INTROITUS

Ao longo dos anos, após discussões familiares frequentes, por vezes exaltadas, sobre os chamados temas fracturantes, ficava-me sempre um travo amargo na alma, por me parecer não ter conseguido fundamentar convenientemente as convicções que defendia.

 Para alguém nascido num mundo onde tais convicções eram aussi patentes que le soleil, tornava-se difícil ter à mão os fundamentos últimos que as sustentavam.

Dei comigo a cismar se, como me asseveravam, não passariam, afinal, de meros preconceitos defendidos apenas por fanáticos que, contra os ventos da história, teimavam em sustentar ideias ultrapassadas, alicerçadas apenas numa fé cega, resquício duma religião obscurantista, condenada a desaparecer.

Tais dúvidas fizeram-me ir à procura dos fundamentos, dos primeiros princípios, da Moral Católica Tradicional que, vim a descobrir, coincidia com A Moral Natural Clássica  como não poderia deixar de ser pois que a Lei Natural (tendo o universo sido criado por Deus) haveria por força de ser concordante com a Lei Divina.

Este trabalho é fruto dessas pesquisas e pretende expor (ou relembrar) esses primeiros princípios da Moral Tradicional, aceite historicamente pela grande maioria dos homens jamais existentes, precisamente por estarem em sintonia com a estrutura da realidade, mais especificamente, com a realidade da condição humana,  e, simultâneamenet, expor os ataques a que têm sido sujeitos.

Servi-me, para a composição destas páginas, das obras de vários autores, que irei referenciando em notas de roda pé, dos quais destaco Edward Feser e Olavo de Carvalho, Filósofos que continuam nos nossos dias a tradição do pensamento Aristotélico-Tomístico e cujas obras recomendo vivamente.

Prevendo as mais que prováveis dúvidas levantadas quanto à autoridade do autor destas linhas para escrever sobre semelhantes assuntos direi, desde já, que não se trata duma obra original. Muito pouco do que se segue foi criado por mim, que mais não pretendi que coligir duma forma coerente e acessível os tópicos que, ao longo das minhas leituras, me pareceram essenciais para fazer nascer, em quem possa estar interessado,  a vontade de desenvolver a inteligência própria - não no sentido vulgar de habilidadezinhas mensuráveis (Q.I.), mas no de capacidade de apreensão da realidade.

Para os gregos antigos, o  maior obstáculo à formação superior da inteligência não era causado por factores de ordem económica, social, racial ou familiar, mas por um factor de ordem moral, - a apeirokalia  - que consiste na ausência de experiência das coisas mais belas:  a alma que desde tenra idade, não fosse exposta à visão de exemplos concretos de beleza natural, artística, intelectual, espiritual e moral, tornar-se-ia  incapaz de conceber qualquer realidade mais alta que as suas percepções corriqueiras.

São Tomás de Aquino pôde harmonizar o pensamento de Aristóteles com o Cristianismo porque ambos se inseriam numa linha mestra do pensamento humano, que percorrendo a história, no fundo não é mais, que o simples senso comum do homem são que procura a verdade.

 Mas do mesmo modo que sempre existiu esse esforço contínuo, ao longo dos séculos, em direcção à verdade, sempre existiu também um esforço constante na direcção contrária - no sentido do erro – que, tornando-se numa verdadeira paixão, leva muitos a não suportarem, sequer, ouvir a verdade.

 E, se esta última tendência esteve  a algumas elites pervertidas, hoje, com as novas técnicas de manipulação em maça, impôs-se à escala global, sendo raros, actualmente, os que conseguem enxergar a realidade para além da bruma dos chavões que lhes são constantemente inculcados no espírito (ou no resta dele)  e que, paradoxalmente, tomam por pensamento próprio.

 Assim pode impôr-se no mundo uma moralidade invertida – o politicamente correcto – que contrariando os princípios mais básicos da Moral Natural deixaria o próprio Calígula horrorizado. Este, ao menos, sabia que estava a praticar o mal, embora persistisse em fazê-lo por crueldade desesperada. Hojes, a alienação é tal que se chega a defender convictamente o mal tomando-o por bem - caindo, assim, no pior dos pecados: o Pecado contra o Espírito Santo.

É contra esta vaga de deformação da capacidade de apreensão da estrutura da realidade que este trabalho se pretende, modestamente,  erguer.

 

Escrevi estas páginas pensando sobretudo nos meus filhos, Margarida e Gonçalo a quem, espero, sirvam de ajuda na procura da Verdade, do Bem, do Belo e do Real – dever primordial de todos os seres humanos, como seres racionais que são.

Se, como afirma S. Tomás, na sua Doutrina dos Transcendentais, o Ser, o Belo, o Bem e a Verdade, são uma e a mesma coisa vista de perspectivas diferentes,  a experiência do Belo (que, segundo os gregos antigos, afasta a apeirokalia) é, também a experiência do Bem, da Verdade, e o do Ser, ou seja, é a capacidade de apreender a Realidade e, portanto, de poder discernir imediatamente o que é falso, postiço e ilusório – capacidade, sem a qual, tudo o que possamos pensar vem a resultar errado.

Peço-lhes que, vencendo um mais que provável cepticismo inicial, encarem, ao menos, a leitura destas páginas como uma incursão intelectual aventurosa em territórios que, muito provavelmente, lhes serão desconhecidos.

Dedico este meu trabalho à Santíssima Virgem nossa Senhora, Sedes Sapientia, a quem pedi se dignasse conceder-me a Graça de iluminar o meu fraco entendimento e suprir as minhas inúmeras insuficiências, por forma a torna-lo de algum modo meritório.

 

João Faria de Morais

Aroeira, 8 de Dezembro- dia da Imaculada Conceição de Nossa Senhora - do Ano da Graça de NSJC de 2018

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

        

Ecclesia edixit doctrinam Thomae esse suam.[1]

S.S. Bento XV (Carta Encíclica Fausto aspettente die)

 

Ite ad Thomam[2].

S.S. Pio XI (Carta Encíclica Studiorum ducem)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

      

      I- PRÓLOGO   

 

Yo, por bien tengo, que cosas tan señaladas

…vengan a noticia de muchos

y no se entierren en la sepultura del olvido…[3]

     

A Moral Católica Tradicional e a Moral Natural Clássica (que se fundamenta na natureza das coisas), presentes em todos os manuais católicos de Ética e Teologia-moral anteriores ao concílio Vaticano II, distinguem-se das modernas teorias éticas, por se fundamentarem em princípios metafísicos Aristotélico-Tomísticos[4] (doravante, A-T).

