A ideia de modernização baseia-se na ideia de progresso. Quando usamos o termo “modernização”, queremos certamente dizer progresso, acumulação linear e um determinado processo contínuo. Quando falamos de “modernização”, pressupomos desenvolvimento, crescimento, evolução. Trata-se do mesmo sistema semântico. Assim, quando referimos “as conquistas inquestionavelmente positivas da modernidade”, estamos a concordar com um paradigma básico muito importante – o de que “a sociedade humana está a desenvolver-se, progredir, evoluir, crescer, a ficar cada vez melhor. O que quer dizer que partilhamos uma determinada visão da História – a do Optimismo Histórico.

Este optimismo histórico é comum às três ideologias políticas clássicas (liberalismo, comunismo e fascismo). Está entranhado na mundivisão científica, política e social, nas humanidades e ciências naturais do Iluminismo e do século XIX, quando as ideias de progresso, desenvolvimento e crescimento se tornaram axiomas, dos quais não se pode duvidar. Por outras palavras, todo o conjunto destes axiomas, bem como toda a historiografia e análises preditivas do século XIX, tanto nas humanidades como nas ciências naturais, foram construídos com base na ideia de progresso. É possível traçar o desenvolvimento da ideia de progresso naquelas três ideologias políticas.

Olhemos, um pouco, para o liberalismo clássico do sociologista Herbert Spencer. Ele defendia que o desenvolvimento da sociedade humana seria o próximo estádio da evolução das espécies animais e que existe uma conexão e uma continuidade entre o mundo animal e o desenvolvimento social. E, como tal, todas as leis do mundo animal que conduziriam ao desenvolvimento, melhoramento e evolução no reino animal, dentro do quadro estabelecido por Darwin, seriam passíveis de serem aplicadas às sociedades humanas. Esta é a base da famosa teoria d o “Darwinismo Social”, da qual Spencer foi o representante clássico. Se, de acordo com Darwin, a principal força condutora da evolução do reino animal é a luta pela sobrevivência e a selecção natural, então, argumentava Spencer, o mesmo processo deve ocorrer na sociedade,. E, quanto mais perfeita fosse essa luta pela sobrevivência (entre as espécies, dentro das espécies, a luta dos fortes contra os fracos, a competição pelos recursos e pelo prazer), mais perfeitas se tornariam as nossas sociedades. A questão seria, pois, como coadjuvar este processo de selecção. Segundo Spencer este seria o tema central do modelo liberal e o significado do “progresso social”. 

Ou seja, se formos liberais, de uma maneira ou de outra, herdámos inevitavelmente esta abordagem “zoológica” do desenvolvimento social baseado na luta contra - e na destruição dos – fracos pelos fortes.

No entanto, a teoria de Spencer contem mais um ponto importante. Ele argumenta que existem duas fases do desenvolvimento social. A primeira fase ocorre quando a luta pela sobrevivência é conduzida à bruta, pela força e teria ocorrido no mundo antigo. A segunda ocorre quando a luta adquire uma forma mais subtil através do uso de meios económicos. Mesmo depois de ter tido lugar a revolução burguesa a luta pela sobrevivência não pára. De acordo com Spencer, apenas adquire uma nova forma mais avançada e eficiente transferindo-se para a esfera do mercado. Aqui só os mais fortes sobrevivem – ou seja, os mais ricos. Em vez dum senhor feudal todo-poderoso, dum herói, dum caracter forte ou dum líder, que fica com tudo que há para apanhar na sua comunidade, noutras nações ou noutras raças, partilhando-o apenas com a sua classe dirigente ou casta, temos agora o capitalista, que transporta o mesmo princípio de agressividade animal para o mercado, para a empresa, para a multinacional. A transição da ordem do poder para a ordem do dinheiro, segundo Spencer, não significa uma humanização do processo, mas apenas uma sua maior eficiência. Ou seja, a luta na esfera do mercado entre os mais fortes (os ricos) e os mais fracos (os pobres) torna-se mais eficiente e leva a níveis mais altos de desenvolvimento até que os super fortes (super-ricos) surjam.

