É preciso acreditar verdadeiramente nestas santas e
velhas tradições que nos revelam a imortalidade da alma, a existência de um
juízo inexorável e de terríveis castigos a sofrer, se se tiver procedido mal,
quando ela se separar do corpo. É por isso que se deve considerar como menor
mal ser vítima de grandes crimes ou grandes injustiças, do que cometê-los. O
homem rico de dinheiro, mas pobre de virtudes, repudia esta moral pouco
condescendente, ridicularizando-a. Não reconhece outras regras para o seu proceder,
senão essa paixão brutal que o leva a admirar, qual besta selvagem, tudo o que
possa ajudar a dissipar a sua vida nos excessos da mesa e nos prazeres
grosseiros, imprópriamente chamados de amor.
Completamente cego, não percebe que estes gozos
enganadores acordam nele uma sede que não poderá extinguir nem acalmar; que a
impiedade gera a injustiça e o crime e que toda a má acção acarrecta para o
indivíduo que a comete uma vida que é uma doença contínua e o expõe a grandes
males quando chegar à morada eterna.
Respeito-vos e quero-vos muito, senhores Atenienses, mas obedeço ao deus de preferência a vós; enquanto me restar fôlego e o puder fazer, não deixarei de filosofar, de vos exortar, de vos dizer, sempre que encontre um de vós, o que costumo dizer:
“Meu caro amigo, tu que és Ateniense, que pertences a uma grande cidade, reputada pela sabedoria e pela força, não tens vergonha de só te importares com riquezas, de fazeres o possível por as ter na maior quantidade, assim como honras e fama, sem que te preocupem nem te interessem a inteligência, a verdade e o melhoramento da alma?”
E creio que nenhum bem maior encontrareis vós na
cidade do que este serviço que estou prestando … de persuadir-vos, novos e
velhos, de que vos não ocupeis com o corpo e com a fortuna tão ardentemente
como com a alma, para que melhor se torne; digo-vos que não é das riquezas que
vem a virtude, mas da virtude as riquezas e todos os outros bens humanos, tanto
particulares como públicos.
Platão, Defesa
de Sócrates
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