"O sentido estético existe tanto nos seres humanos mais primitivos, como nos mais civilizados. Sobrevive mesmo ao desaparecimento da inteligência, porque os idiotas e os loucos são capazes de obras artísticas. A criação de formas ou séries de sons que despertem uma emoção estética em quem as vê ou ouve é uma necessidade elementar da nossa natureza. O homem sempre contemplou com alegria os animais, as flores, as árvores, o céu, o mar e as montanhas. Antes dos primórdios da civilização, utilizava os seus instrumentos rudimentares para reproduzir o perfil dos seres vivos na madeira, no marfim e na pedra.

Ainda hoje, quando o seu sentido estético não foi destruído pela educação moderna, pelo estilo de vida moderno ou pelo trabalho fabril, o homem tem prazer em fazer objectos saídos da sua própria inspiração. Sente um prazer estético ao absorver-se nesse trabalho. Na Europa, e sobretudo em França, ainda há cozinheiros, talhantes, pedreiros, carpinteiros, ferreiros, cutileiros e mecânicos que são artistas. Quem faz um belo pastel de nata, quem esculpe casas, quem forja uma bela porta, quem constrói um belo móvel, quem desenha uma estátua rudimentar, quem tece um belo tecido de lã ou de seda, experimenta um prazer semelhante ao do escultor, do pintor, do músico e do arquitecto

Se a actividade estética permanece virtual na maioria dos indivíduos, é porque a civilização moderna nos rodeou de espectáculos feios, grosseiros e vulgares. Além disso, fomos transformados em máquinas. O operário passa a vida a repetir o mesmo gesto milhares de vezes por dia. Faz apenas uma parte de um determinado objecto. Nunca faz o objecto completo. Não pode utilizar a sua inteligência. É como o cavalo cego que dá voltas ao carrossel todo o dia para tirar água do poço.

O industrialismo impede a utilização das actividades da consciência que são capazes de dar ao homem um pouco de alegria diária. O sacrifício do espírito à matéria pela civilização moderna foi um erro. Um erro que se torna ainda mais perigoso pelo facto de não provocar qualquer sentimento de revolta, de ser aceite por todos tão facilmente como a vida insalubre das grandes cidades e a reclusão nas fábricas. No entanto, os homens que retiram do seu trabalho um prazer estético, ainda que rudimentar, são mais felizes do que aqueles que produzem apenas para poderem consumir.  A indústria, na sua forma actual, roubou ao trabalhador toda a originalidade e alegria.

"A estupidez e a tristeza da civilização atual devem-se, pelo menos em parte, à supressão de formas elementares de prazer estético na vida quotidiana."

A beleza é uma fonte inesgotável de alegria para aqueles que a sabem descobrir. Porque pode ser encontrada em todo o lado. Vem das mãos que moldam ou pintam a louça bruta, que cortam a madeira e a transformam em móveis, que tecem a seda, que esculpem o mármore, que cortam e reparam a carne humana. Está na arte sangrenta dos grandes cirurgiões como está na dos pintores, músicos e poetas. Está também, nas visões de Dante, nas experiências de Pasteur, no nascer do sol sobre o oceano, nas tempestades de inverno nas altas montanhas. Torna-se ainda mais pungente na imensidão do mundo sideral e do mundo dos átomos, na harmonia inexprimível do cérebro humano, na alma do homem que se sacrifica obscuramente pela salvação dos outros. E em cada uma das suas formas permanece o hospedeiro desconhecido da substância cerebral que cria a face do Universo...

O sentido da beleza não se desenvolve espontaneamente. Existe na nossa consciência apenas num estado potencial. Em certos momentos, em certas circunstâncias, permanece virtual. Pode mesmo desaparecer em povos que outrora o possuíam em alto grau. É assim que a França destrói as suas belezas naturais e despreza as memórias do seu passado.

O atrofiamento moral e intelectual tornam-nos incapazes de recriar a beleza e habituam-nos a uma fealdade terrível (lembremo-nos de Muriel, de Resnais, onde a cidade bombardeada renasce das cinzas, mas em betão e grandes bairros sociais):

 "Os descendentes dos homens que projectaram e executaram o mosteiro do Monte Saint-Michel já não compreendem o seu esplendor. Aceitam de bom grado a fealdade indescritível das casas modernas da Bretanha e da Normandia, e sobretudo dos arredores de Paris. Tal como o Monte Saint-Michel, a própria Paris e a maior parte das cidades e aldeias de França foram desgraçadas por um comercialismo hediondo. Tal como o sentido moral, o sentido da beleza, no decurso de uma civilização, desenvolve-se, atinge o seu apogeu e depois desvanece-se.

Na civilização moderna, o indivíduo caracteriza-se sobretudo por um nível de actividade bastante elevado, inteiramente orientado para o lado prático da vida, por uma grande dose de ignorância, por uma certa astúcia e por um estado de fraqueza mental que o torna profundamente influenciado pelo meio em que se encontra. Parece que, na ausência de um quadro moral, a própria inteligência se afunda. É talvez por esta razão que esta faculdade, outrora tão característica de França, diminuiu de forma tão acentuada neste país. Nos Estados Unidos, o nível intelectual continua mais baixo, apesar da multiplicação das escolas e das universidades"

A nossa vida é influenciada em grande medida pelos jornais. A publicidade é feita exclusivamente no interesse dos produtores, nunca dos consumidores. Por exemplo, o público foi levado a acreditar que o pão branco é superior ao castanho. Assim, muitos produtos alimentares e farmacêuticos inúteis e muitas vezes nocivos tornaram-se uma necessidade para as pessoas civilizadas. Deste modo, a ganância de indivíduos suficientemente hábeis para orientar os gostos das massas para os produtos que têm para vender desempenha um papel vital na nossa civilização.

Parece que a civilização moderna é incapaz de produzir uma elite dotada de imaginação, inteligência e coragem. Em quase todos os países, verifica-se um declínio do calibre intelectual e moral daqueles que têm a responsabilidade de dirigir os assuntos políticos, económicos e sociais.

Temos de nos levantar e pôr-nos a caminho. Libertarmo-nos da tecnologia cega.

Alexis Carrel

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