Os Branqueadores de Crimes

 "Ser contra o aborto e a eutanásia não é ser de extrema direita, é ter uma opinião" 

Sebastião Bugalho

- Ó Sebastião, matar ou não matar o bebé, é uma questão de opinião?!


             Lenine dizia que, quando se tira ao adversário a vontade de lutar, já se venceu a guerra. Hoje, esta verdade ainda é válida mas, controlar a opinião pública tornou-se bem mais decisivo do que alcançar vitórias no campo militar. A regra leninista converteu-se na técnica da “espiral do silêncio”: agora trata-se de extinguir, na alma do inimigo, não só a sua disposição para a luta, mas também a sua vontade de argumentar em defesa própria e o mero impulso de dizer umas tímidas palavrinhas contra o agressor.

             O modo de alcançar esse objectivo implica o domínio de meios poderosos, mas é simples na sua essência: trata-se de atacar o adversário por tantos lados, com tantos e diversos meios de comunicação, com tamanha variedade de alegações contraditórias - com frequência propositadamente absurdas e ridículas - de tal modo que ele, sentindo a inviabilidade de um debate limpo, acabe por preferir recolher-se ao silêncio.

                Nesse momento a vítima torna-se politicamente defunta. O mal venceu mais uma batalha.

                A técnica foi experimentada pela primeira vez no século XVIII. Foi tão pesada a carga de aldrabices, chacotas, lendas urbanas e arremedos de pesquisa histórico-filológica que se lançou sobre a Igreja Católica que os padres e teólogos acabaram por achar que não valia a pena defender uma instituição venerável e milenar contra alegações tão baixas e maliciosas. Resultado: perderam a briga.

              O contraste entre a virulência, a baixeza, a ubiquidade da propaganda anticatólica e a míngua, a timidez dos discursos de defesa ou contra-ataque, marcou a imagem da época, até hoje, com a fisionomia triunfante dos iluministas e revolucionários. Pior ainda: recobriu-os com a aura de uma superioridade intelectual que, de todo, não possuíam.

              A Igreja continuou ensinando, curando as almas, amparando os pobres, socorrendo os doentes, produzindo santos e mártires, mas foi como se nada disso tivesse acontecido.

            Para se ter uma ideia do poder entorpecente da “espiral do silêncio”, basta notar que, durante aquele período, uma só organização católica, a Companhia de Jesus, fez mais contribuições para a ciência do que todos os seus detractores materialistas somados, mas foram estes que entraram para a história — e lá estão, ainda hoje — como paladinos da razão científica em luta contra o obscurantismo (se esta afirmação lhe parece estranha ou — como se diz hoje — “polémica”, é porque continua a acreditar em professores semianalfabetos e jornalistas semialfabetizados. Em vez disso, deveria ler John W. O’Malley e Mordecai Feingold.).

              Só quase um século depois desses acontecimentos Alexis de Tocqueville descobriu por que a Igreja perdera uma guerra que tinha tudo para vencer. Deve-se a ele a primeira formulação da teoria da “espiral do silêncio”, que, numa extensa pesquisa sobre o comportamento da opinião pública na Alemanha, Elizabeth Noëlle-Neumann veio, mais tarde, a confirmar integralmente em The Spiral of Silence: Public Opinion, Our Social Skin.

             Calar-se perante um agressor desonesto é uma actitude tão suicida como tentar rebater as suas acusações em termos “elevados”, conferindo ao atacante uma dignidade que ele não tem. As duas coisas atiram o agredido directamente para a voragem da “espiral do silêncio” e são entendidas, pelo adversário, como uma confissão de derrota.

          Não se pode parar um assalto à mão armada recusando-se a reagir contra o assaltante ou fazendo-lhe ver, educadamente, que o Código Penal proíbe o que está a fazer.

              A única reacção eficaz contra a espiral do silêncio é quebrá-la — e, isso não se pode fazer sem quebrar, com ela, a imagem de respeitabilidade dos que a fabricaram. 

Não é possível desmascarar uma falsa respeitabilidade, respeitosamente!

              É inútil, denunciar a malícia, a trapaça, a mentira e o crime, sem ultrapassar as fronteiras do mero “debate de ideias” educado e cordato! Quem mente e comete crimes não são as ideias: são pessoas.

              Cristo, é verdade, mandou odiar o pecado e não o pecador. Mas referia-se ao sentimento, à motivação íntima, não à brandura ou dureza dos actos e das palavras expressas. Ele nunca disse que é possível reprimir o pecado sem magoar, contrariar e, nos casos mais obstinados, humilhar e castigar o pecador. 

Quando expulsou os comerciantes do templo, chicoteou os “pecados” ou o corpo dos pecadores? 

Quando chamava aos judeus “raça de víboras”, dirigia-se a noções abstractas, no ar, ou a ouvidos humanos que sentiam a dor da humilhação? 

Quando disse que os molestadores de crianças deveriam ser lançados ao mar com uma pedra ao pescoço, referia-se ao pescoço do pecado ou ao do pecador?

              Nada favorece mais o império do mal do que o medo de enveredar pelo “ataque pessoal” quando este é absolutamente necessário. 

Aristóteles ensinava que não se pode debater com quem não reconhece — ou não segue — as regras da procura da verdade. Os que querem manter um “diálogo elevado” com mentirosos e criminosos tornam-se branqueadores dos seus crimes.

                (A partir de vários textos de Olavo de Carvalho)

Comentários

Mensagens populares deste blogue