Humanismo e
totalitarismo
É um facto reconhecido que a civilização ocidental moderna foi a primeira, em toda a história da humanidade, a “afastar Deus da equação” e a construir um sistema apenas subordinado a factores históricos materiais.
Esse seu materialismo pode, por isso, ser visto, ainda que talvez só parcialmente, como o principal traço diferenciador desta civilização. Exactamente por ter eliminado os factores supra-humanos e posto a tónica no papel exclusivo da humanidade na criação do novo padrão de universalidade, esse traço recebeu o nome de “humanismo.”
Entre as consequências
desta aposta no meramente humano, existe uma que tem passado despercebida. É
que o humanismo, para se manter, teve de substituir o dogmatismo autoritário
das antigas tradições por uma nova forma de tirania muito mais abrangente e
invasiva que, por não deixar nada da conduta humana, mesmo nos aspectos mais
íntimos e secretos, escapar ao seu controlo, se denominou, com muita
propriedade, “totalitarismo”.
As relações
íntimas e recíprocas entre o humanismo e totalitarismo são o tabu em que se
assenta, a cultura moderna.
Como os
primeiros representam a opção totalitária ostensiva, a vantagem dos segundos e
a hegemonia de que desfrutam actualmente, dão a impressão de que o ciclo moderno
se foi desenrolando em direcção à vitória sobre o totalitarismo e de que
portanto, este, não seria intrínseco à própria natureza do humanismo mas apenas
um “resíduo” de épocas passadas.
E, assim, uma invenção tipicamente moderna, o totalitarismo, é atribuída a épocas que o desconheceram por completo, que nem poderiam sequer imaginá-lo, nem, muito menos, dispunham de meios para o implementar; enquanto a época moderna que lhe deu origem passa por o combater.
Embora só a modernidade tenha conhecido regimes totalitários, a sua imagem aparece limpa, ao passo que épocas que não o conheceram são sacrificadas como bodes expiatórios no altar da boa consciência moderna.
O totalitarismo não é a sombra de épocas
passadas que obscurece as luzes da civilização humanista: é, a sombra da própria
civilização humanista, que obscurece injustamente a nossa visão das épocas
passadas.
A queda do muro
de Berlim não inaugurou no mundo a anunciada era de liberdade, mas sim um
estado crónico de intervenção burocrática e policial exactamente porque
totalitarismo faz parte do ADN de qualquer versão do humanismo.
E, não será que a vertente liberal do humanismo, não passe de algo mais do
que pura ideologia com que o humanismo encobre sua face totalitária.
Olavo de Carvalho
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