Realidade versus modelos matemáticos
(ou, realidade versus “verdade”
científica )
Na biografia
de Ray Monk de Ludwig Wittgenstein, há um relato impressionante das discussões
semanais entre Wittgenstein e Alan Turing sobre os fundamentos da matemática.
Dei comigo a concordar com Wittgenstein e pareceu-me que Turing tinha sido incapaz de compreender o seu próprio erro, porque não conseguia entender os fundamentos do pensamento matemático e os seus pressupostos. Turing não conseguia ver, ou mesmo reconhecer, a existência duma realidade mais ampla que precedia e que servia de base à matemática.
Wittgenstein afirmava que a compreensão era uma simples compreensão intuitiva directa – como quando sabemos que, duas coisas iguais a uma terceira, têm necessariamente de ser iguais entre si; ou que, o todo, tem de ser necessariamente maior do que as partes, etc. (já Aristóteles dizia que todo o conhecimento científico tem por base conhecimentos não científicos – intuitivos, em sentido relevante); enquanto Turing argumentava que só sabemos que sabemos e compreendemos, quando os resultados "funcionam", ou seja empiricamente; segundo ele, saberíamos que a matemática está certa porque uma ponte feita com cálculos, não cai.
Turing, não entendia, que as verdades matemáticas (como 2+2=4) são necessariamente válidas para qualquer universo possível, independentes de qualquer verificação empírica; que os seres humanos não as criaram mas apenas as descobriram, já existindo, elas, antes do Homem aparecer e continuando a ser verdade mesmo depois da humanidade se extinguir.
Para Wittgenstein, a compreensão era a coisa
mais importante do mundo - toda a sua vida foi impulsionada pela necessidade de compreender. Viu, portanto, que não havia qualquer relação entre
compreensão e resultados práticos (tal como presumimos que os conhecemos) – que a engenharia, nada tem a ver com compreensão.
Turing, de certa forma, sem disso se aperceber, estava a dizer que a compreensão não importa; o que importa é se podemos prever e manipular o mundo para alcançar os nossos desejos.
Assim, um computador não
compreende o que faz - mas isso não importa se puder fazer coisas que achamos
úteis.
Dito de
outra forma, Turing considerava serem os 'modelos' aquilo a que mais longe podemos
chegar em termos de compreensão.
Mas, cada modelo é uma descrição
deliberadamente simplificada e compartimentada (e portanto, em última análise,
falsa) da realidade total; para Turing, isso não importava porque para ele todo
o pensamento se resumia a algum tipo de modelo.
Enquanto Wittgenstein considerava que a
compreensão -, a partir de verdades intuitivas (necessariamente certas) seguidas de deduções lógicas - era a base de tudo, para Turing compreensão era apenas um estado
psicológico transitório - em última análise, uma espécie de ilusão.
Wittgenstein sabia o que Turing queria dizer,
porque Wittgenstein tinha acreditado no mesmo; mas um pensamento mais
aprofundado levou-o a uma compreensão simples e directa que lhe revelou ser a
visão de Turing, falsa.
Wittgenstein
tinha pensado da mesma forma que Turing, mas depois avançou para uma
situação tão clara que não precisava de mais nenhuma justificação.
A correspondência entre Wittgenstein e Turing é
um verdadeiro microcosmo de muitas discussões que ainda hoje continuam - ou
melhor, que não chegam a acontecer porque uma das partes simplesmente não
pensou longa, árdua, profunda e suficientemente para saber que está errada e
acha que tem "coisas mais importantes para fazer" do que conseguir a
clareza e simplicidade a que tal pensamento acabará por conduzir.
Assim, acontece que muitas pessoas espertas (e
há poucas mais espertas do que Turing!) estão erradas em questões fundamentais.
O erro de
Turing está embutido no mundo moderno: de facto, entranhado nele; porque as
nossas avaliações sobre se algo funciona ou não, se tornaram pragmáticas, também.
Assim, vemos, hoje, a avaliar a verdade (ou
seja, a deter as chaves da verdadeira compreensão) os computadores que
nada compreendem - porque a compreensão real (simples directa, intuitiva) é
considerada meramente subjectiva, psicológica, contingente.
O homem
moderno exige, portanto, que a necessidade de compreensão seja eliminada - e estabelece
sistemas processuais para avaliar a "verdade" (ou
"qualidade") da ciência, da matemática, da realidade e tudo o mais;
sem qualquer necessidade de (e, na verdade, excluindo deliberadamente) a
compreensão humana.
Estes sistemas são indiferentes ao facto de
uma pessoa ter ou não pensado profunda e longamente; e de ela efectivamente ter compreendido e não meramente manipulado.
Um típico burocrata moderno (e a maioria das pessoas modernas são burocratas, seja profissionalmente seja na sua vida privada) diria a Wittgenstein, vezes sem conta: “Essa é apenas a sua opinião; o Sr. quer que voltemos à Idade da Pedra? Você é um teórico da cosnspiração, um negacionista, etc...."
Wittgenstein saberia que estava certo, e sabê-lo-ia
com certeza absoluta - mas provavelmente não seria capaz de convencer mais
ninguém.
Se não
conseguiu convencer Turing de que existe muito mais para compreender para além
de “modelos” - que hipótese teria hoje Wittgenstein de convencer um gestor da de empresas, um
académico de carreira, um quadro da administração pública ou um propagandista
dos meios de comunicação social?
Apartir de um texto de Bruce Charlton
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