Breve História do Machismo
As mulheres sempre foram exploradas pelos homens.
Se há uma verdade que ninguém põe em dúvida, é essa. Dos solenes auditórios de
Oxford ao programa do Faustão, do Collège de France à Banda de Ipanema, o mundo
reafirma essa certeza, talvez a mais inquestionada que já passou pelo cérebro
humano, se é que realmente passou por lá e não saiu directamente dos úteros
para as teses académicas.
Não desejando opor-me a tão augusta unanimidade,
proponho-me aqui arrolar alguns factos que podem reforçar, nos crentes de todos
os sexos existentes e por inventar, o seu sentimento de ódio ao macho
heterossexual adulto, esse tipo execrável que nenhum sujeito a quem tenha
acontecido a desventura de nascer no sexo masculino quer ser quando crescer.
O nosso relato começa na aurora dos tempos, em
algum momento impreciso entre Neanderthal e Cro-Magnon. Nessas eras sombrias,
começou a exploração da mulher. Eram tempos duros. Vivendo em tocas, as
comunidades humanas eram constantemente assoladas pelos ataques das feras. Os
machos, aproveitando-se de suas prerrogativas de classe dominante, logo
trataram de assegurar para si os lugares mais confortáveis e seguros da ordem
social: ficavam no interior das cavernas, os safados, fazendo comida para os
bebés e penteando os cabelos, enquanto as pobres fêmeas, armadas tão somente de
porretes, saíam para enfrentar leões e ursos.
Quando a economia de colecta foi substituída pela
agricultura e pela pecuária, novamente os homens deram uma de espertinhos,
atribuindo às mulheres as tarefas mais pesadas, como a de carregar as pedras,
domar os cavalos, abrir sulcos na terra com o arado, enquanto eles, os
folgadinhos, ficavam em casa pintando potes e brincando de tecelagem. Coisa
revoltante.
Quando os grandes impérios da Antiguidade se
dissolveram, cedendo lugar aos feudos perpetuamente em guerra uns com os
outros, estes logo constituíram seus exércitos particulares, formados
inteiramente de mulheres, enquanto os homens se abrigavam nos castelos e ali
ficavam no bem-bom, curtindo os poemas que as guerreiras, nos intervalos dos
combates, compunham em louvor de seus encantos varonis.
Quando alguém teve a extravagante ideia de
cristianizar o mundo, tornando-se necessário para tanto enviar missionários a
toda parte, onde arriscavam ser empalados pelos infiéis, esfaqueados pelos
salteadores de estradas ou trucidados pelo auditório entediado com os seus
sermões, foi novamente sobre as mulheres que recaiu o pesado encargo, enquanto
os machos ficavam maquiavelicamente fazendo novenas ante os altares domésticos.
Idêntica exploração sofreram as infelizes por
ocasião das cruzadas, onde, armadas de pesadíssimas armaduras, atravessaram os
desertos para ser passadas a fio d’espada pelos mouros (ou antes, pelas mouras,
já que o machismo dos sequazes de Maomé não era menor que o nosso).
E as grandes navegações, então! Em demanda de ouro
e diamantes para adornar os ociosos machos, bravas navegantes atravessavam os
sete mares e davam combate a ferozes indígenas que, quando as comiam, era —
porca miséria! — no sentido estritamente gastronómico da palavra.
Finalmente, quando o Estado moderno instituiu o
recrutamento militar obrigatório, foi de mulheres que se formaram os exércitos
estatais, com pena de guilhotina para as desertoras e recalcitrantes, tudo para
que os homens pudessem ficar em casa lendo A princesa de Clèves.
Há milénios, em suma, as mulheres morrem nos
campos de batalha, carregam pedras, erguem edifícios, lutam com as feras,
atravessam desertos, mares e florestas, sacrificando tudo por nós, os ociosos
machos, aos quais não sobra nenhum desafio mais perigoso que o de sujar nossas
mãozinhas nas fraldas dos nossos bebés.
Em troca do sacrifício das suas vidas, nossas
heroicas defensoras não têm exigido de nós senão o direito de falar grosso em
casa, e, eventualmente, de largar um par de meias no meio da sala para a gente apanhar.
Olavo de Carvalho
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