As suas técnicas de exercício do poder são
radicalmente mais eficazes do que as clássicas, pois procuram que os homens se
submetam de livre vontade. O seu propósito é motivar, activar, optimizar, e não
obstar ou submeter. A sua eficácia particular deve-se ao facto de não agir proibindo ou subtraindo, mas consentindo e satisfazendo os desejos que
previamente criou; em vez de tornar os homens submissos, pretende infantilizá-los e torná-los dependentes. Não lhes impõem qualquer forma de silêncio:
pelo contrário, exige que partilhem, que participem, que comuniquem as suas
opiniões, necessidades, desejos e preferências – ou seja, que contem as suas
vidas até aos mínimos pormenores. Não nega ou submete a liberdade:
explora-a. Procura a construção - orientada pelos engenheiros sociais - de
consensos a que todos se quererão juntar.
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Este novo tipo de poder inteligentemente, lê e avalia os nossos pensamentos conscientes e inconscientes; aposta na organização e na optimização, de nós próprios, realizadas de modo voluntário; visa dominar agradando e gerando dependências e o seu objectivo é, não só explorar o tempo de trabalho, mas explorar a totalidade da pessoa, toda a sua atenção e toda a sua vida, criando uma sociedade onde não é preciso escravizar os corpos porque as almas foram escravizadas. As estruturas do poder moderno, com a sua indústria da consciência, visam, destruir a alma.
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O neoliberalismo, transformou os trabalhadores em
empresários. Hoje, cada um de nós é um trabalhador que se explora a si próprio
na sua própria empresa. Cada um de nós é senhor e escravo na mesma pessoa e a
luta de classes transforma-se numa luta interna de cada um consigo próprio. O
modo de produção presente é a solidão do empresário isolado, em confronto
consigo próprio, explorador voluntário de si próprio.
O proletariado definia-se literalmente pela
condição de ter os filhos como única posse. A sua auto produção limitava-se
unicamente à reprodução. Hoje, pelo contrário, alastra a ilusão de que cada um,
enquanto projecto livre de si mesmo, é capaz de uma auto-produção ilimitada.
Hoje, todos continuamos, assim, sob a dominação de uma ditadura do capital. Acontece
apenas, que o regime neoliberal, transformou a exploração alheia numa
auto-exploração que afecta todas as classes, tornando impossível a revolução
social assente na distinção entre exploradores e explorados. Através do
isolamento do sujeito do rendimento,
explorador de si próprio, nunca se chega a formar um nós político com capacidade de acção comum.
Aquele que fracassa na sociedade neoliberal do rendimento responsabiliza-se a si próprio e
envergonha-se, em vez de pôr em questão a sociedade ou o sistema. É aqui que reside
a inteligência característica do regime neoliberal. Não permite que surja
resistência alguma frente ao sistema. No regime da exploração de outrem, pelo
contrário, é possível que os explorados se solidarizem e se levantem unidos
contra o explorador. No regime neoliberal da auto-exploração, cada um orienta a
agressão em direcção a si próprio. E, esta
auto-agressão transforma o explorado, não em revolucionário, mas em depressivo.
A psicopolítica neoliberal
descobre formas cada vez mais refinadas de exploração. Numerosos seminários e Workshops de management pessoal e de inteligência emocional, bem como jornadas
de coaching empresarial e de
liderança, prometem uma optimização pessoal e o aumento sem limites da eficácia.
Todos somos controlados pela técnica de dominação neoliberal, cujo fim não é só
explorar o tempo de trabalho, mas também a totalidade da pessoa, toda a sua
atenção e até mesmo a sua própria vida.
O imperativo neoliberal da
optimização pessoal serve unicamente o funcionamento perfeito no interior do
sistema. Bloqueamentos, fraquezas e erros têm de ser eliminados terapeuticamente a fim de aumentar a
eficácia do rendimento. Tudo se torna comparável e mensurável, tudo se submete
à lógica do mercado. Nunca é a preocupação com a vida boa que impele à optimização pessoal, mas apenas as coacções
sistémicas, a lógica do êxito mercantil quantificável.