 Tal como S. Tomás de Aquino e os Neo-escolásticos os entenderam, a Moral Católica Tradicional (doravante MCT) e a Moral Natural Clássica (doravante MNC) pressupõe a aceitação do Essencialismo.

 Segundo este, as substâncias naturais possuem essências, imanentes a si próprias que, sendo objectivamente reais (como defendem os clássicos), não resultam de invenções da mente humana, nem são meros artefactos de linguagem (como defendem os modernos).

Seria, por exemplo, da essência (forma substancial – na terminologia A-T) de um triângulo euclidiano ser uma figura plana, fechada, com três lados rectos, cuja soma dos respectivos ângulos internos perfizesse 180 graus. A essência dum triângulo, seria, assim, o conjunto das características que deveriam ser comuns a todos os triângulos, existentes ou não; o arquétipo para o qual todos os triângulos tenderiam; aquilo que nos faria dizer estarmos perante um triângulo[5]. Cada triângulo particular seria, uma dada exemplificação, instanciação, determinação, ou manifestação, melhor ou pior, da respectiva essência[6]. 

Contra o essencialismo, os pensadores modernos defenderam não acabar a nossa percepção sensitiva no objecto externo percepcionado mas sim numa nossa representação mental subjectiva desse mesmo objecto. Descartes (1596 -1650), nomeadamente, defendia que a maçã vermelha que, com todas as suas características sensitivas, vemos, existiria apenas na nossa mente; seria uma imagem subjectiva, uma fantasia que a humanidade erradamente sempre teria tomado pelo objecto real. Este filósofo, a quem devemos os fundamentos da ciência moderna, distinguia, assim, entre o objecto externo (res extensa) e sua representação mental subjectiva (res cogitans). A primeira seria apenas um aglomerado molecular; a segunda seria a maçã vermelha que, com todas as suas características e qualidades sensitivas, julgávamos ver. A primeira seria a maçã real, cujas qualidades primárias (figura, extensão, peso, movimento) eram mensuráveis e susceptíveis de ser trabalhadas matematicamente; a segunda, seria uma construção mental que nos levaria (erradamente, na sua opinião), através das suas qualidades secundárias (cor, cheiro, sabor, som e características tácteis), a associar essa maçã a todas as outras maçãs fazendo-nos crer na existência de uma essência comum a todas as maçãs.

Segundo estes pensadores, a percepção que temos da realidade através dos nossos sentidos não seria fiável, uma vez que também poderíamos ter igual percepção, que julgássemos real, numa miragem ou num sonho. A verdadeira realidade só seria perceptível indirectamente através da nossa actividade mental que, com a ajuda das ciências exactas, nos faria ver que um dado objecto não seria mais que um aglomerado de moléculas, separadas entre si por espaços vazios e sem nenhuma das qualidades sensíveis que usualmente lhe atribuímos. Daí a máxima Cartesiana cogito ergo sum – só através da nossa actividade mental poderíamos ter a certeza, até, da nossa própria existência.

Descartes, considerava assim, o pensamento lógico-matemático a modalidade suprema da inteligência humana, a única que podia apreender a res extensa com as suas qualidades primárias, mediante medições e comparações, e não pelos sentidos deixados a si próprios. 

Os termos da apreensão da realidade ficavam, no entanto, invertidos: tudo aquilo que nos objectos só podia ser capturado através do pensamento matemático, caracteristicamente mental, era chamado de matéria ou corpo, enquanto o verdadeiramente corporal que não podia ser conhecido pelo pensamento puro mas pelos cinco sentidos era rotulado de mental.

O mundo concebido por Descartes, era nem mais nem menos, um mundo às avessas.

Ora, foi esta mais que questionável doutrina cartesiana que, contrariando não só o bom senso mas também toda a tradição filosófica ocidental, especialmente a A-T, serviu desde o início de base de sustentação ao cientismo[7] e originou o chamado método científico, uma nova filosofia e toda uma nova forma de encarar o mundo.

Os primeiros pensadores modernos quiseram remover das coisas todas as suas qualidades sensíveis (qualidades secundárias) não mensuráveis[8] (que seriam fruto da referida conjectura mental subjectiva) abrindo caminho a uma ciência, que se pretendia objectiva, debruçada somente sobre os aspectos mensuráveis (qualidades primárias) da matéria e que prosseguisse unicamente a obtenção de resultados práticos (área onde, na realidade, foi muito bem sucedida) mas renunciando ao conhecimento último da realidade.

No entanto, desde o início foi patente que o cartesianismo trazia em si dificuldades insuperaveis. G.W. Leibniz, apesar de admirador das novas ideias, logo notou que a soma das qualidades primárias não bastava para produzir uma coisa, uma entidade real. Além de possuir figura, extensão, movimento e número (quantidade), o objecto precisava “ser” algo, possuir características definidoras internas que o diferenciassem como género e espécie dos demais objectos. Precisava em suma de possuir aquilo a que a velha escola A-T chamava forma substancial.

 Mas o deslumbramento geral com os sucessos técnicos alcançados, fez com que, ninguém, até ao século XX, se preocupasse em responder a esta objecção (e a outras) tanto mais que o novo método vinha, de nascença, imunizado automáticamente contra o exame sério dessas dificuldades na medida em que, por definição, limitava o seu campo de estudo à medição e comparação das referidas qualidades primárias; o exame da relação destas qualidades com as qualidades secundárias ou com o resto do universo era, a priori, eliminado. E como o novo método, propiciava um aumento da precisão matemática (uma vez que eliminava todas as variáveis que não fossem mensuráveis) fomentando automaticamente o progresso da tecnologia em todos os sectores da sua aplicação prática – na guerra, na indústria, na medicina, na agricultura, na administração, etc. – em pouco tempo as máquinas e equipamentos tinham mudado de tal forma a face da Terra que acabaram por dar uma aparência de credibilidade à concepção cartesiana do mundo. O que interessava era organizar matematicamente as aparências (fenómenos), de modo a poderem ser manipuladas tecnologicamente, produzindo repetidamente os efeitos desejados.

