Regra de 3 simples: O Ocidente moderno está para Cartago, como a Rússia está para (a primeira) Roma 

A teoria materialista da história, segundo a qual a política e a ética mais não são que expressões da economia, é uma falácia muitíssimo simples que consiste em confundir as condições necessárias à vida, com outra coisa completamente diferente, as normais preocupações da vida. No fundo, é o mesmo que dizer que o homem vive em função da comida, só porque não pode viver sem comer.

Neste sentido, as vacas podem, muito bem, ser seres puramente económicos, pois dá a impressão de que não fazem muito mais, para além de pastarem e procurarem melhores locais de pastagem; e, é exactamente por essa razão que, uma história da vaca em doze volumes, não seria uma leitura muito interessante.

 Assim, pois, longe de aceitarmos que os movimentos que constituem a história são apenas económicos e materiais, podemos afirmar com segurança que a história só entra em cena quando saem de cena as motivações das vacas.

 O perfil da história é feito de curvas e ângulos decisivos, que são determinados pela vontade do Homem. Uma história apenas económica nem sequer seria uma história.

Vem isto a propósito de relembrar que na costa africana do mediterrâneo existiu, a dada altura, uma cidade que tinha o nome de Cartago. Era uma cidade muito mais poderosa e muito mais próspera do que Roma; tinha um ar confiante e comercial e gostava de fazer declarações que ressoavam a uma certa segurança metálica; por exemplo: que, ninguém podia lavar as mãos no mar, sem a autorização de Cartago. Trouxera de Tiro e Sídon um prodigioso talento para o comércio. E também trouxera muitas outras coisas…

Era, acima de tudo, uma civilização prática. Em termos históricos, pouco nos deixou; nem em termos artísticos, nem, muito menos, em termos poéticos. Mas orgulhava-se de ser muito eficiente; e tinha uma filosofia e uma religião que seguiam aquele fio de pensamento que encontramos naqueles que procuram sobretudo resultados imediatos. Nesta mentalidade, está sempre presente a ideia que existe um atalho que conduz ao segredo do sucesso. E, há sempre uma convicção difusa de que, em vez de se perder tempo com disparates, se deve efectivamente conseguir resultados. 

Este tipo de pessoas confia em quem é capaz de “entregar o produto”. E, nas suas relações com o deus a quem prestavam culto, Moloch – ou, Baal - tinham precisamente o cuidado de, também eles, entregar o produto, fazendo assentar a sua civilização numa religião do medo que expelia o fumo dos sacrifícios infantis em todas as direcções.

Produzia coisas sobre as quais é preferível nem falar e que pertencem ao conjunto daquelas realidades de tal maneira perversas, que parecem inocentes aos inocentes; nela estava sempre presente aquela espécie de ódio místico pela ideia de infância, característica segura dos povos sedentos de resultados práticos.

Foi este aspecto satânico que fez erguer contra Cartago, em fúria simultânea, os servos do Deus da Palestina e os guardiões dos deuses domésticos de Roma.

As primeiras fases do conflito podem ser seguidas com muito pormenor. Cartago tinha derrotado a Grécia e conquistado a Sicília; e tinha-se instalado firmemente em Espanha. Roma foi, pois, apanhada entre Espanha e a Sicília, e teria sido esmagada se os romanos fossem o género de povo que e deixa esmagar com facilidade. Mas, o interesse desta história reside no facto de Roma ter sido efectivamente esmagada. E, se ela não tivesse certos elementos morais, para além dos elementos materiais, a história teria certamente acabado quando a materialista Cartago achou que ela tinha acabado.

...

O espírito comercial tem em si uma visão cósmica muito própria, um equívoco verdadeiramente mortal, que acabou por levar à destruição de Cartago.

O poder púnico ruiu porque o materialismo alberga em si uma absurda indiferença para com o pensamento; não acreditando na alma, deixa de acreditar na inteligência. Sendo excessivamente pragmático para se deixar prender por valores morais, ignora aquilo a que qualquer soldado chama a moral de um exército.  Julga que,  quando os homens deixarem de combater, o dinheiro travará os combates por eles.

Foi o que aconteceu aos mercadores púnicos:

 A sua religião, era uma religião de desespero, mesmo quando a fortuna lhes sorria; por isso, eram absolutamente incapazes de compreender que os romanos tivessem esperança, mesmo contra toda a esperança.

 A sua civilização, era uma civilização da força e do medo; por isso não podiam compreender que os homens fossem capazes de desprezar o medo, mesmo quando submetidos ao poder da força.

A sua filosofia, tinha no centro uma enorme fadiga; por isso, eram incapazes de compreender aqueles que continuam a lutar,  mesmo quando estão cansados de combates.

 Numa palavra, eram incapazes de compreender a alma humana, eles que toda a vida se haviam dedicado a coisas sem sentido, como o dinheiro, o sucesso prático e a força bruta.

Acabaram, pois, por ser subitamente surpreendidos pela notícia de que as brasas que tanto haviam desprezado tinham voltado a irromper em chamas.

 E, Cartago caiu como, antes dela, tinha caído Satanás.

 

G. K. Chesterton, The Everlasting Man, 1925

Western Delusions About Russia and Ukraine Are Genuine - A Son of the New American Revolution (sonar21.com)

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