A
Providência e o Dever do Momento Presente
São Francisco de Sales
Para melhor perceber como devemos viver, no dia a dia, a confiança em
Deus e o abandono à sua Providência, convém estar muito atento ao dever do momento presente e à graça que
nos é oferecida para o podermos cumprir.
O dever de cada instante, sob aparências muitas vezes modestas, contém a expressão da vontade de Deus para connosco, para a nossa vida individual. Foi assim que a Santíssima Virgem viveu em união divina, cumprindo no dia a dia a vontade de Deus no dever quotidiano da sua vida muito simples, exteriormente muito comum, como a de todas as pessoas da sua condição. Assim viveram todos os santos, fazendo a vontade de Deus tal como se manifestava de hora a hora, sem se deixarem perturbar pelas contrariedades imprevistas. O seu segredo consistia em transformarem-se, a cada momento, naquilo que a acção divina queria fazer deles. Nessa acção, eles viam tudo o que tinham a fazer e a sofrer, todos os seus deveres e todas as suas cruzes. Estavam convencidos de que o acontecimento actual é um sinal de uma vontade ou de uma permissão de Deus para o bem daqueles que O procuram. Mesmo a visão do mal, pondo à prova a sua paciência, mostrava-lhes, por contraste, o que se deve fazer para evitar o pecado e as suas funestas consequências. Os santos viam, assim, na sequência dos acontecimentos, como que um ensinamento providencial, e acreditavam que, acima da sucessão dos factos exteriores da nossa vida, há como que uma série paralela de graças actuais, que nos são incessantemente oferecidas para nos fazer tirar, desses acontecimentos agradáveis ou desagradáveis, o melhor proveito espiritual. A sequência dos acontecimentos, se soubermos olhar bem, contém as “lições das coisas” de Deus, que são como que prolongamentos da Revelação ou como que o Evangelho aplicado, até ao fim dos tempos.
Em quase todos os domínios, distinguimos entre o ensinamento teórico
ou abstracto e o prático ou aplicado; o mesmo acontece na ordem
das coisas espirituais. Nestas, o próprio Nosso Senhor nos ministra esses dois
tipos de ensinamentos, o primeiro no Evangelho, e o segundo no decorrer das
nossas vidas.
Esta grande verdade da vida é muitas vezes ignorada. Quando nos sucedem
contrariedades e revezes, reagimos geralmente com queixas e murmurações. Pensamos
que esta doença nos atingiu justamente quando tínhamos tanta coisa para
fazer, que a falta de determinada coisa nos prejudica terrivelmente, que nos
são tirados os meios de que necessitávamos, que nos são colocados obstáculos
intransponíveis para realizar o bem e exercer o apostolado, como devíamos.
Os santos, em circunstâncias semelhantes e mesmo noutras piores, dizem:
Fazer, a cada momento, a
vontade de Deus é, no fundo, a única coisa necessária.
Nosso Senhor nunca ordena o impossível, mas há um dever que, a cada
momento, Ele torna realmente possível para cada um de nós, e para cujo
cumprimento solicita o nosso amor e a nossa generosidade.
Se um acontecimento doloroso for consequência
das nossas faltas, será uma lição providencial, que devemos receber com
humildade para dela podermos tirar proveito. Se, sem falta da nossa parte,
Nosso Senhor permite que sejamos privados de certos auxílios, é porque eles não
são realmente necessários à nossa santificação e à nossa salvação. Os santos
descobrem que, em certo sentido, nada lhes falta, a não ser um maior amor de
Deus. Se soubéssemos o que realmente são os acontecimentos a que chamamos
obstáculos, contrariedades, revezes, contratempos, desgraças, fracassos,
certamente nos censuraríamos pelas nossa murmurações, e ficaríamos mais
atentos ao bem superior que Deus tem em vista, em tudo o que Ele quer ou
apenas permite.
O que mais nos pode instruir é aquilo que nos acontece particularmente de momento a momento, segundo o que a Providência quis ou permitiu. Podemos encontrar aí a manifestação da vontade divina quanto a nós, para o momento presente. E é isso que forma em nós o conhecimento experimental da conduta de Deus a nosso respeito, conhecimento sem o qual não nos saberemos conduzir como devemos nas coisas espirituais, nem beneficiar profundamente os outros.