O seguinte texto do astrofísico inglês Sir Arthur Eddington é bem elucidativo quanto à natureza do novo método cientifico:

“Examinemos o tipo de conhecimento passível de ser alcançado pelas ciências exactas. Se nos debruçarmos sobre artigos científicos na área da física poderemos encontrar um problema deste género:

“Um elefante deslisa pela encosta duma colina…”.

 O cientista experiente sabe que a frase, em si, não tem grande relevância tendo sido escrita apenas para emprestar algum realismo ao tema. Para ele, essa frase, apenas significará: “A massa do elefante é de duas toneladas.” O elefante desaparece do problema e uma massa de duas toneladas toma o seu lugar. Mas, o que serão propriamente estas “duas toneladas” que constituem, no fundo, o cerne do problema? As “duas toneladas” referem-se a uma condição ou propriedade que ocorre no mundo exterior e que os cientistas vagamente descrevem como “ força da gravidade”. Mas o cientista não vai perder tempo a preocupar-se com esse tema porque para ele “a natureza do mundo exterior é inescrutável”: não vale a pena  “consumir os neurónios” a indagar o que significam “duas toneladas” pois tal procura só o iria mergulhar numa confusão de conceitos, para ele, indiscritíveis: que se dane o real significado da expressão “duas toneladas”; o que são? Como entraram, em definitivo na nossa experiencia? Não interessa! Para o cientista “duas toneladas” correspondem apenas à localização do ponteiro do mostrador da balança quando nela pomos o elefante.

“A inclinação da montanha é de 60º”. Agora, a encosta da colina desaparece do problema, substituída por um angulo de 60º. O que são 60º? Para o cientista não merece a pena defrontar-se com conceitos, para ele, “místicos” como o de “direcção”; 60º, corresponderão apenas à leitura da localização do fio-de-prumo sobre as divisões dum transferidor.

O mesmo se passará com os demais dados do problema: a fofa relva por onde o elefante desliza é substituída por um “coeficiente de atrito” que embora não sendo directamente determinado pela posição de um ponteiro é de natureza similar.

E, embora existam modos mais sofisticados de determinar o peso do elefante ou a inclinação da encosta, esses métodos só são válidos exactamente por atingirem resultados idênticos aos da “leitura da posição de ponteiros”.

Vemos, assim, que toda a rica complexidade e toda a (porque não dizê-lo) poesia do mundo exterior, desaparecem logo que começamos a aplicar seriamente o método das ciências exactas ficando-nos, no fim, a realidade reduzida a uma mera “leitura da posição de ponteiros”.

Mas, se apenas introduzimos, na “máquina de calcular científica”, “leituras de posições de ponteiros”, ou um seu equivalente, ainda que mais sofisticado, não podemos, necessariamente, esperar que ela nos dê mais que outras “leituras de posições de ponteiros”. E, é exactamente isso que ela nos dá!

No caso vertente, pretender-se-ia saber o tempo que o elefante demora a descer a encosta da colina; e a resposta seria dada pela “ leitura da posição dos ponteiros” no mostrador dum cronómetro.

O grande triunfo das ciências exactas, no problema em apresso, consistiu em estabelecer uma conexão numérica entre a “leitura da posição do ponteiro” da balança e a “leitura da posição dos ponteiros“ do cronómetro.

 E, se examinarmos criteriosamente outros problemas da física apercebemo-nos de que tudo se passa tipicamente do mesmo modo.

Tudo, nas ciências exactas, no fundo, se resume, à mera “leitura da posição de ponteiros”[9]

A chamada revolução científica do seculo XVII, mais não foi que o triunfo de um determinado ponto de vista filosófico (materialista, mecanicista e reducionista) com uma epistemologia (o empirismo) e procedimentos (o método científico) próprios.

Ao contrário da assumpção popular, a ciência moderna não é um modo de investigação da realidade, independente e neutro, desinteressado e moralmente descomprometido: mas sim um conjunto de disciplinas e técnicas que pressupõe determinadas assumpções metafísicas (materialistas) acerca da natureza da realidade: foram essas assumpções metafísicas materialistas que, considerando Deus uma hipótese obsoleta[10], determinaram o aparecimento do moderno método científico e não este que provou a verdade dessas assumpções.

O método científico não ocupa senão uma parcela ínfima do espaço abrangido pela razão humana e mesmo essa parcela não tem autonomia própria, pois depende de pressupostos lógicos, epistemológicos e metafísicos que estão infinitamente fora do seu alcance. Dar à ciência moderna o estatuto de representante única ou máxima da razão, é um absurdo.

Mas a nova mundivisão, com o concomitante descrédito da velha filosofia, ficou a dever o seu rápido sucesso, também, ao facto de ter servido que nem uma luva nas mãos de poderosos grupos sociais que, à época, procuravam impor-se. António Negri[11] acertou no essencial ao defender a tese de ter sido o cartesianismo um instrumento ideológico decisivo na ascensão da burguesia ao poder, uma vez que, para além dos progressos materiais e tecnológicos que veio a proporcionar, paradoxalmente criou também um terreno fértil para o aparecimento e ulterior prevalência das mais desvairadas ideologias pois que, não sendo fiável, segundo a nova filosofia, o conhecimento das coisas obtido por intermédio dos sentidos e sendo a realidade apreendida apenas indirectamente através das funções mentais, seguia-se que a realidade construída mentalmente por um qualquer grupo de iluminados e secundada por um qualquer grupo de interesses, poderia prevalecer sobre a percepção natural das coisas, comum a todos os simples mortais, doravante tida por preconceituosa e reaccionária.

  E, quem, confiado nos seus sentidos, no bom senso, no Direito e na moral tradicionais, quisesse gritar o rei vai nu teria de estar preparado para sofrer as consequências reservadas àqueles que ousassem opor-se ao inexorável devir histórico.

A realidade que sempre tinha sido aferida pela percepção sensorial das coisas (tal como ditava o senso comum e a tradição A-T) poderia agora ser substituída por teorias abstractas acerca desses mesmas coisas, procurando-se posteriormente fazer a realidade adaptar-se a essas teorias[12].

