PONDO
EM QUESTÃO A MODERNIDADE
Hoje, poucos entendem que o termo “modernização”
tem duas vertentes. Por um lado, existe a modernização tecnológica. Mais do que
qualquer outro, é este o aspecto da modernização que chama a atenção.
Consubstancia-se em novos artefactos, aeronaves, tecnologias de comunicação e
meios de receber dinheiro; em novos
materiais, tecnologias de informação e nanotecnologias. O fim desta
modernização é proporcionar instrumentos e meios para simplificar a vida das
pessoas, tornar o mundo mais confortável, prático, rápido, eficiente e
aprazível - user-friendly, como diriam os informáticos.
Mas, existe um outro lado da modernização, que
historicamente está intimamente ligado ao primeiro: a modernização moral,
cultural e social. Se o fim da primeira é o desenvolvimento de instrumentos, o
fim da segunda é o desenvolvimento, da nação, da sociedade, do governo, da
moral, dos costumes, dos valores e da cultura. Esta última espécie de
modernização tem um significado completamente diferente. Por exemplo, a
modernização da moral significa a rejeição dos valores tradicionais; primeiro
rejeita-se o Casamento Religioso, depois rejeita-se o casamento substituindo-o
por “uniões de facto”; depois vem a permissão do “casamento” homossexual; e
depois, seguindo a mesmo lógica, a completa abolição da instituição do casamento.
Esta é a trajectória inevitável da modernização da família. Não existe outra forma de modernizar a família. Se quisermos modernizar a instituição da família, temos de corromper as suas normas tradicionais e adoptar outras.
A modernização cultural segue o mesmo caminho.
Tradicionalmente, a arte religiosa era a principal forma de cultura: pintura
religiosa, literatura religiosa, música religiosa, liturgia religiosa. A sua
modernização trouxe a era da cultura secular, depois a da cultura vanguardista,
culminando nos fragmentos pós-modernos do mundo, organizados aleatóriamente, agora,
considerados cultura.
A modernização da moral leva à desintegração das
relações normais entre as pessoas. Cada qual vira-se para si mesmo e deixa de
reconhecer qualquer norma social ou societária. A modernização neste domínio
significa o repúdio dos fundamentos conservadores das formas tradicionais de
moralidade, da mundivisão tradicional, das normas religiosas, dos valores da
família, do colectivo, da nação, do étnos, da comunidade, ou seja, de tudo que
constitui a identidade colectiva de um povo.
Tudo isto é modernização e coincide com a modernização técnica. Ambas têm os mesmos atributos: progresso, melhoramento, desenvolvimento, inovação.
Na modernização estão sempre presentes ambos os aspectos: o
tecnológico e o material, por um lado, e o moral, social e cultural, por
outro. A modernização, tanto constrói máquinas a vapor, como destrói a
sociedade tradicional, combate a religião, marginaliza a Igreja e “liberta” o
homem das conexões que o uniam a uma variedade de diferentes instituições,
hábitos, princípios e restrições morais.
A modernização corrompe a
consciência do homem que nas sociedades tradicionais estava centrada no repúdio
do eu (“nega-te a ti próprio e segue-me!) e na aceitação das normas contidas na
tradição, tanto da vida familiar, como da vida social. Na vertente técnica a
modernização até pode ser criativa pois leva à invenção constante de novos
aparelhómetros. Mas, na esfera moral, social e cultural tudo é, por ela,
invertido e destruído – até o conceito de humanidade.
Com efeito na época do iluminismo até o próprio
conceito de Homem foi alterado. Para as sociedades tradicionais o homem era
escravo de Deus. Hoje, as pessoas acham isto uma selvajaria, porque, segundo
elas o homem é livre, logo não é escravo. Mas, ele era escravo de Deus e livre de tudo o resto. Era escravo apenas de Deus. Assim a Igreja dava
às pessoas liberdade absoluta.
Dentro desses limites o homem podia escolher entre ser escravo de Deus e senhor de tudo o mais - das paixões e do pecado; ou ser escravo do pecado, das paixões, do Diabo, e ver-se livre de Deus.
Esta é a escolha moral essencial que todo o homem tem de fazer.
Nas sociedades tradicionais achava-se que estava certo ser-se escravo de Deus e errado ser-se escravo das paixões. Durante o processo de modernização, especialmente durante o iluminismo, decidiu-se inverter esta ordem moral. Agora o homem é encorajado a libertar-se de Deus e a ser escravo das paixões, do pecado, do Diabo.
Todos conhecem a frase de Nietzsche, “Deus está morto”. Mas, muitos não sabem como a frase termina: “vocês mataram-No; vocês e eu!”
Ao escolherem o progresso e a modernização as pessoas mataram Deus. Pagaram o seu conforto material e desenvolvimento ilimitado, com a morte de Deus.
Esta foi uma visão muito honesta e correcta de Nietzsche que se limitou a chamar as coisas pelo nome. Para que o homem moderno possa surgir é preciso tirar Deus do pedestal. E, aqui jaz toda a essência diabólica do humanismo.
A luta contra Deus faz parte do ADN da modernidade.
Acontece que a modernização não emergiu de necessidades internas e do natural desenvolvimento das sociedades tradicionais, as quais, se deixadas em paz, provavelmente nunca teriam criado estruturas e modelos como os que surgiram no Ocidente moderno. Por outras palavras, a modernização foi imposta coercivamente de cima para baixo [no Ocidente] e de fora para dentro [no resto do mundo]. A maioria oprimida da humanidade foi violenta e coercivamente submetida ao processo de modernização.
O liberalismo não é uma ideologia que possa deixar, o outro, ser; só deixa o outro existir se ele for liberal ou se estiver em vias de se tornar liberal. Em casos limites pode deixar não liberais subsistirem desde que, no essencial, obedeçam à vontade dos liberais. Doutra maneira, serão eliminados. O liberalismo é a modernidade por excelência e, a modernidade, é, por essência, totalitária. O nazismo era abertamente totalitário. O comunismo era ainda mais aberta e radicalmente totalitário. A natureza totalitária do liberalismo, que esteve escondida, mas subentendida, durante o seu confronto com os referidos outros dois regimes totalitários modernos é agora cada vez mais transparente e aparente. Portanto, a Rússia não tem hipóteses de criar uma civilização baseada nas suas tradições não-liberais e não-modernas, sem que, o Ocidente globalista e liberal, liderado pelos EUA, intervenha. E, intervenha de imediato. Logo a guerra é inevitável.
Alexander Dugin, The Rise of the Fourth Political Theory, 2019
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