçar sobre os meios para atingir esses fins e enganar-se também, a Inconsideração ou Negligencia traduz-se no facto de intelecto nem sequer se preocupar em preocupar-se com essas questões. A pessoa Negligente limita-se a ir acefalamente atrás dos seus prazeres desordenados. A sua atitude em relação ao sexo já não chega a atingir o nível do racional.

A quarta filha da luxúria é a Inconstância, que significa que mesmo quando alguém se deixa dominar pela luxúria mas ainda não está totalmente dominado nem pela Cegueira da Mente, nem pela Temeridade, nem pela Inconsideração e portanto ainda é capaz de apreender os fins e meios no que diz respeito ao sexo, a sua apreensão é, no entanto superficial. O prazer associado ao comportamento sexual desordenado constantemente a distrai, de forma a impedi-la de procurar consistentemente o bem.

Para S. Tomás a vontade segue o intelecto e assim os Efeitos da Luxúria compreendem, além das quatro desordens do intelecto, quatro desordens da vontade.

O quinto, e o sexto, Efeitos da Luxúria são descritos por S. Tomás da seguinte forma:

Por um lado temos o Amor-Próprio que se refere aos prazeres desordenados que se desejam, por outro temos o Ódio a Deus, porque nos proíbe esses prazeres.

Ou seja, a pessoa Negligente, Temerária e com Cegueira Mental profundamente mergulhada e obcecada com os prazeres sexuais desordenados, conseguiu criar no entanto, uma construção mental para tentar justificar o seu vício. Esta pessoa virou-se para si mesma, para os seus prazeres e para as suas construções intelectuais em vez de se virar para o exterior, à procura do objectivamente bom e verdadeiro. A sua mente, corrompida pela luxúria, quer fazer a realidade conformar-se à sua vontade em vez de conformar a sua vontade à realidade. Sendo assim, a mera hipótese de que possa existir uma ordem moral natural e objectiva, especialmente no que diz respeito ao sexo, torna-se insuportável para essa pessoa.

A consequência lógica é o Ódio a Deus. Porque sendo Deus Ser em si mesmo, e sendo o Ser, tal como a Verdade e o Bem transcendentais, segue-se que Deus é também Verdade e Bem em si mesmo. Ser, Verdade e Bem, são apenas diferentes formas de conceptualizar a mesma realidade divina. Sendo assim, odiar o que é bom e verdadeiro é o   mesmo que odiar a Deus.

o   Uma pessoa dominada por desejos sexuais desordenados bem poderá clamar, batendo no peito, amar a Deus e até (sacrilegamente) frequentar os Sacramentos; mas, se não admitir que os seus desejos são desordenados, não procurar sinceramente livrar-se deles e se, pelo contrário amar esses desejos, detestar aqueles que tentam afastá-la deles e rejeitar tudo que possa sugerir serem esses desejos contrários à Vontade Divina, então esse suposto amor a Deus não passa de uma ilusão. Não é Deus, de todo, que essa pessoa ama, mas sim uma construção mental própria

 Os dois últimos Efeitos da Luxúria são chamados por S. Tomás de amor deste mundo e desespero da vida futura.

o   Para S. Tomás, o ser humano, enquanto animal racional, tem, além de poderes corpóreos (nomeadamente os poderes de nutrição, crescimento, reprodução, sensação, apetite e locomoção), poderes incorpóreos - o intelecto e a vontade. São estes poderes incorpóreos, que determinam a imortalidade da nossa alma e a destinam a uma vida para além da vida presente. Uma vez que aqueles poderes corpóreos e o prazer a eles associado, nos são naturais, não há nada de errado em, através deles, termos prazer.

  Mas, ao excessivo amor das coisas corpóreas S. Tomás chama o Amor deste mundo.

  O prazer sexual desordenado, por força da sua intensidade, tem propensão para nos afastar dos bens intelectuais, não nos permitindo discernir o que é bom e verdadeiro; mas ainda que o conseguíssemos discernir, dificilmente encontraríamos forças para o procurar, uma vez que o prazer que poderíamos obter dessa busca seria sempre menos intenso que o prazer obtido através daquele comportamento sexual desordenado.

Naturalmente esta pessoa, tendencialmente não terá qualquer interesse na vida para além desta e nada fará para assegurar o seu futuro lugar nela. Essa vida futura parecer-lhe-á excessivamente longínqua, abstracta, fria e aborrecida quando comparada com aquilo em que fixou o seu coração, nesta vida.

Não é pois de estranhar que tradicional e unanimemente os teólogos cristãos tenham enfatizado o perigo dos pecados sexuais para a salvação da nossa alma imortal; porque, embora não sejam os piores pecados — que não são — são pecados a que, por força do prazer a eles associado, podem facilmente "agarrar-nos" e dos quais, se se tornarem hábito, dificilmente nos libertaremos.

É por isso, que os prelados que desvalorizam a importância dos pecados sexuais em nome da misericórdia estão, na realidade, a ser muito pouco misericordiosos.

Se até agora só referimos os pecados por excesso, no que ao prazer sexual diz respeito, a verdade é que nesta área, como em outras áreas da vida humana, também há pecados por defeito.