Por esse motivo, Chesterton disse que, desde o advento do mundo moderno, no século XVI, todos os novos sistemas de filosofia não tinham nenhuma correspondência com o sentido comum da realidade do homem comum, ou seja, não tinham qualquer ligação com o que os homens comuns chamariam senso comum se fossem deixados entregues a si próprios. Para aderir a tais sistemas era forçoso ter de se acreditar em alguma coisa que nenhum homem acreditaria, se lha pusessem repentinamente diante da sua simplicidade: que a lei está acima do direito e o direito fora da razão, ou que as coisas não são como as percepcionamos mas apenas como as pensamos, ou que tudo é relativo a uma realidade que ninguém, a não ser o criador daquele particular sistema, vê: O filósofo moderno afiança, como uma espécie de vendedor da banha da cobra, que se acreditarmos no inacreditável, tudo o resto será fácil e que endireitará o mundo se, por uma vez que seja, lhe permitirmos dar aquela única torcedura à realidade que ele defende[13]

Uma das características essenciais dos pensadores modernos, que os distingue radicalmente de todos os seus antecessores, é a sua propensão para só, construirem teorias cujo principal objectivo é o de serem fácilmente vulgarizaveis, tirando todo o seu prestígio “intelectual” precisamente desse facto: ao afastarem-se do pensamento A -T, aqueles pensadores, perderam a fé na possibilidade de conhecimento da verdade e passaram a procurar, apenas, estar em consonância com o espírito da época. A grande maioria desses “filósofos” e escritores são louvados, hoje, não porque tenham descoberto, ou expressado melhor, alguma verdade ou valor essencial, mas apenas porque expressaram com seu erros e mentiras, as aspirações mais loucas e abjectas do “seu tempo”.

 Figuras como, Maquiavel, Diderot, Marx, Freud e Darwin, não teriam hoje em dia um só admirador se não fosse por esse facto: seriam lidos, quando muito, como documentos históricos dum passado desprezível.

O traço comum das suas teorias é a ambiguidade  intrínseca. Nada afirmam de muito claro, desdizem-se a cada passo, esquivam-se com agilidade diabólica à confrontação com os factos e, quando encostadas à parede por uma objecção demolidora, mudam o significado do que afirmaram com a maior das facilidades, exultando porque o adversário nada provou contra o que não disseram.

O darwinismo, por exemplo, começou como uma teoria do design inteligente através da qual Darwin tentava demostrar a lógica duma intencionaliade divina por de trás das múltiplas formas naturais. Hoje opõe-se radicalmente a todo o design inteligente, sem que nenhum darwinista se divesse dado ao trabalho de explicar como é que duas teorias simétricamente opostas continuam a ser a mesma teoria.

A psicanálise, então, tem tantas versões que o que quer que se diga contra uma,  pode ser sempre aproveitada como argumento a favor de outra, de tal forma que os ganhos obtidos revertem sempre em favor do Dr. Freud.

Mas o Marxismo é, com toda a certeza, a teoria mais capaz de explorar em proveito próprio tudo o que o desminta. Tudo o que afirma já vem desde a origem em duas versões, uma que diz sim, outra que diz não: e, é bom de ver,  qualquer das duas versões que, em dado momento, saia vencedora, aumentará enormemente o crédito da teoria marxista.

 Sendo um esforço para reprimir a inteligência teórica  e substituí-la pela persuação rectórica com vista à transformação do mundo, as filosofias modernas, representam a abdicação dos deveres da inteligência pessoal em troca da submissão a ilusões colectivas que, à força de serem repetidas, passam a ser consideradas verdades criadoras duma realidade alternativa, mutável segundo as conveniências do momento. E, é precisamente essa facilidade duma teoria se converter no seu contrário que hoje é louvada como prova do seu alto mérito intelectual: o que importa, dizem, não é a veracidade mas a fecundidade.

A duplicidade diabólica é bem uma característica comum a todas as construções ideológicas modernas.

A visão puramente mecânica do universo - o reducionismo físico - que reconduz os corpos ao puramente geométrico e mensurável é, pois, necessariamente incompatível com a visão clássica, religiosa do mundo, como Criação e Manifestação de Deus.

Foi esta constatação que levou Jean Borella, um iminente filósofo francês do século passado, a afirmar que “a Igreja Católica (nestes últimos séculos) tem sido confrontada com o mais formidável problema que uma religião pode enfrentar: a destruição pela ciência moderna do universo das formas substanciais(essências) das coisas que lhe permitiam expressar-se e manifestar-se, ou seja, que lhe permitiam existir. Essa destruição foi levada a cabo pela física galileana, não porque tenha, como geralmente se crê, privado o homem da sua posição central no universo – uma vez que, já antes, S. Tomás afirmava ser tal posição cosmologicamente inferior e menos nobre – mas porque reduziu os corpos ao puramente geométrico (mensurável) fazendo, numa penada, cientificamente impossível (ou destituído de sentido) que o mundo pudesse ser um meio da manifestação de Deus. A capacidade Teofânica do mundo foi assim negada[14].

A redução dos corpos ao puramente mensurável, retirando às coisas as suas qualidades sensíveis através das quais as formas substanciais (essências) se manifestavam, impossibilitou a concepção do mundo como teofania, uma vez que seriam exactamente essas formas substanciais que - sendo arquétipos eternos, previamente existentes na mente divina - se reflectiriam no plano corporal da existência, fazendo a ponte entre Deus e o universo. Para a mundivião relogiosa todos factos e todos os entes seriam fenómenos, aparecimentos, determinações — de alguma coisa: seriam manifestações, exteriorizações ou exemplificações das essências ou possibilidades, contidas eternamente na Inteligência Divina. Os filósofos antigos contemplavam assim as coisas, sub specie æternitatis, (à luz da eternidade); procuravam nelas a sua significação eterna, superior à aparência fenoménica e transitória. Esta contemplação conferia a essas coisas, uma dignidade, uma realidade e consistência ontológica superiores.

A nova mentalidade, cientificamente formatada, tornou progressivamente, os seres humanos, insensíveis a estas realidades, reduzindo a “capacidade teofânica do mundo” a um nível sem precedentes na História e destruindo assim as bases da vida espiritual que permitiam à Igreja expressar-se e manifestar-se… que lhe permitiam existir.[15]

Num mundo composto só de matéria e forças aleatórias, a religião passava a não ser  mais que um reconfortante, mas ilusório, conto de fadas, o amor não mais que o resultado duma química corporal, a arte não mais que um surto de reflexos condicionados, e os mais altos voos dos filósofos e dos poetas não mais que compensações racionais de trivialidades infantis. Tudo não passaria de epifenómenos resultantes de forças aleatórias e sem sentido. 

