No que diz respeito às criaturas racionais, a economia da Divina Providência não é menos absoluta, mas é administrada de uma forma diferente. O homem alcança o seu fim seguindo a razão; Deus faz a sua parte, aplicando a justiça e a misericórdia. A justiça de Deus significa que nos será dado o que necessitamos para atingir o nosso fim; a misericórdia de Deus significa que nos será dada uma segunda oportunidade se falharmos.

A Divina Providência é um corolário lógico da finalidade, porque, como diz São Tomás, “todas as coisas que existem de qualquer maneira são necessariamente dirigidas por Deus para algum fim”. Isso mesmo é exigido pelo princípio da finalidade, que afirma que todo agente age para algum fim e o agente supremo para o fim supremo conhecido por Ele, ao qual Ele subordina tudo o resto.

No universo unitarista inventado por Newton, Deus foi separado da sua criação porque não houve Encarnação (Newton, não acreditava na Santíssima Trindade e defendia a existência de um Deus unitário, semelhante ao dos muçulmanos, que criou o universo e depois o abandonou à sua sorte). 

Deus, segundo Newton, governa o universo tal como Guilherme de Orange governava a Inglaterra: como um estrangeiro colocado no trono, não devido a um movimento natural, ou seja, por direito de herança, mas pela força, ou, como diriam os aristotélicos, por “movimento violento”. 

O Deus do Universo Newtoniano, como o usurpador holandês que subiu ao trono durante a Revolução Gloriosa, a qual colocou os oligarcas Whig no poder, governa o universo pela sua vontade arbitrária. Ele poderia ter decidido que o mau fosse bom e o bom mau se assim o tivesse desejado. Ele não tem obrigações para com os seres que criou; eles estão por sua conta, deixados sós a resolverem quaisquer disputas sobre a atribuição dos recursos escassos, através dum  “conflito competitivo", ou seja, dum sistema económico que  incorporasse as virtudes inglesas da luta e da competição - o capitalismo.

A ideia de finalidade é incompatível com esta ideologia inglesa ou com  o universo que Newton criou a partir dela. O conceito newtoniano de inércia (ou de competição, especialmente como depois foi refinado por Darwin) é radicalmente incoerente porque:

“Se não houvesse finalidade na natureza, se nenhum agente natural agisse para algum fim, não haveria razão para que o olho visse e não ouvisse ou sentisse não haveria razão para que as asas do pássaro fossem para voar e não para andar ou nadar, não haveria razão para o intelecto saber em vez de desejar. Tudo seria, então, sem finalidade, e o universo seria ininteligível."(Garrigou-Lagrange)

Por outro lado, um universo indiferente aos desejos do homem (ou  contrariando-os activamente através da competição) põe em questão a bondade de Deus e a Sua Providência, o que Newton faz ao negar a Encarnação.

 Mas a ideia de finalidade expressa na providência encontra-se em passagens das próprias Escrituras, como Mateus 6,25, que afirma que, se a causalidade de Deus se estende até às criaturas mais insignificantes, ou seja, aos pardais, aplicar-se-á  também certamente ao homem, que é o pináculo da criação.

O universo que os Evangelhos descrevem é, pois, totalmente incompatível com o que Newton inventou segundo os princípios da alquimia, o qual foi depois desenvolvido em termos económicos por Smith e em termos biológicos por Darwin. Todos eles acreditavam ser a competição  o princípio fundamental do universo.

Como salienta Garrigou-Lagrange, um universo em que o acaso é a norma, como o universo darwiniano baseado na mutação aleatória, é um universo baseado na auto-contradição.

Isto leva-nos directamente à falsidade que está no cerne da ideologia inglesa. Os defensores do empirismo britânico afirmam, com Newton, que são absolutamente neutros e estão apenas a seguir "a Ciência”, mas ao mesmo tempo introduzem princípios ocultos nos seus sistemas. Subvertem a noção de essência; promovem a destruição da noção de substância, erradicam qualquer finalidade do universo; e depois, no último momento, em vez de aceitarem as consequências do que fizeram, introduzem um deus ex machina matemático ou uma “lei” científica que salva o universo do caos, consequência natural da subversão que fizeram, e reintroduzem uma ordem que é totalmente artificial (ou criada ad hoc) a qual mais não é do que uma projecção do status quo económico inglês - que começou com o roubo, pelos oligarcas ingleses, da propriedade dos mosteiro e do povo durante a “Reforma” protestante e se destina a perpectuar essa situação - no universo.

O denominador comum das várias projecções da ideologia inglesa que Newton, Smith, Malthus e Darwin partilham é o capitalismo - a versão económica da competição, que, segundo eles, é o princípio fundamental do universo.

Confrontado com queixas cada vez mais estridentes vindas do continente, que o acusavam de introduzir forças ocultas no seu sistema, Newton respondeu declarando apodícticamente: “hypotheses non fingo”. Os proponentes subsequentes da ideologia inglesa utilizariam o mesmo truque rectórico, afirmando que a “ciência” lhes permitia ver a natureza tal como ela era na realidade, sem qualquer estrutura conceptual interveniente. Na realidade, os defensores da ideologia inglesa não estavam a fazer mais do que projectar a sua própria cultura naquilo que precisava de ser explicado.

É precisamente esta a acusação que Mirowski faz, quando afirma que os físicos (e isto aplica-se certamente a Newton, bem como aos economistas que o imitaram) eram culpados de “reconceptualizar o universo à imagem do seu eu social e somático”.

Comentários

Mensagens populares deste blogue