Segundo Maris, a força motriz do capitalismo é a pulsão da morte, colocada ao serviço do crescimento económico. Mas, o que produzirá esse ímpeto de crescimento irracional que torna o capitalismo tão destrutivo. O que impulsiona o capitalismo para a acumulação cega? É aqui que surge a questão da morte. O capitalismo assenta na negação da morte. Acumula-se capital face à morte encarada como a perda absoluta (extinção absoluta).
A acumulação de capital equivale a um aumento de poder. Mais capital significa menos sofrimento e menos morte. Acumula-se capital para escapar à morte. O capital também pode ser interpretado como tempo coagulado. O capital infinito cria a ilusão do tempo infinito. Tempo é dinheiro. Tendo em vista o tempo de vida limitado, acumula-se o tempo do capital.
A actual sociedade competitiva faz o tempo refém. Acorrenta-o ao trabalho. A pressão no sentido do desempenho cria uma pressão de aceleração.
Mas, o trabalho enquanto tal não é necessariamente destrutivo. Pode, como dizia Heidegger, conduzir a um "cansaço duro, mas saudável". Porém, mesmo quando, na realidade, não se trabalha muito, a pressão no sentido do desempenho cria uma pressão psíquica capaz de queimar a alma. O burnout não é uma doença provocada pelo trabalho, mas pelo desempenho, este novo princípio neoliberal, que faz adoecer a alma.
O capitalismo está obcecado com a morte. É o medo inconsciente da morte que o impulsiona. A sua compulsão para acumular e crescer surge perante a ameaça de morte; mas esta pulsão produz catástrofes não só sociais e ecológicas, mas também mentais.
A compulsão destrutiva para optimizar o desempenho faz coincidir a auto-afirmação com a auto-destruição. Os indivíduos optimizam-se até à morte. A auto-exploração implacável conduz ao colapso mental.
A competição brutal tem um efeito destrutivo: cria uma frieza de sentimentos e uma indiferença para com os outros que são acompanhados pela frieza e indiferença para consigo mesmo.
Nas sociedades capitalistas, os mortos e os moribundos são cada vez menos visíveis. A separação entre a vida e a morte, característica da economia capitalista, produz a vida morta-viva, a morte em vida. O capitalismo gera uma pulsão de morte paradoxal, porque priva a vida de vida.
É mortal a sua busca de uma vida sem morte.
Os zombies do desempenho, do fitness e do botox são fenómenos da vida morta-viva. Os mortos-vivos não têm vitalidade. Só é verdadeiramente viva a vida que incorpora a morte. A histeria da saúde é a manifestação biopolítica do próprio capital.
Na sua busca de uma vida sem morte , o capitalismo cria necrópoles, espaços anticépticos da morte, purificados dos ruídos e odores humanos. Os processos da vida são, assim, transformados em processos mecânicos. A adaptação total da vida à função e ao desempenho, já é uma cultura da morte. O princípio do desempenho aproxima o homem da máquina e aliena-o de si mesmo.
O dataísmo (a crença de que a cumulação de dados vai aumentar o conhecimento) e a inteligência artificial reificam (coisificam) o próprio pensamento, que se torna mero cálculo. As recordações vivas são substituídas pela memória da máquina. As torres dos servidores são um local de morte. Enterramo-nos vivos para sobrevivermos. Na esperança de sobreviver, acumulamos o valor morto, o capital. O capital morto destrói o mundo vivo. Nisso consiste a pulsão de morte do capital.
Uma necrofilia que converte a vida em coisas sem vida domina o capitalismo. Uma dialéctica fatídica da sobrevivência transforma a vida, em vida de mortos-vivos.
O mundo torna-se uma soma de artefactos inanimados; dos alimentos sintécticos aos órgãos sintécticos, o ser humano, como um todo, torna-se parte da maquinaria total, que ele controla e que, ao mesmo tempo, o controla.
A grande aspiração é a produção de robôs, considerada uma das maiores conquistas da mente técnica; e, os especialistas, asseguram-nos que o robô será pouco diferente dos seres vivos. O que até não surpreende quando os próprios seres humanos já mal se distinguem dum robô.
O mundo da vida tornou-se um mundo do "não-vivo"; os seres humanos transformaram-se em "não humanos" - um mundo de morte.
Capitalismo e Pulsão de Morte, Byung-Chul Han
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