 

A MNC/MCT pressupõe também a aceitação do teleologismo de acordo com o qual as operações e processos, característicos das substâncias naturais, são dirigidos inerentemente a determinados fins ou resultados, em função da sua própria natureza e não em virtude de um fim extrínseco, imposto do exterior.

O fim duma determinada coisa seria o resultado (ou gama de resultados) para os quais ela demonstrasse ter maior propensão, em comparação com outros eventuais resultados possíveis: v.g. a água teria como fim (entre outros) evaporar-se, formar nuvens, condensar-se dando origem à chuva etc.; em contraste, não teria propensão para se incendiar. Segundo os clássicos este fim (ou teleologia) seria inerente, à estrutura constitutiva, à própria essência das coisas. Assim, todas as substâncias no universo - mesmo as inertes - teriam uma intencionalidade (mesmo que inconsciente) que lhes adviria da sua própria essência.

Ou seja, a MCT /MNC estavam estreitamente ligadas às chamadas Causas Formais e Causas Finais da Tradição A-T, causas estas rejeitadas liminarmente pela filosofia pós-cartesiana (que apenas se debruça sobre as Causas materiais e as Causas eficientes).

Com efeito, classicamente, a explicação cabal de uma determinada coisa, implicava a indagação das suas quatro causas: A Causa Formal, a Causa Material, a Causa Eficiente e a Causa Final.

Tomemos o exemplo de uma bola de borracha: a sua causa material seria a porção de borracha de que fosse feita; a causa formal seria o conjunto das características que aquela porção de borracha tomasse para que pudesse ser uma bola - esfericidade, elasticidade, eventualmente a cor vermelha, etc.; a causa eficiente seria a técnica pela qual tivesse sido feita – v.g numa fábrica; a causa final seria o fim para o qual a bola fosse concebida - para jogar à bola, para as crianças se divertirem, etc.

Para os pensadores modernos só existiriam causas materiais e causas eficientes, sendo as causas formais e finais, para eles, meras efabulações da mente humana.

No entanto, S. Tomás, na esteira de Aristóteles, considerava  a causa final, a causa das causas partino da constatação de que era precisamente  ela que dava sentido às outras três causas:

 (i) a causa material é a causa que encerra  o potencial de mudança (potência) duma dada coisa; mas uma potencialidade é sempre uma potencialidade em direcção a algo (v.g., a água tem o potencial de se transformar em vapor) e portanto a causa final está subjacente a toda a potência e, logo a toda a matéria.

(ii) a causa formal duma determinada coisa é, por sua vez, determinada pela sua causa final, porque é sómente por ter um determinado fim (uma determinada causa final) que essa coisa tem a forma substancial que tem - o coração tem ventrículos e aurículas (forma substâncial) em função do seu fim (da sua causa final), bombear sangue.

(iii) a causa eficiente é o meio ( a técnica) através do qual uma dada coisa vem a existir,  aquilo que  actualiza  um dado potencial  para, e, por isso,  está estreitamente relacionada com a causa final  não podem existir causas eficientes sem causas finais; aquelas não fazem qualquer sentido sem estas.[16]

Os pensadores modernos adoptaram, portanto, uma concepção passiva e mecanicista da natureza, segundo a qual as coisas seriam desprovidas de naturezas imanentes, de formas substanciais e de teleologia ou fins inerentes à sua própria substancia; existiriam apenas, no seu ponto de vista, leis que determinariam do exterior o comportamento dessas mesmas substâncias.

Num artigo publicado em 1948, intitulado Man against Darkness o filósofo W. T. Stace escrevia:

O verdadeiro ponto de viragem da idade média crente para a idade moderna secularista deu-se quando os cientistas do seculo XVII voltaram as costas às, até então chamadas, causas finais, cuja descoberta não tinha sido obra do cristianismo, mas cuja noção era essencial para o conjunto da civilização ocidental, tanto no antigo mundo pagão como na cristandade, desde Sócrates até ao dealbar da ciência moderna no século XVII.

E fizeram-no na presunção de que a procura dos fins era inútil para aquilo que a ciência moderna pretendia: a previsão e controlo dos fenómenos.

A ideia de que o mundo estava impregnado de intencionalidade passou a ser ignorada e até reprovada.

Tal facto, embora silencioso e quase totalmente inapercebido, consubstanciou a maior revolução da história da humanidade; muito mais importante que a mais importante das revoluções políticas.

O mundo, de acordo com este novo quadro, ficou sem objectivo, sem sentido, sem significado. A natureza passou a não ser mais que matéria em movimento. O movimento da matéria, por sua vez, passou a não ser dirigido por qualquer propósito, mas antes por forças e leis cegas.

Mas, se toda a trama das coisas for sem sentido e sem significado, então a vida do homem também será sem sentido e sem significado. Se tudo for fútil então todos os esforços, no fundo, serão fúteis e inúteis. O homem poderá ainda perseguir alguns fins contingentes – v.g., dinheiro, poder, uma carreira profissional, fama, arte ou ciência - e deles obter algum prazer, mas no âmago a vida ficará vazia. Daí a insatisfação, a inquietude, o desapontamento, o cansaço - numa palavra, o espírito do homem moderno.

Com a ruína da visão religiosa do mundo veio a ruína dos princípios morais e, na realidade, de todos os valores - veio o niilismo

 Se as regras morais não têm uma origem que nos seja exterior - na natureza das coisas, em Deus ou no próprio universo – então elas serão, somente, criações nossas; não passarão de expressões das nossas eventuais preferências, e estas são notoriamente contingentes: então a moral torna-se relativa.

 

Chegados a este ponto é bom realçar, com S. Tomás, que é de suma importância ter a noção de que o modo como vemos o mundo é determinante para a fé que professamos:

defender, no que diz respeito às verdades da nossa Fé, que o que se pensa sobre a Criação não tem importância desde que se tenha uma exacta concepção de Deus, é absolutamente falso; porque uma falsa concepção da Criação dá forçosamente origem a uma falsa concepção de Deus”[17].