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A técnica de poder do
regime neoliberal não é proibitiva ou repressiva, mas prospectiva, permissiva e
projectiva. O consumo não é reprimido, mas maximizado. Não se gera escassez mas
abundância, ou até mesmo excesso de positividade. Somos encorajados a comunicar
e a consumir. O princípio da negatividade, que é constitutivo do Estado vigilante de Orwell, cede lugar ao princípio
da positividade. As necessidades não são reprimidas mas estimuladas. Em vez de
confissões extraídas por meio de tortura, tem lugar uma exposição voluntária. O
smartphone substitui a câmara de
tortura. O Big Brother tem uma
aparência amável. A eficácia da sua vigilância
reside na sua amabilidade.
Os reclusos do pan-óptico
benthaniano eram isolados com intuitos disciplinares e não se lhes permitia que
falassem uns com os outros. Os residentes do pan-óptico digital, em contrapartida, comunicam intensamente uns
com os outros e expôem-se por sua própria iniciativa. Participam activamente na
construção do pan-óptico digital.
A sociedade de controlo digital do regime neoliberal procede a um uso
intensivo da liberdade que só é possível graças a uma exibição e uma exposição
própria, de carácter voluntário. O Big
Brother digital trespassa o seu
trabalho aos reclusos. A transmissão dos
dados não ocorre devido a coacção, mas por necessidade interior. Tal é a
eficácia do pan-óptico digital.
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O segredo, a estranheza, a
ponderação, o juízo ou a alteridade representam obstáculos para uma comunicação
ilimitada. Daí que sejam desarticulados em nome da transparência. A comunicação
acelera quando se nivela o terreno – ou seja, quando todas as barreiras, muros
e abismos são eliminados. Também as pessoas são desinteriorizadas, uma vez que a interioridade obstaculiza e
abranda a velocidade de comunicação. Trata-se de uma desinteriorização que não
tem lugar de maneira violenta. Tem lugar de forma voluntária.
Uma consequência adicional do dispositivo da transparência é uma conformidade total. Reprimir desvios é um traço constitutivo da economia da transparência. A rede e a comunicação totais têm já enquanto tais um efeito nivelador. Geram um efeito de conformidade, como se cada um vigiasse o outro, e isso anteriormente a qualquer vigilância e controlo por serviços secretos. Hoje, também a vigilância tem lugar sem vigilância. Como que por acção de moderadores invisíveis, a comunicação é nivelada e reduzida ao acordo geral, ao consenso. Esta vigilância primária, intrínseca, é muito mais problemática do que a secundária, da qual se encarregavam os serviços secretos.
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O neoliberalismo
transforma o cidadão em consumidor. A liberdade do cidadão cede ante a
passividade do consumidor. O votante, enquanto consumidor, não tem interesse
real pela política, pela configuração activa da comunidade. Não está disposto
nem capacitado para a acção política comum. Limita-se
a reagir de forma passiva à política, protestando e queixando-se, do mesmo
modo que o consumidor perante as mercadorias
e os serviços que lhe desagradam. Os políticos e os partidos também seguem esta
lógica do consumo. Têm de fornecer. É
assim que se degradam em fornecedores que têm de satisfazer os votantes
enquanto consumidores ou clientes.
A transparência que se exige
hoje dos políticos é tudo menos uma reivindicação política. Não se exige
transparência perante os processos políticos de decisão, cada vez mais
opacos, pelos quais nenhum consumidor se interessa. O imperativo da
transparência serve sobretudo para expor os políticos, para os desmascarar,
para os transformar em objecto de escândalo. Não se trata duma reivindicação de
um cidadão com iniciativa, mas de um espectador passivo. A participação tem
lugar sob a forma de reclamação e de queixa. A sociedade da transparência,
habitada por espectadores e consumidores, funda uma democracia de espectadores.
Byung-Chul Han, Psicopolítica, 2014
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