Feliz o homem que foi encontrado sem mancha, e que não correu atraído pelo ouro, nem pôs a sua esperança no dinheiro, nem nos tesouros. Onde achar tal homem, para o louvarmos? Fez coisas maravilhosas na sua vida! Foi tentado pelo ouro, e ficou íntegro, o que lhe valerá uma glória eterna; pôde transgredir a lei, e não a transgrediu; pôde fazer mal, e não o fez: Por isso os seus bens estão firmes no Senhor.
Livro do Eclesiástico 31. 8-11
ÊRRO DE ORIENTAÇÃO
A primeira regra, ou o A.B.C. da mercância, é
passar as coisas da terra onde as há e valem pouco, para onde as não há e valem
muito. Se víssemos que um mercante de Lisboa, embarcando-se a comerciar nas
nossas Conquistas, para Angola carregasse de marfim, para a Índia de canela, e para o
Brasil de açúcar, não o teríamos por louco, e lhe perguntaríamos: … Homem
néscio, tu sabes para onde vais, ou o que levas? Pois esta mesma ignorância e
loucura é a de todos ou quási todos os que se chamam cristãos neste mundo. Se
lhes perguntarmos para onde vão, dizem que para o céu. E se olharmos para os
seus cuidados, e para os seus empregos, e para as suas carregações, competindo
todos em quem mais há-de carregar e sobrecarregar, acharemos que todo o seu
cabedal empenham naquelas mercadorias que nenhum preço nem valor têm no céu. Cá
custam muito e lá não valem nada. O oiro e a prata não têm lá valor, porque lá
é a pátria das riquezas; os gostos e os passatempos lá não têm valor, porque lá
é a pátria das delícias; as telas e os brocardos lá não têm valor, porque lá
todos vestem de glória; os regálos e sabores exquisitos lá não têm valor,
porque lá os perpétuos banquetes são a vista de Deus. Que coisas são logo
aquelas que no céu têm grande valor, e grande preço? São aquelas que lá não há.
Os trabalhos, as pobrezas, as fomes, as sêdes, as perseguições, os ódios, as
injúrias, as afrontas, as calúnias, os falsos testemunhos, e todas as outras
misérias ou violências que neste mundo se padecem; estas são as que no céu só
têm valia; porque no céu todos são impassíveis. Cá é a terra do trabalho e da
paciência; lá é o pôrto do descanso, e a pátria da impassibilidade.
Padre António Vieira
Comentários
Enviar um comentário