 Se a nossa imagem espontânea ou científica do mundo físico se afastar muito ou contradisser o conteúdo da nossa fé, mais tarde ou mais cedo essa fé ficará reduzida a abstracções e metáforas sem conteúdo material.

Se, mesmo que inconscientemente, olharmos o mundo através das lentes das assumpções metafísicas que subjazem ao pensamento científico moderno será metafisicamente impossível[18] professar racionalmente a fé cristã - e ninguém pode servir a dois senhores[19]

É, exactamente por esse motivo que, a maioria das pessoas, nos nossos dias, pelo menos no ocidente, são, em termos meramente humanos, dificilmente convertíveis à verdadeira Fé cristã: porque lhes têm sido inculcadas desde o berço, e ao longo de várias gerações, determinadas assumpções metafísicas acerca da estrutura da realidade, que se habituaram aprioristicamente a tomar por verdadeiras, sem nunca se darem ao esforço de as analisar, e que, tendo-se tornado chavões unanime e acefalamente repetidos, criaram uma aparência de verdade profundamente incompatível com uma aceitação racional da visão religiosa do mundo.

 Sem, primeiro, se perceber a falsidade e perversidade dessas assumpções, a visão religiosa clássica do mundo só poderá ser aceite através duma fé cega, ao arrepio da razão, ao estilo da que é exigida pelo Islão e pelas seitas protestantes.

Mas, como vimos, a mundividência moderna não resultou, do progresso da ciência, mas tão-somente de assumpções metafísicas aprioristicamente assumidas como verdadeiras, pelos pensadores modernos:

A versão histórica comummente aceite conta que, tendo os heróicos pioneiros da ciência moderna descoberto que a religião era fundada apenas numa fé cega (numa crendice), tornava-se necessário libertar a ciência e a filosofia dessa influência irracional, eliminando-a da vida pública e reorientar os povos, até mesmo na sua vida privada, para a procura exclusiva de melhores condições de vida neste mundo, em vez de perderem tempo a preocupar-se com uma ilusória vida futura.

No entanto, o que de facto aconteceu foi o inverso: a religião não foi rejeitada porque a ciência tivesse provado a sua irracionalidade, mas, antes, para justificar o seu afastamento, a religião foi falsamente acusada de se sustentar apenas numa fé cega.

 Mais precisamente, o desejo de focar a vida da humanidade apenas neste mundo e afastar a influência da Igreja, levou os primeiros pensadores modernos a abandonar as categorias filosóficas tradicionais, redefinindo o método científico que, direccionado em exclusivo para o aspecto material e técnico das coisas (para as causas formais e eficientes), impossibilitou que a razão pudesse servir de suporte à religião como até então tinha sido entendido[20].

Mas, se se fizer um esforço para conhecer e entender correctamente a Tradição Filosófica Clássica, representada por Platão, Aristóteles, Santo Agostinho e São Tomás e tantos outros – e não as caricaturas ridículas em que, actualmente, até os filósofos profissionais, se baseiam – tornar-se-á evidente quão fortes e racionais os seus argumentos são, e tornar-se-á claro como, só à sua luz, é possível atribuir sentido à religião, à moral, à razão e até à própria noção de realidade.

 Do mesmo passo, tornar-se-á patente o quão contingentes e refutáveis são as assumpções filosóficas pós-cartesianas que a maioria dos pensadores modernos (e todos os secularistas), tomam por dados adquiridos[21]; e perceber-se-á claramente como, à sua luz, a simples possibilidade de existência da religião, da moral e da razão se torna profundamente problemática.

 

As consequências da revolução cartesiana foram trágicas. O abandono das causas formais e finais levou à menorização do Homem (já não visto como um ser feito há imagem e semelhança de Deus e possuidor duma alma imortal- sua causa formal - tendo por fim o conhecimento da Verdade - sua causa final - mas apenas como um produto acidental, sem sentido, de forças cegas e da selecção natural) determinou o aparecimento das ideologias mais nefastas da história da humanidade, com suas trágicas realizações: o marxismo, o nacional-socialismo e – embora mais subtil e sedutor – o liberalismo ocidental moderno.

E, quer a visão reducionista, cartesiana e darwiniana, do mundo, seja imposta à bruta por um Estaline ou um Hitler, ou subtil e suavemente pelas democracias liberais modernas, os seres humanos, são em qualquer dos casos, entendidos como meros conglomerados de átomos e forças mecânicas, frutos da evolução da matéria e do acaso.

Esta visão do homem, além de repulsiva e desumanizante, conduziu, no ocidente, a uma quase total inversão da moral tradicional, até há poucos anos dada como adquirida pela vasta maioria da humanidade[22].

Se o mundo, nas palavras de J W Dunne[23], passava a ser nada mais que uma vasta antecâmara da extinção eterna, preenchida constantemente por novas gerações de condenados sem esperança, o único objectivo racionalmente aceitável seria procurar tornar a curta estadia nesse corredor da morte o mais agradável possível, tornando a procura hedónica e egoísta da satisfação dos desejos próprios, em a lei universal.

Mas, a moral clássica, inata e espontânea no ser humano - porque inscrita na natureza das coisas –, não era susceptível de ser facilmente afastada. A nova ordem moral, que não passa duma ilusão, dum wishful thinking, teve de ser coercivamente incorporada nas crenças, práticas e leis dos novos estados ateus e totalitários - URSS, China comunista, Alemanha nazi e sociedades liberais ocidentais - pela imposição do politicamente correcto.

Nelas, os cidadãos foram não só encorajados a esquecer a moral natural clássica, mas também forçados a ignorá-la. Foram compelidos a viver (a pensar e a acreditar) que a satisfação dos seus desejos (sobretudo sexuais) era o valor primordial duma vida que com a morte, acabava, na extinção absoluta.

A conquista da inteligência teórica foi o cume de um processo de personalização e de libertação da consciência pessoal, iniciado com a filosofia grega e completado pelo cristianismo; mas foi, exactamente, contra o exercício dessa consciência pessoal que, desde o renascimento, os nostálgicos das antigas religiões pagãs, de índole colectivista, estatizante e gnóstica, levantaram o seu ódio, o qual passou a inspirar, desde então, todo o pensamento ocidental[24]procurando instaurar, em todos os seres humanos, novos reflexos, novos sentimentos, novas crenças que vieram a constituir, no essencial, a cultura pós- cristã – ou, melhor, anti-cristã – dos nossos dias.