Na ordem das coisas
espirituais sobretudo, só sabemos bem aquilo que a experiência nos ensinou pelo
sofrimento ou pela acção. Nosso Senhor, que, desde o primeiro instante da sua
vinda ao mundo, tinha na Sua santa alma a visão beatífica e a ciência infusa,
quis ter também o conhecimento
experimental, que se adquire no dia a dia, e que faz ver as coisas, mesmo
as infalivelmente previstas, sob um aspecto especial, dado pelo contacto com o
real. Nós prevemos que determinado amigo muito querido, que está gravemente
doente, irá morrer em breve, mas a sua morte contém, se soubermos abrir bem os
olhos, um novo ensinamento que nos é destinado, pelo qual Deus, de alguma
forma, nos fala, à medida que o tempo passa. É essa a escola do Espírito Santo – a lição das coisas que nada têm de
livresco; e elas variam de alma para alma;
o que é útil para uma nem sempre é útil para outra.
Como diz o Pe. De Caussade (L´abandon
à la Providence): “A revelação do
momento presente é uma fonte de santidade sempre a jorrar… Vós todos que
tendes sede, sabei que não precisais de buscar longe a fonte de águas vivas; ela jorra muito perto de vós, no momento
presente.”
Os santos de cada época não precisam de copiar a vida nem os escritos
daqueles que os precederam, mas sim viver em perpétuo abandono às secretas
inspirações de Deus. Nisso eles imitam todos os seus predecessores, apesar da
diversidade das circunstâncias de cada época e de cada vida individual.
O momento presente, se soubéssemos ver a luz divina que ele contém,
recordar-nos-ia que tudo pode ser para nós meio, instrumento, ou pelo menos
ocasião de progresso espiritual no amor de Deus. Esse momento presente, segundo
a ordem querida pela Providência, tem relação com o nosso fim último, com a única coisa
necessária; assim, cada instante do tempo que passa tem uma relação com o único instante da
imóvel eternidade.
Se soubéssemos ver esta luz, não seria somente a hora da Missa, a da oração ou a da visita ao Santíssimo Sacramento que seriam santificadoras para nós, mas todas as horas do dia adquiririam um sentido sobrenatural, e nos lembrariam de que estamos a caminho da eternidade. Daí vem o bom costume de abençoar cada hora que começa ou de pedir para ela a bênção divina.
Em todos os instantes devemos estar na
ordem de Deus; não há nenhum momento do dia em que não tenhamos algum dever a
cumprir, dever para com Deus ou para com o próximo, quanto mais não seja um
dever de paciência, quando a acção exterior não é possível. A cada minuto
devemos santificar o nome de Deus, como se não houvesse outra coisa a esperar
no tempo, e como se no instante seguinte devêssemos entrar na eternidade.
Assim viveram os santos, não somente nas circunstâncias excepcionais, mas
durante o curso normal das suas vidas, sem perder, por assim dizer, a presença
de Deus. Ora, a sua conduta era orientada pelos princípios do Evangelho que se
dirigem tanto a eles como a nós.
São Paulo escrevia na primeira Epístola aos Coríntios: “Quer comais, quer
bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus” (1Cor
10,31). E também aos Colossenses: “ Tudo o que fizerdes, por palavras ou por
obras, fazei-o em nome do Senhor Jesus, por Ele dando graças a Deus Pai” (Cl
3,17).
O próprio Nosso Senhor disse, como relata São Mateus: “ A boca fala daquilo de que o coração está
cheio. O homem de bem tira boas coisas do seu bom tesouro. O mau, porém,
tira coisas más do seu mau tesouro. Eu
vos digo: no dia do juízo, os homens prestarão contas de toda a palavra vã que
tiverem proferido” (Mt 12,34-36).
