Devemos lembrar que falar-se sobre como os mosteiros se corromperam é, no fundo, um elogio aos mosteiros. Pois não se fala da corrupção do que já era corrupto. Ninguém defenda que as instituições medievais começaram motivadas pela ganância ou pelo orgulho. Porém as instituições modernas começaram. Ninguém diz que São Bento escreveu a sua regra de trabalho para tornar os monges benedictinos preguiçosos, mas apenas que alguns deles se vieram a tornar preguiçosos. Ninguém diz que os primeiros frades franciscanos praticaram a pobreza para obter lucros, mas apenas que posteriormente algumas das suas comunidades o obtiveram. Porém, é certo que os Cecils e os Russels e todos os da sua laia, desde o começo só pretendiam obter lucro. O que era a morte para o catolicismo era, o nascimento para o capitalismo. Desde então não tivemos a inconcistência de quem fazia o voto de ser pobre e se tornava rico, mas a chocante consistência de um homem que fazia voto de ser rico e se tornava cada vez mais rico. Se a riqueza era o abuso dos monges e abades, é agora o uso dos mercadores e senhores de terras. O abade ganâncioso violava os seus ideais. O capitalista ganâncioso não tem ideais para violar. O capitalismo foi sobretudo o abandono da tentativa de governar o mundo por ideais, ou até mesmo por idéias.

 Efectivamente os reformadores ingleses não opuseram novos ideais aos antigos, nem substituiram as idéias antigas por novas. Dispuseram-se a governar meramente através de factos; factos, como o facto de alguém chamado Russell ter duzentas vezes mais dinheiro do que qualquer um dos seus vizinhos; ou factos como o facto de alguém chamado Cecil ter obtido o poder de enforcar qualquer um dos seus vizinhos.

Os factos, diziam eles, pelo menos são algo de sólido; são sólidos, pelo menos enquanto duram. Mas, o problema é que eles não duram. Apenas as idéias duram. É, por isso que hoje, um homem pode chamar-se Russell e ter hoje muito menos dinheiro que um homem chamado Rockefeller; e um homem chamado Cecil pôde ter sido afastado da prática política e chamado de fracassado.

O mesmo progresso do capitalismo que criou os Russell destruiu-o. E o mesmo sucesso comercial que exaltou a Inglaterra perante o mundo, rebaixou-a perante a América.

O pragmatismo, a tentativa de governar apenas por factos, possui, na sua própria natureza, a essência de todas as traições. Os factos que pareciam tão sólidos, são, afinal, as mais fluidas de todas as coisas. Como dizem os académicos e os pedantes, os factos estão sempre a evoluir, ou seja, estão sempre a evadir-se, a escapar, a fugir.

Os homens que se curvam perante a riqueza de um capitalista ou  dum senhor de terras, terão por fim de se curvar perante a mesma riqueza quando esta não estiver ligada a nenhum ser humano reconhecível, mas investida numa companhia de responsabilidade limitada (ou inexistente) sediada em território estrangeiro. A riqueza de facto cria asas. A riqueza deixa de ter forma e torna-se fabulosa. Os grandes financeiros compram e vendem, aos milharers, coisas que ninguém nunca viu e que são, para todos os efeitos práticos, imaginárias.

Assim termina a aventura de confiar apenas nos factos: num mundo imaginário de fantásticas abstracções.

G.K.Chesterton, Porque sou Católico


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