Ora, o Estado moderno, desde os seus primórdios, reflectindo as mudanças profundas na concepção da natureza ocorridas após do Renascimento, procurou investir-se de autoridade espiritual substituindo-se à Igreja, restaurando o culto de César, banindo deste mundo a liberdade interior que é, propriamente, o Reino de Cristo e tentando recuperar para César o que é de Cristo.

 Essa intenção é geralmente associada ao comunismo. Mas, na realidade, foi abraçada pelas três formas do Estado moderno: comunista, nazifascista e liberal. As três procuraram com igual afinco substituir-se à Igreja na condução espiritual dos povos:

A primeira, pela violência física e psicológica, proibindo cultos, fuzilando religiosos, institucionalizando nas escolas o ensino do ateísmo, fechando templos, nomeando cardeais subservientes para ludibriar os poucos fiéis restantes.

 A segunda, de maneira ainda mais ostensiva, pelo culto obrigatório da Nação e do Estado.

 Mas, o Estado liberal, que professa nominalmente a liberdade religiosa, é dos três o mais eficiente no combate à religião visto que as massas, embora tendo conservado sua fé religiosa sob a opressão nazifascista e comunista, facilmente cederam ao apelo das novas éticas disseminadas pela, propaganda, pela indústria do espectáculo e pelo discurso dominante nas modernas democracias, abandonando, além da religião, até mesmo os preceitos mais óbvios da moral natural:

 Exercendo livremente seus inalienáveis direitos humanos sob a protecção do Estado democrático, as mulheres que praticam nos EUA um milhão e meio de abortos por ano, rapidamente  superarão as taxas de genocídio germano-soviéticas.

 Muito mais eficiente do que a tirania de Hitler e Stalin é o regime que, legalizando, protegendo e insentivando todas as exigências tirânicas e egolátricas de cada ser humano, produz milhões de pequenos Stalins e Hitlers.

 Por outro lado, para compensar o desequilíbrio que a libertação desenfreada dos desejos possa causar, o Estado neoliberal astuciosamente produz novos códigos repressivos que, descarregando a reacção violenta do superego em alvos moralmente inócuos (o fumo, os beijos roubados, os piropos de rua, o machismo, o vocabulário corrente, as piadas), dão um Ersatz de satisfação ao impulso natural da moralidade humana, impedindo-o de reagir frontalmente contra a impostura generalizada e obrigatória.

 Uma sociedade, com efeito, que pune um olhar de desejo e dá protecção policial ao assassinato de bebés nos ventres das mães é, de facto, a mais requintada monstruosidade moral que a humanidade já conheceu.

Ainda, por cima, o Estado neoliberal não o faz por meios ditatoriais, mas com o apoio e até por exigência dos eleitores no pleno gozo de seu direito de exigir e legislar. Estando,  acima de todos, sem nada impor, o Estado moderno apenas se limita a regular sabiamente os conflitos de interesses, que, excitados até à exasperação pelo estímulação incessante do espírito reivindicativo, só se tornam governáveis mediante o nivelamento por baixo e a instauração da moral invertida do politicamente correcto.

Todas as novas reivindicações, suscitadas por grupos de activistas para o efeito régiamente subsidiados, resultam novas leis, de cada nova lei novas extensões da burocracia governamental, fiscal e judiciária  e, assim, passo a passo, movido pela dialéctica infernal do reivindicacionismo, o Estado, sem deixar de ostentar o prestígio do mito democrático, acaba por se imiscuir em todos os sectores da vida humana, por regulamentar, fiscalizar e punir até mesmo olhares, risos e pensamentos[25].

 E, a partir do momento em que passa a regular a vida interior dos indivíduos, eis que o Estado neoliberal, enfim, se instaura como suprema autoridade espiritual, moral e religiosa, reinando sobre as almas e as consciências com o novo Decálogo dos direitos humanos e do politicamente correcto.

A expansão do olhar fiscalizador do Estado (e da intelligentzia) para o domínio  da esfera privada das pessoas e famílias, tem como uma de suas mais graves consequências a redução da diferença entre o moral e o jurídico diferença que, resguardando da intromissão oficial áreas vitais do comportamento humano, sempre foi uma das garantias básicas da liberdade civil.

 Até há umas décadas atrás, um sujeito que tentasse fumar num espasso fechado atrairia sobre si a desaprovação da esposa, dos filhos e demais circunstantes, perante tamanha  manifestação de incivilidade - um castigo moral infligido espontaneamente pela comunidade que sendo proporcional à falta cometida, era mais do que suficiente para fazer justiça. Quando, ao castigo moral, se soma porém a sanção penal e administrativa, o caso passou da esfera ética para a jurídica - e o Estado, a pretexto de proteger a saúde, na verdade o que faz é usurpar uma das funções básicas da comunidade, que é a de fiscalizar a conduta moral de seus membros.

O Estado torna-se cada vez mais o mediador de todas as relações humanas, mesmo as espontâneas e informais - um galanteio, um olhar, a simples descortesia de acender um cigarro num ambiente fechado.

Uma prova de que a intromissão do Estado visa menos a proteger as supostas vítimas de abusos do que suprimir as velhas formas de associação, é que as novas leis destinadas a proteger e promover esses direitos dão sistemática preferência às reivindicações que separam os homens ao arrepio daquelas que os unem.

 A protecção oficial ao aborto, por exemplo, faz da mulher uma unidade autónoma, que decide ter ou não ter filhos sem a menor necessidade de consultar o marido. A procriação deixa de ser uma decisão familiar, para tornar-se um assunto, em separado, entre a mulher e o Estado: o divide ut regnes invade o quarto nupcial.

O Estado utiliza as reivindicações de autonomia dos indivíduos - reivindicações particularmente fortes nos jovens, nas mulheres, nos discriminados, nos ressentidos de todo tipo -, como um engodo para os prender na armadilha da pior das tiranias.