 O progresso, segundo Spencer e, de modo mais lato, segundo o liberalismo, significa sempre o aumento do poderio económico, pois que não é mais que um refinamento da luta pela sobrevivência verificada nas espécies animais

Sendo assim, faz parte da ideia liberal de progresso, esta forma de agressão animal, a qual é vista como o principal vector de desenvolvimento social. Quanto maior for a liberdade económica, mais, ataques, fusões, aquisições e takeovers existirão. O discurso liberal, ou seja a análise que a ideologia liberal faz, é absolutamente um discurso animalesco

Nesse sistema, uma lei "mais avançada" ou um meio de produção "mais moderno", não significa que sejam mais humanos; significa que dão aos mais fortes mais oportunidades de mais eficazmente  poderem exercer o seu poder, enquanto aos mais fracos só restará reconhecerem a derrota, ou lutarem pela sua sobrevivência. 

Deste modo, a ideia moderna de crescimento económico, como podemos ver em liberais como Alan Greenspan e Ben Bernanke, tem o seu fundamento e origem na ideia de luta entre as espécies animais, ou seja, a destruição ferina dos fracos pelos fortes, ou o enaltecimento dos fortes à custa dos fracos. Mas, em vez do conflito entre predadores e herbívoros, temos os 1% mais ricos do planeta e, entre eles, o seu "rei dos animais"  - a Bolsa de Nova York e os banqueiros do Banco Mundial que devoram toda a riqueza existente, enquanto enchem a "floresta do mundo" de "infraestruturas sociais".

Ou seja, quando falamos em "modernização", no sentido liberal, necessariamente estamos a significar o reforço dum senário social, político, cultural, espiritual e informal, dentro do qual uma agressão absoluta dos mais fracos pelos mais fortes pode ser implementada.

A liberal americana Ayn Rand (da qual, Greenspan, era um grande admirador) criou toda uma filosofia (chamada Objectivismo) baseada nesta simples ideia: se alguém é rico, é  bom por definição. Ela levou aos limites a crença de Weber na origem do capitalismo na ética protestante, dizendo que o "rico" é sempre e necessariamente bom - quase um santo - enquanto o "pobre" é mau, preguiçoso, maléfico e corrupto - um pecador. De acordo com Ayn Rand, ser pobre, é ser-se um malvado pecador, enquanto ser rico é ser santo. Ela propôs que se estabelecesse a "conspiração" dos ricos (quer dizer, dos fortes, dos brilhantes, dos abençoados, dos poderosos capitalistas) contra qualquer tipo de sindicato, de operários ou camponeses, contra todos que defendam qualquer tipo de justiça social, ou que sejam apenas pobres. Esta cruzada dos ricos contra os pobres é a base da ideologia Objectivista. Pessoas como Greenspan e Bernank, o actual chefe da Reserva Federal dos EUA, são objectivistas - isto é, interpretam os termos, modernização, progresso, crescimento económico e desenvolvimento no sentido liberal.

Se entendermos  a modernização nos termos dos liberais democratas, isso quer dizer que estamos dispostos a entrar nessa forma potenciada de terrível luta  pela sobrevivência e a bestializarmo-nos como eles na tentativa desesperada de  alcançar um lugar à mesa da globalização. A globalização é agora o novo campo de batalha da luta pela sobrevivência, isto é, da luta dos ricos contra os pobres.

É claro que os pressupostos ideológicos, filosóficos e morais desta versão de modernização são totalmente estranhos ao povo russo no que respeita tanto à nossa história como à nossa cultura. Rejeitamos incondicionalmente este tipo de modernização e aqueles que a tentarem impôr-nos pagaram caro por isso.

No comunismo, a ideia de progresso unidireccional também está presente. Marx argumentava que as mudanças nas estruturas sociais que levassem a um desenvolvimento e melhoramento da economia, mais tarde ou mais cedo dariam origem à revolução proletária comunista e à distribuição das riquezas acumuladas. Marx via assim também a história positivamente como um avanço, como um melhoramento do menos para o mais e do mais simples para o mais complexo. Por essa razão Marx rejeitava todas as formas de conservadorismo.

Mais uma vez podemos ver no Marxismo uma forma de Darwinismo, com a aceitação total das ideias evolucionistas e a sua crença nas virtudes miraculosas do progresso científico e tecnológico.

Sofremos, na Rússia, esse tipo de"modernização" durante o século XX e pagámos bem caro por ela; claramente o povo russo não está interessado em repetir a experiência e já ninguém fala sequer dela.

Estranhamente, o fascismo, também é um movimento evolucionista. Os nacional socialistas adoptaram uma interpretação racial do evolucionismo Darwiniano  segundo a qual a raça branca é "mais desenvolvida" do que a negra, amarela, ou qualquer outra e portanto tinha o direito de governar o mundo. Aqui encontramos a mesma noção progresso, desenvolvimento e progressão que faz assumir a superioridade racial porque as nações brancas possuem instrumentos sofisticados de produção industrial, ao contrário dos outros grupos étnicos.