São Tomás mostra-nos todo o sentido e o alcance desta doutrina, quando
ensina (I-II, q. 18, a 9) que não há
nenhum acto deliberado que, considerado concretamente “hic et nunc”, seja
moralmente indiferente; cada um dos nossos actos deliberados, ou é bom, ou
é mau. Porquê? Porque todo o acto deliberado de um ser racional deve ser
racional, isto é, ordenado a um fim bom e honesto; e todo o acto deliberado de
um cristão deve ser ordenado, pelo menos
virtualmente, a Deus. Se assim for, esse acto é bom; se não for assim, é
mau. Não há meio termo. Mesmo as nossas recreações, os nossos divertimentos, os
nossos passeios devem ter um fim honesto. O facto de se ir passear, considerado
abstractamente, é certamente indiferente. Pode ser também indiferente se vamos
passear aqui ou ali; mas esse passeio deve ter um objectivo racional, por
exemplo, restaurar, renovar as nossas forças, para retomar-mos de seguida o
trabalho que devemos realizar. Deste modo, mesmo os nossos divertimentos
adquirem um sentido moral e um valor na vida de um ser racional.
Assim, todos os nossos actos deliberados se dirigem, ou para o bem, e
finalmente para Deus, ou para o mal. Nenhum desses actos, considerado na
realidade concreta da vida, é indiferente.
Trata-se duma doutrina muito consoladora, pois significa que, na vida do justo, todo o acto deliberado que
não seja pecado, é ao mesmo tempo moralmente bom e meritório, seja ele
fácil ou difícil, pequeno ou grande.
Esta doutrina é também muito santificadora, se a entendermos bem e se a
vivermos. Pois ela leva-nos a pensar que tudo
que Deus faz a cada momento é bem feito, e é um sinal da Sua vontade. Assim
Jó, privado de tudo, viu nessa privação a vontade de Deus, que o punha à prova
para o santificar, e ao invés de maldizer aqueles momentos tão dolorosos, ele
bendisse o nome do Senhor. Aprendamos, pois, a reconhecer, no que nos acontece a
cada instante, a vontade divina sempre ordenada a um bem superior. Assim,
aconteça o que acontecer, conservaremos a paz.
São Francisco de Sales resumiu toda esta doutrina nestas poucas palavras:
“Cada momento chega até nós
carregado com uma ordem de Deus, e irá mergulhar na eternidade permanecendo
para sempre aquilo que nós tivermos feito dele”.
Esta visão, quase constante, da vontade divina manifestada pelo dever do
momento presente, decorre sobretudo do dom
da Sabedoria, que de alguma forma nos faz ver em Deus, causa primeira e último
fim, todos os acontecimentos, sejam agradáveis ou desagradáveis. Por isso esse
dom corresponde, segundo Santo Agostinho, à bem-aventurança
dos pacíficos, isto é, daqueles que conservam a paz ali onde tantos se
perturbam, e que muitas vezes transmitem a paz aos mais perturbados: Beati pacifici, quia filii Dei vocabuntur.
O dever que precisamos de cumprir a cada hora, é como dizíamos, um sinal
da vontade de Deus para connosco em particular, hic
et nunc, e contém assim uma luz prática muito santificadora, que é a do
Evangelho aplicado às diversas circunstâncias da nossa vida; como tal, cada
momento é uma verdadeira “lição das coisas de Deus”
Se, a exemplo dos santos, soubéssemos considerar assim cada momento,
veríamos que cada um deles contém não só um dever a cumprir, como uma graça
para que sejamos fiéis a esse dever.
Com efeito, à medida que novas circunstâncias se nos apresentam com as
obrigações que comportam, novas graças
actuais são-nos oferecidas para que possamos tirar dessas circunstâncias o
melhor proveito espiritual. Acima da sequência de factos exteriores da nossa
vida, há a série paralela das graças actuais que nos são oferecidas, assim como
o ar chega paulatinamente ao nosso peito para nos permitir respirar.
A sequência dessas graças actuais, recebidas com fruto ou, pelo
contrário, negligenciadas por cada um de nós, constitui a história individual da nossa alma, tal como é escrita por Deus no
livro da vida e tal como a veremos um dia. É assim que Nosso Senhor continua a
viver no seu Corpo Místico; sobretudo
nos seus santos, onde Ele continua uma vida que não terminará nunca, vida que
composta a todo graças sempre novas e novas operações.
