As fontes antigas de que dispomos dão-nos a
conhecer que, aquando do surgimento da Igreja na história, a moral sexual tinha
atingido um limiar de profunda degradação. A promiscuidade generalizada, como notava Juvenal, poeta e escritor satírico, tinha levado a que os romanos
perdessem de vista a deusa Castidade. Ovídio observava que, no seu tempo, as
práticas sexuais assumiam contornos especialmente perversos, sádicos mesmo. E
encontramos em Catulo, Marcial e Suetónio testemunhos semelhantes quanto à
situação de infidelidade matrimonial e imoralidade sexual que vigorava no tempo
de Cristo. César Augusto tentou contrariar este género de imoralidades por via
legal, mas a lei raramente consegue reformar um povo que já tenha sucumbido aos
atractivos da satisfação imediata. No começo do século II, Tácito afirmava que
uma esposa casta era um fenómeno raro.
Por seu turno a Igreja afirmava que só duas
pessoas ligadas pelo casamento podiam manter relações íntimas entre si. O
próprio Edward Gibbon, que responsabiliza o cristianismo pela queda do império
romano do Ocidente, vê-se obrigado a reconhecer que “a dignidade do casamento
foi restabelecida pelos cristãos”. Galeno, médico grego do século II, ficou de
tal maneira impressionado com a rectidão que caracterizava o comportamento
sexual dos cristãos, que não hesitou em os considerar “tão avançados na autodisciplina e no intenso
desejo de alcançar a excelência moral, que de maneira nenhuma são inferiores
aos verdadeiros filósofos”.
Um dos aspectos da filosofia clássica que
constitui uma ponte para o pensamento católico é a sugestão de que existe um
tipo de vida que é próprio dos macacos e outro tipo de vida que é próprio dos
seres humanos. Sendo dotados de razão, o seres humanos não estão condenados a
agir meramente por instinto; são capazes de reflectir em termos morais, uma
competência que nem os espécimes superiores do mundo animal possuirão jamais.
Por outro lado, se não exercer esta faculdade, o homem não viverá ao nível
que é próprio da sua natureza; com efeito, se não tiver actividade intelectual,
se não empreender uma séria avaliação moral do seu próprio comportamento, que
vantagem retira afinal do facto de ser humano? Se o princípio condutor da vida
da pessoa é fazer tudo aquilo que lhe provoca prazer imediato, em certo
sentido, essa pessoa não se distingue
dos animais.
Salienta a Igreja que, para se viver uma vida
realmente humana, é necessário o auxílio da graça divina. Já os romanos pagãos
se apercebiam de que o homem se encontra numa situação de degradação: “Que coisa
desprezível é o homem”, escrevia Séneca, “se não se erguer acima da condição
humana!”. A graça de Deus pode-o ajudar neste processo. Para isso, a Igreja
propõe-lhe os exemplos dos santos, que provam que é possível viver virtudes
heróicas, quando os seres humanos se dispõem a deixar-se diminuir, para que
Cristo cresça neles.
A Igreja salienta igualmente que uma vida
moralmente boa não é apenas uma vida em que as acções externas são
irrepreensíveis. Cristo faz notar com insistência que não basta evitar o assassínio e o
adultério; que o corpo não deve ceder a esses crimes, mas que a alma também
deve evitar tender para eles. Não só não podemos roubar o próximo, mas também
não podemos permitir-nos pensamentos invejosos acerca daquilo que lhe pertence.
Embora nos seja evidentemente permitido odiar o que é mau – o pecado, por
exemplo, e o próprio Satanás -, estamos obrigados a distanciar-nos da ira e do
ódio, que apenas servem para nos corroer a alma. Não só não podemos cometer adultério, como
também não podemos consentir em pensamentos inpuros, porque isso transforma os
outros seres humanos em coisas, em meros objectos; e uma pessoa que pretende
viver uma vida moralmente boa não quererá certamente transformar os outros
seres humanos em coisas.
Já se disse que é difícil fazer o bem; ou seja,
que é difícil viver como ser humano, em vez de viver como um animal. Trata-se
de uma forma de vida que exige empenhamento moral e autodisciplina. Do ponto de
vista de Sócrates, a virtude era saber; conhecer o bem era fazer o bem. Mas,
Aristóteles e São Paulo, sabiam que não é bem assim, pois todos recordamos
momentos da nossa vida em que sabíamos
perfeitamente o que era o bem, mas não o fizemos, ou em que sabíamos o que era o mal, e o fizemos. É por isso que
os Santos aconselham a comer-se uma senoura quando se tem vontade de comer um
queque; não porque os queques sejam maus em si mesmos, mas porque se
adquirirmos o hábito de disciplinar a nossa vontade naquelas situações em que
não estão em causa princípios morais, estaremos mais bem preparados nos momentos
de tentação, quando formos efectivamente confrontados com a necessidade de optar entre o bem e o mal. E, assim como
pecar é tanto mais fácil quanto mais habituados estivermos ao pecado, assim
também, como observava Aristóteles, se torna cada vez mais fácil levar uma vida
virtuosa á medida que nos aplicarmos a isso e que a prática das virtudes se
tornar um hábito para nós.
Estas são algumas das ideias que a Igreja Católica
introduziu na civilização ocidental. Muitos jovens dos nossos dias só tiveram
acesso à doutrina da Igreja em matéria de intimidade sexual sob a forma de
caricatura, e, dada a cultura em que vivem, não conseguem compreender o que
leva a Igreja a propô-la. Fiel à missão que cumpre há dois mil anos, porém, a
Igreja continua a apresentar a sua doutrina moral, numa cultura que incita continuamente os jovens a procurar
a satisfação imediata dos seus desejos. A Igreja recorda os grandes homens da
cristandade – um Carlos Magno, um São Tomás de Aquino, um São Francisco de
Assis, um São Francisco Chavier, para referir apenas alguns – e apresenta-os
como modelos para uma vida verdadeiramente humana. E que mensagem comunica ela?
Essencialmente, que cada um de nós pode aspirar a ser como eles – a ser um
construtor da civilização, um grande génio, um servo de Deus e dos homens, um
missionário heróico; a alternativa é ser um zé-ninguém, autocentrado e
absorvido na satisfação dos próprios apetites. A sociedade em que vivemos faz
tudo para nos tornar nesses zés-ninguém. Mas nós podemos ser donos de nós
próprios. Podemos erguer-nos acima do rebanho, declarando a nossa independência
relativamente a uma cultura que nos considera tão pouco, e proclamando que não
queremos viver como animais, mas como homens.
How the
Catholic Church Buil Western Civilization, Thomas E Woods, Jr., 2005
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