A sabedoria é uma visão de conjunto sobre todas as coisas; todo o mundo está de acordo quanto a isto. Mas, depois, quantas divergências! – Pode-se ver todas as coisas a partir do alto, crer que todas procedem de um Amor, ou que são, pelo menos, permitidas por Ele e que concorrem para o Bem supremo. E, pelo contrário pode-se ver todas as coisas a partir de baixo, crer que todas provêm duma fatalidade material e cega, sem nenhuma finalidade. – Outra divergência: há uma sabedoria falsamente optimista que fecha os olhos à existência do mal, e há uma sabedoria pessimista e desencorajadora que não vê o bem em parte nenhuma.

São Paulo fala muitas vezes da sabedoria deste mundo, que é, segundo ele, tolice ou loucura aos olhos de Deus (1Cor 3,19). O que é próprio da sabedoria deste mundo é ver todas as coisas a partir de baixo. Ela avalia toda a vida humana pelo prazer terreno que ela proporciona, pelos interesses materiais a defender, pelas satisfações que nela encontram a nossa ambição e o nosso orgulho.

Colocar-se neste ponto de vista, para tudo julgar, é fazer de si mesmo o centro de tudo, e inconscientemente adorar-se a si mesmo, negar Deus na prática e considerar os outros como se não existissem, por assim dizer.

Se o mundano se sente demasiado fraco para desempenhar um tal papel, ele, passa a assumir, como regra dos seus julgamentos, a opinião do mundo, da qual se faz escravo para obter os seus favores. Ora, a opinião do mundo faz geralmente consistir a sabedoria da vida, não num justo meio-termo entre vícios contrários, mas numa morna mediocridade entre o verdadeiro bem e o mal mais grosseiro ou perverso. Aos olhos do mundo, a perfeição da vida cristã é um excesso, tal como a impiedade absoluta no extremo oposto. “Nada de extremismos", dizem-nos, "nada de excessos". Chega-se assim a considerar como bem o medíocre, que não é senão um intermediário  instável e confuso entre o bem e o mal. Esquece-se o sentido dos conceitos que se atribuem habitualmente às crianças e que até elas entendem: excelente, bom, regular, medíocre, mau e muito mau. Perde-se de vista a distância  que separa o medíocre do bom, confundindo-os um com o outro, ficando-se sempre pelo meio do caminho ao invés de progredir. Acaba-se, assim por considerar como “caridade”, a tolerância, por vezes culposa, dos mais graves males. Com o nome de “tolerância” e de “prudente moderação” essa “sabedoria carnal” é tão indulgente para o vício como indiferente em relação á virtude.

Mas, ela é particularmente severa para com aquilo que a ultrapassa e lhe soa a uma reprovação da sua mediocridade; ela chega mesmo, às vezes, a ter ódio pela virtude eminente, que é a santidade.

Essa sabedoria do mundo, que se compraz em si mesma, é, como diz São Paulo, “loucura aos olhos de Deus” (1Core 3,19). Porque se compraz em si mesma, ela julga tudo, mesmo as coisas mais sublimes, mesmo a salvação, pelo que há de mais medíocre e vão. Ela inverte completamente a escala de valores, e merce o nome de loucura.

Isto mostra-nos que a verdadeira sabedoria é uma visão superior das coisas que as considera como dependentes de Deus, sua Causa suprema, e como ordenadas a Deus, seu Fim último; enquanto a loucura, oposta à sabedoria, é o julgamento do insensato que considera todas as coisas do ponto de vista mais inferior, reduzindo-as ao que há de mais ínfimo, a uma fatalidade material e cega, ou ao prazer passageiro da vida. É o que leva Nosso Senhor a dizer: “De que vale ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?” (Mc 8,36). E São Paulo: “Se alguém quer tornar-se realmente sábio, torne-se louco aos olhos do mundo, pois a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus. Com efeito está escrito: Ele apanha os sábios em sua própria astúcia. E ainda: O Senhor conhece os raciocínios dos sábios, e sabe que são vãos. Portanto que ninguém procure nos homens motivo de orgulho” (1 Cor 3,18-21).

in, A Providência e a Confiança em Deus, Reginald Garrigou-Lagrange

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