Nosso Senhor disse: “Eu rogarei ao
Pai, e Ele vos dará um outro Paráclito, para que fique sempre convosco. É o
Espírito da Verdade, que o mundo não pode receber, porque não O vê nem O
conhece; mas vós O conheceis, porque permanece convosco…Ele vos ensinará todas as coisas e vos recordará tudo o que Eu vos
disse” (Jo 14,16-17,26). Portanto, o Espírito Santo ensina todas as coisas,
no dia a dia, àqueles que querem escutá-Lo, e inscreve a lei de Deus nas almas
juntamente com a graça, seja imediatamente, seja pela pregação do Evangelho.
Deus é como um oceano que carrega aqueles que se entregam a Ele com
confiança, e que fazem o que está ao seu alcance para seguir as suas inspirações,
como um navio dócil aos ventos favoráveis. Nesse sentido Nosso Senhor dizia: “O vento sopra onde quer, e ouves o seu
ruído, mas não sabes de onde vem. Nem para onde vai. Assim acontece com todo
aquele que nasceu do Espírito” (Jo 3,8).
Como tudo isto é grande! Enquanto o minuto presente se escoa,
lembremo-nos que, o que existe, não é somente o nosso corpo, a nossa
sensibilidade dolorosamente ou agradavelmente impressionada, mas também a nossa
alma espiritual e imortal, a graça actual que recebemos, o Cristo que nos
influencia, a Santíssima Trindade que habita em nós. Então saberemos entrever a
infinita riqueza do momento presente, e a sua relação com o instante imutável
da eternidade em que iremos entrar. Não nos contetemos em ver o minuto presente
na linha horizontal do tempo, entre um passado que já não existe e um futuro
temporal incerto; vejamos sobretudo esse minuto presente na linha vertical que o liga ao único instante da imóvel
eternidade. Aconteça o que acontecer, digamos: neste momento Deus é, e quer-me atrair a Si.
Sejamos assim santamente atentos à graça actual que, de minuto a minuto,
nos é oferecida para cumprimento do dever presente. Veremos, assim, cada vez
melhor, o que deve ser a nossa fidelidade nas pequenas coisas como nas grandes.
Várias vezes se observou, em muitas almas que se entregam sinceramente a
Deus, que fizeram esforços generosos e mesmo heróicos para Lhe provarem o seu
amor, chega um momento crítico, em que elas devem abandonar uma maneira excessivamente pessoal de julgar e de agir,
ainda que elevada, para entrar no caminho da verdadeira humildade, na via da
“pequena humildade”, que se ignora a si mesma, para já não ver senão Deus.
Nesse momento podem acontecer duas coisas bem diferentes: ou a alma vê
por si mesma o caminho a tomar, e segue-o, ou então não o vê, e por vezes
extravia-se na sua ascensão, a ponto de tomar um caminho descendente, sem disso
se dar conta.
Ver esse caminho da verdadeira humildade é descobrir, na vida diária,
desde manhã até à noite, ocasiões de realizar, por amor de Deus, actos aparentemente muito pequenos, mas
cuja repetição incessante é das mais preciosas e conduz a essa delicadeza para
com Deus e para com o próximo que, quando é constante e profundamente sincera,
constitui a marca perfeita da caridade.
Os actos que são então pedidos à alma são muito simples, e passam
despercebidos; neles não há nenhuma brecha para o amor próprio; somente Deus os
vê, e a alma tem mesmo a impressão de não Lhe estar a oferecer nada. Mas, esses
actos, diz São Tomás (II – II, q. 24 a 6,2), são como gotas de água que caem
sempre no mesmo lugar, e que, com o tempo, acabam por furar a pedra. E é assim
que realmente se faz, pouco a pouco, a
assimilação das graças recebidas. Assim as graças penetram na alma e em todas
as suas faculdades, elevando-as, e pouco a pouco tudo se ajusta adequadamente,
do ponto de vista sobrenatural. Sem essa fidelidade nas pequenas coisas em
espírito de fé, de amor, de humildade, de paciência e de mansidão, não acontece
a penetração da vida activa, isto é,
da vida de todos os dias, pela vida
contemplativa. Esta permanece como que no cimo da inteligência, onde é mais especulativa do que contemplativa, e não
penetra a nossa existência, a nossa maneira de viver, permanecendo quase
estéril, quando deveria ser cada dia mais fecunda.
