A procriação é a finalidade natural do casamento. "Natural" quer dizer que a Natureza a realiza por si, independentemente da consciência e dos desejos dos cônjuges. A Igreja não quer que você fique pensando em procriação cada vez que faz amor. Só quer que você não impeça a Natureza de fazer o seu trabalho. Acima da finalidade natural existe a finalidade humana, que a Igreja define como amor e ajuda mútua. E do amor faz parte inerente o desejo e — segundo Sto. Tomás — o direito que cada cônjuge tem de (expressão dele) "se deleitar no corpo do outro". Acima da finalidade humana há uma finalidade espiritual, que consiste em cada um ajudar na santificação do outro e na salvação da sua alma. Não é nenhum bicho-de-sete-cabeças, pois não?

Olavo de Carvalho


                                  A ERA DOS MASTURBADORES

Noticiando o sucesso de um filme recente sobre a invenção do vibrador eléctrico várias organizações feministas, secundadas pela grande media, defenderam, com candura admirável, que o referido utensílio “contribuiu para a independência sexual das mulheres”.

Ninguém em seu juízo perfeito porá em dúvida que o masturbador solitário, de ambos os sexos, com ou sem aparelhos, é fisicamente independente da presença de um parceiro. Isso, é assim — como direi? — por definição.

O que chama a atenção nessa declaração é que dá a essa obviedade banal a acepção positiva de um passo histórico em direcção à liberdade das mulheres, sem notar que, pelo mesmo raciocínio as bonecas insufláveis devem ter exercido idêntico influxo libertador sobre a parcela masculina da espécie humana.

 A perfeição da liberdade, nessa perspectiva, será alcançada quando homens e mulheres, separados e fechados nos seus respectivos quartos se entregarem às delícias da intimidade romântica com objectos industriais comprados em sex shops.

Nem vejo motivo para que tão paradisíaco estado de coisas não se estenda também aos homossexuais, de modo que as mulheres, que se livraram dos homens, se livrem também das outras mulheres, e os homens dos outros homens. Os encontros românticos serão combinados na seguinte base: “Eu não a procuro, você não me telefona, quem acordar primeiro volta a dormir e quem chegar primeiro vai embora.”

As feministas e os jornalistas podem jurar que foi apenas um lapsus linguae, uma frase infeliz. Pode ser; mas, o acto falhado freudiano que originou tal afirmação foi sem dúvida a confusão, hoje em dia endémica, entre sexo e sensação orgásmica.

A relação sexual, na plenitude do termo, só se perfaz no contacto entre a mucosa de um pénis e a de uma vagina no interior desta última. Acrescentando mais um elo a uma cadeia genética que vem desde o princípio dos tempos, esse acto transfigura dois seres humanos em agentes criadores na história da espécie biológica e traz consigo implicações bioquímicas — e, até, transcendentes — que lhe dão, literalmente, um sentido cósmico.

 As emoções profundas do acto sexual têm, aí, a sua raiz primeira, e amputadas dela reduzem-se a nada mais que um teatro mental, ora mais, ora menos sofisticado.

O orgasmo solitário é uma sensação subjectiva experimentada num corpo isolado, que na melhor das hipóteses pode imitar em fantasia as glórias da relação sexual plena, sem se aproximar delas senão no sentido em que um signo indica a coisa significada.

O mesmo se aplica, mutatis mutandis, a qualquer relação sexual que bloqueie propositadamente a possibilidade da reprodução.

 Eu seria o último a desejar fazer aqui um discurso moralista contra todas essas variações sexuais, mas, na estricta realidade dos factos, todas elas só são “sexo” em sentido figurado, subjectivo e lúdico, isolado artificialmente da realidade cosmo-biológica que lhe subjaz - assim como o gosto de um alimento pode ser imitado com perfeição por um simulacro sem função nutritiva.

Acontece que, na nossa época, a maioria das pessoas jovens só teve contacto íntimo com o sexo oposto por meio de uma película de látex concebida precisamente para reduzir o acto sexual à sua sensação subjectiva, isolando-o do seu substrato biológico e cósmico. É, por assim dizer, o sexo abstracto, selectivamente recortado para que os seus aspectos sociais e lúdicos prevaleçam sobre a realidade substantiva da condição sexuada.

No sexo assim vivenciado, a presença ou ausência de um parceiro torna- se mera conveniência de momento ou, na perspectiva das referidas feministas e dos media, uma casualidade irrelevante. Todas as relações sexuais se reduziram, no fim de contas, à masturbação, e o advento de gadgets que a facilitam torna-se uma compensação mais que suficiente para a falta de parceiros.

Quando Karl Kraus disse que “às vezes a mulher chega até a ser um substitutivo satisfatório da masturbação”, não imaginava que em poucas décadas a piada se transmutaria em realidade universal.

Mas o que são esses gadgets, em comparação com a internet? O grosso da circulação na rede é constituída por exibições erótico-pornográficas que dispensam o masturbador solitário até mesmo de qualquer esforço imaginativo. Os parceiros já não estão separados por uma película de látex, nem mesmo por uma diferença de cidade, mas por distâncias transcontinentais só transpostas por sinais electrónicos.

É natural que, nesse quadro, o senso da relação sexual concreta desapareça e a palavra “sexo” passe a significar qualquer coisa que facilite o acesso a sensações orgásmicas.

 Que semelhante processo venha acompanhado da infantilização das massas não é mera coincidência.

Estas confusões estão ligadas, evidentemente, ao sucesso das reivindicações feministas, gayzistas e similares. Muitas dessas reivindicações são justas. Como sabemos que o são? Sabemos disso porque temos princípios universais do bem e da justiça, que podem ser aplicados aos casos particulares, mesmo  que raros e excepcionais. Mas, quando esses princípios desaparecem do cenário cultural, e no seu lugar as exigências de grupos específicos assumem o papel de mandamentos universais, a desorientação das consciências segue-se necessariamente e instaura, em nome de pretextos parcialmente justos, a injustiça geral, que acaba por se tornar indiscernível da justiça autêntica.

 E, é então que as pessoas começam a pensar como as feministas, os gayzistas e os jornalistas da grande media.

 

OLAVO de CARVALHO

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