Falando do prazer em geral S. Tomás afirma:

Tudo que seja contrário à ordem natural é vicioso. A natureza associou prazer às operações necessárias à preservação da vida humana. Assim sendo, a ordem natural determina que o homem faça uso desses prazeres sempre que sejam necessários para a preservação tanto do individuo como da espécie. Como tal, se alguém rejeitar tais prazeres ao ponto de contrariar a realização das operações necessárias à preservação própria ou da espécie, pecará pois estará a actuar contra a ordem da natureza. Tal constituirá o vício de insensibilidade .

S. Tomás, logo de seguida, diz-nos que é possível renunciar a esses prazeres de forma não viciosa, por exemplo quando se escolhe o celibato em prol do sacerdócio ou da vida religiosa. Menciona também os casos, embora inusuais, em que os esposos concordam em abster-se de ter relações sexuais por razões espirituais. São casos em que o prazer sexual é afastado em prol de algo ainda melhor e não por ser algo de mau.

O normal, no entanto, é as pessoas casarem-se e casando-se terem relações sexuais. Isto quer dizer que o prazer sexual é uma parte natural da vida humana vulgar e é inevitável uma vez que além de racionais somos também criaturas corpóreas e animais.

O vício de insensibilidade traduzir-se-ia, por exemplo, no facto de um dos esposos se recusar a ter relações sexuais, ou de as ter de má vontade, ou sem interesse (claro que um dos esposos pode estar doente, ou cansado, ou stressado, ou simplesmente não estar com disposição. Não haverá nisso nada de condenável. O problema só se levantará se esse esposo manifestar um desinteresse ou aversão habitual pelas relações sexuais.).

Mas, assim como a vontade pode estar insuficientemente direccionada para o sexo, também o intelecto o pode estar. Por exemplo, algumas pessoas erroneamente encaram o prazer sexual como algo suspeito e as relações sexuais como algo resultante do pecado original. O Magistério Católico e S. Tomás rejeitam liminarmente este ponto de vista encarando o prazer sexual como algo de bom, visto ser uma maneira da natureza facilitar os fins reprodutivo e unitivo do sexo.

Em face de tudo que ficou dito poder-se-á perguntar porque é que nós, seres humanos, somos tão dados a extremos no que ao sexo diz respeito?

Segundo S. Tomás, tal deve-se, do ponto de vista metafisico, à posição algo peculiar que ocupamos na ordem da criação.

Os anjos são criaturas incorpóreas e assexuadas, puramente intelectuais. Os animais irracionais são inteiramente corpóreos e comandados pelas suas sensações e apetites.

Os seres humanos sendo animais racionais, têm um pé no reino angélico e outro no reino animal. É, sem dúvida, uma estranha posição, a nossa, do ponto de vista metafísico; é uma posição fortemente instável que o sexo torna ainda mais difícil de manter. A intensidade única do desejo e do prazer sexual e a nossa incompletude enquanto homem e mulher constantemente nos recordam a nossa natureza corpórea e animal, puxando-nos para baixo. Pelo contrário, a nossa natureza racional constantemente procura (ou deveria procurar) manter o controlo puxando-nos para cima, com receio do desregramento causado por tão intenso prazer. Este conflito pode ser tão premente que nos sintamos tentados a evitá-lo optando por um dos extremos. É, na verdade, uma tarefa difícil. E a assistência divina sobrenatural que nos permitiria manter uma harmonia fácil entre a nossa natureza animal e a nossa racionalidade, remediando o problema, perdêmo-la com o pecado original.

Ou seja, do ponto de vista comportamental, no que ao sexo diz respeito, temos tendência ou para o puritanismo ou para o excesso. E intelectualmente, temos tendência, ou para cair no erro do Platonismo — tratando o homem como essencialmente incorpóreo, uma alma aprisionada no corpo — ou no erro do materialismo - tratando a natureza humana como inteiramente redutível à sua corporalidade e animalidade. O primeiro erro explica a atitude excessivamente negativa dos puritanos em relação ao sexo, o segundo, largamente dominante nos tempos modernos, explica o extremo relaxamento actual em matéria de moral sexual.

O equilíbrio correcto é nos dado, nesta como noutras áreas, pelo ponto de vista A-T quando defende ser o homem composto de uma só substância com poderes tanto corpóreos como incorpóreos, proclamando a bondade essencial do sexo e do prazer sexual, enquanto defende a Moral Sexual Tradicional Católica

Atendendo a tudo o que ficou dito, é fácil perceber as razões que levaram os Teólogos Católicos e os Teóricos da Moral Tradicional a encararem a perversão das nossas capacidades sexuais, como um assunto inerentemente relevante. Efectivamente, o prazer sexual, sempre foi entendido como algo de perigoso; não no sentido de ser mau em si, mas no mesmo sentido que a gasolina, as armas e muitos outros utensílios do dia-a-dia são perigosos: não, há nada de errado em os utilizar, mas há que ter cuidado e fazê-lo  apenas do modo e na altura certos.


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