Isto é de capital importância. São Francisco de Sales falou muitas vezes
a este respeito:
“Não se apresentam com frequência ocasiões de praticar a fortaleza, a magnanimidade, a magnificência. Mas a mansidão, a temperança, a honestidade e a humildade são virtudes seguras das quais todas as acções da nossa vida devem estar impregnadas. Há virtudes mais excelentes que estas; mas o uso destas é mais requisitado. Por isso, é preciso ter sempre uma boa provisão disponível destas virtudes genéricas, porque precisamos de nos servir delas quase o tempo todo”... Entre os exercícios das virtudes, devemos preferir aquele que é mais conforme ao nosso dever, e não aquele que é mais conforme ao nosso gosto… Cada um deve dedicar-se particularmente àquelas que são mais necessárias ao género de vida ao qual foi chamado… O Rei da Glória não recompensa os seus servidores segundo a dignidade dos ofícios que exercem, mas segundo o amor e a humildade com que o exercem… Entre as virtudes que não dizem respeito ao nosso dever particular, é preciso preferir as mais excelentes, e não as mais aparentes. A pessoa vulgar prefere geralmente a esmola temporal à espiritual, e as mortificações do corpo à mansidão, à modéstia e outras mortificações do coração que, no entanto, são bem mais excelentes.” (Introdução à Vida Devota).
E São Tomás diz a mesma coisa de outra maneira, quando nos ensina, como
vimos, que não há na realidade concreta da nossa vida um único acto deliberado
que seja, hic et nunc, moralmente
indiferente (II-II,q. 18, a. 9.). Todos os actos deliberados de um ser racional
devem ser racionais, ter um fim honesto, e todos os actos de um cristão devem
estar, pelo menos virtualmente, ordenados a Deus, amado acima de tudo. Isto mostrar
a importância dos múltiplos actos que devemos realizar cada dia: eles talvez
sejam muito pequenos em si mesmos, mas são grandes pela sua relação com Deus e
pelo espírito de fé, de amor, de humildade, de longanimidade com que os devemos
realizar e oferecer a Deus.
O momento crítico de que falámos marca uma guinada difícil na vida
espiritual de muitas almas que estiveram bastante adiantadas, e que correm o
risco de retroceder.
Lá chegando, se alma que já se mostrou generosa e mesmo heróica, mas com
um modo ainda excessivamente pessoal de julgar e de agir, não percebe que é
preciso mudar, ela continuará a avançar devido apenas á velocidade já
adquirida, mas a sua oração e a sua acção já não serão aquilo que devem ser. Há
aí um real perigo. Essa alma pode tornar-se para sempre uma alma atrasada, o
seu desenvolvimento pode cessar, ou, então pode tomar uma direcção equivocada. Em
lugar da humildade verdadeira, pode desenvolver-se nela uma espécie de orgulho
refinado, e infelizmente quase inconsciente, que inicialmente não transparece
senão nos pormenores da vida diária, e que, por essa razão, é ignorado. Esse orgulho
toma rapidamente a forma duma certa desenvoltura irónica , tornando-se em
seguida uma amargura que esteriliza tudo ao espalhar-se por toda a vida
quotidiana e nas relações com o próximo. Essa amargura pode tornar-se rancor e
desprezo pelo próximo que se deveria amar por amor a Deus.
Para remediar este mal é preciso tornar a alma muito atenta às graças do
momento, e à fidelidade nas pequenas coisas.
Como diz o ditado: “Age quod agis”.
Então, se fizermos realmente o possível para ser fiéis a Nosso senhor no dia a
dia e nas pequenas coisas, Ele dar-nos-á certamente forças para se Lhe sermos
fiéis também nas circunstâncias difíceis e muito dolorosas, caso permita que a
elas sejamos submetidos. Assim se cumprirá apalavra do Evangelho: “A cada dia o seu cuidado” (Mt 6, 34). “Aquele que é fiel nas pequena coisas,
sê-lo-á também nas grandes” (Lc 16,10).
in, A Providência e a Confiança em Deus, Reginald Garrigou- Lagrange
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