Hoje, rejeitamos o fascismo pela sua componente racial, mas esquecemos que esta ideologia também se baseias nas ideias de progresso e evolução, tal como as outras duas ideologias da modernidade - o liberalismo e o comunismo. Se analisássemos a essência da ideologia nazi  e o papel que o progresso e a evolução nela desempenham, a conecção  entre racismo e evolução tornar-se-nos-ia clara. A mesma conecção que, embora de forma escondida, existe no liberalismo e no comunismo. Mesmo não sendo biológico, podemos encontrar racismo cultural, tecnológico  e económico tanto no mercado livre como na ditadura do proletariado.

Duma maneira ou de outra, todas essas três ideologias derivam da mesma tendência: a ideia de crescimento, desenvolvimento, progresso, evolução, e do constante e cumulativo melhoramento da sociedade.  todas elas vêem o mundo e todo o processo histórico como crescimento linear. Diferem quanto à interpretação desse  processo, atribuindo-lhe diferentes significados, mas todas aceitam a irreversibilidade da história e o seu carácter progressivo.

Assim, o conceito de modernização leva-nos directamente de volta às três teorias políticas clássicas. Mas, hoje, todas elas estão a ser rejeitadas, de um modo evidente quanto ao comunismo e ao fascismo e dum modo menos óbvio quanto ao liberalismo que, no entanto, cada vez vez agrada menos a uma cada vez maior parte da população mundial.

No entanto, como demonstrou Gregory Bateson, o processo monotónico - isto é, o crescimento constante, a acumulação constante, o desenvolvimento constante e o progresso constante - não só é incompatível com a vida, como, até, com o funcionamento correcto dos artefactos mecânicos. Nas sociedades reais não existem de processos monotónicos; e quando se tenta implantá-los à força, invariavelmente conduzem a guerras e a uma enorme degradação moral, tal como a que vemos hoje acompanhar um progresso tecnológico sem precedentes.

No século XIX , todos acreditavam que o " progresso" existia realmente, que era um axioma e que constituía um  verdadeiro critério cientifico. Hoje o paradigma do progresso é considerado anti científico e imoral, pois contém, em si próprio, a ideia verdadeiramente racista de que, por exemplo a cultura americana é superior à cultura muçulmana, iraquiana, afegã, etc.

O século XX passou do paradigma da evolução, modernização e desenvolvimento, para o paradigma  de crises e catástrofes. Isto significa que, todos os processos, na natureza, na sociedade e na tecnologia, são relativos, reversíveis e cíclicos.

Em termos da sua base metodológica a Quarta Teoria Política, deve basear-se na rejeição do processo monotónico, por ser anti-científico, inadequado, amoral e falso. Em vez das ideias de processo monotónico, progresso e modernização, devemos salientar as ideias de repetição e de preservação daquilo que merece ser preservado e de mudança apenas daquilo que precisa efectivamente ser mudado.

Em vez de procurar sempre mais modernização e crescimento devíamos orientarmo-nos em direcção a um maior equilíbrio, adaptabilidade e harmonia. Em vez de estarmos sempre a querer ir mais a diante e inovar, devíamos procurar adaptarmo-nos ao que já existe, perceber onde estamos e harmonizarmo-nos com o processo socio político.

E sobretudo, pôr á frente do progresso,  do desenvolvimento e do crescimento, a vida.

Afinal de contas, não há qualquer prova de que haja alguma ligação entre vida e  crescimento. Isso era um mito do século XIX. Pelo contrário, a vida está ligada à ideia de ciclo e eterno retorno.

É por isso que devemos rejeitar todas as ideologias políticas antiquadas, como o marxismo, o fascismo e o liberalismo. O liberalismo deve ser equiparado ao comunismo e ao fascismo pois estando igualmente comprometido com o processo monotónico, cometeu não menos crimes que estes últimos, sendo responsável pelo genocídio dos nativos norte americanos e australianos, por Hiroshima e Nagazaky, pelas agressões à Sérvia, Iraque, Afeganistão  e Líbia e pela devastação e exploração económica de milhões de pessoas em todo o planeta e pelas falsas narrativas com que tentou branquear estes crimes.

Alexander Dugin, The Fourth Political Theory 



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