Libertando os homens de seus vínculos com a família, a paróquia, o bairro, protegendo-os sob a imensa rede de serviços públicos que os livra da necessidade de recorrer à ajuda de parentes e amigos, oferecendo-lhes o engodo de uma garantia jurídica contra os preconceitos, antipatias, sentimentos e até olhares de seus semelhantes - uma garantia jurídica contra a vida, em suma -, o Estado na verdade divide-os, isola-os e enfraquece-os, cultivando as susceptibilidades neuróticas que os infantilizam, tornando-lhes impossível, por um lado, criar ligações verdadeiras uns com os outros, e, por outro, sobreviver sem o amparo estatal e a ajuda de funcionários especializados do Estado.

 Niveladas todas as diferenças, cada ser humano transforma-se numa unidade abstracta e amorfa, o “cidadão”, nem homem nem mulher, nem criança nem adulto, nem jovem nem velho, cuja soma compõe a massa atomística dos protegidos do Estado - tanto mais inermes e impotentes quanto mais inchados de direitos e garantias.

 Daí o fenómeno alarmante da adolescência prolongada que se traduz na existência de hordas de cidadãos, biológica e legalmente adultos, devidamente empregados e no gozo de seus direitos, mas incapazes de assumir qualquer responsabilidade pessoal nas ligações mais íntimas; perpetuamente à espera que alguém faça algo por eles; cheios de autopiedade e indiferentes aos sofrimentos alheios; sempre trocando de namoradas, de amigos, de terapeutas, de planos e objectivos de vida, com a leviana desenvoltura de quem troca de camisa.

 Se o alvo a abater de todas as campanhas de protecção dos direitos é sempre o macho adulto heterossexual, tal não ocorre por acaso nem por mera birra feminista, mas por uma exigência intrínseca da dialéctica do poder: numa sociedade onde qualquer cidadão pertencente a esse grupo é estigmatizado como um virtual espancador de mulheres e violador de crianças, não espanta que ninguém queira amadurecer para nele ingressar e prefiram permanecer adolescentes e, pelo menos,  sexualmente indecisos - uma condição sine qua non para a dissolução dos caracteres no caldo entrópico da cidadania.

 Caminha-se, assim, para uma sociedade onde já não haverá diferença entre adultos e crianças, pois todos serão menores de idade; onde já não haverá pais e filhos - somente a multidão inumerável dos órfãos de todas as idades, reunidos num imenso colégio interno sob a tutela do Estado tutor, cada um com o título reluzente de cidadão[26].

 E a situação assim criada terá o dom de se auto-multiplicar: após ter infantilizado os cidadãos, o Estado alegará a deficiência de seu juízo moral para interferir cada vez mais nas suas decisões privadas.

A ideia da existência duma aliança natural entre a família  o Estado liberal é um mito. O Estado só foi protector da família enquanto teve de atender às pressões dos poderes sociais tradicionais, como a Igreja e os remanescentes da aristocracia. Mal se livrou desses aliados incómodos, passou a ser não o protector da família mas o protector do divórcio, do aborto e do sexo livre.

 E, isto, porque a família e todas as instituições tradicionais - religião, círculos de amizade, lideranças, hierarquias e lealdades territoriais – são, por natureza, os mais fortes oponentes da autoridade estatal, que diluiem numa hierarquia de poderes sociais diferenciados e numa complexa rede de associações informais. A sociedade moderna caminha decisivamente para a destruição desses poderes intermédios e das associações humanas que os sustentam, de modo que o indivíduo fique sem qualquer conexão orgânica à sua volta, impotente e solitário na selva do mercado livre, e ligado directamente apenas ao Estado.[27]

O número assombroso de indivíduos que, na Europa e nos EUA, vivem sem família, sem amigos, sem outra relação humana excepto com os funcionários da previdência social, é a mais triste demonstração desse facto. Esse exército de solitários é consequência inevitável de uma criminosamente absurda luta pelos direitos humanos.

Os agrupamentos de activistas que se dedicam à reivindicação de novos direitos, chefiados geralmente por pseudo-intelectuais mentecaptos, nunca se dão conta de que as suas conquistas são obtidas à custa dum aumento exponencial do poder estatal, do definhamento das relações humanas, da extinção de todas as virtudes morais básicas que tornam a vida digna de ser vivida.

A prova mais contundente, do que acabamos de dizer, é a proliferação desenfreada de novas de altas autoridades, observatórios, assessores, departamentos governamentais, tribunais especializados, etc. que se segue a cada nova proclamação de direitos: uns, para as mulheres, outros para os menores, outros para os gays e os transgenders, outros para as vítimas de violência doméstica e crimes de ódio, outros para, os refugiados, as minorias étnicas, os deficientes, os loucos, os gordos, os vesgos e, talvez um dia, para os alentejanos…

 Nenhuma avaliação credivel da relação custo-benefício deixará de demonstrar que, em cada um desses casos, a protecção que essas entidades recém- criadas darão aos novos direitos é apenas uma possibilidade teórica, ao passo que a inflação do poder estatal é o resultado imediato, líquido e certo de sua mera existência.

 E, é claro, essas entidades terão de ser financiadas por todos aqueles que, jamais tendo abusado de uma donzela, de um menor de idade ou de quem quer que seja, pagarão para ver sua autoridade familiar contestada por funcionariozinhos semilanalfabetos  e arrogantes, imbuídos da missão de proteger, em princípio, todas as crianças contra todos os pais e todas as mulheres contra todos os homens.

 E quando se verificar enfim que todo esse crescimento canceroso da burocracia não diminuiu em nada as violências que lhe servem de pretexto, o Estado verá nesse facto um óptimo pretexto para verberar a irresponsabilidade moral dos cidadãos e justificar a criação de mais e mais órgãos policiais, judiciais, assistenciais e assim por diante.

 O Estado moderno fomenta a irresponsabilidade moral para de se poder alimentar dela.

A concepção iluminista do Estado leigo, com todas as doces promessas que trouxe à humanidade, trazia em si, desde a sua génese, a marca genética do monopólio estatal sobre sentido da vida: acima das religiões, acima das consciências individuais, é ao Estado que cabe, sob as bênçãos da intelectualidade dirigir o processo de modernização, portanto determinar o sentido da vida colectiva, os valores e critérios morais, o certo e o errado, o verdadeiro e o falso.

Seja na social-democracia, seja no neoliberalismo, Ex Status nemo salvatur: fora do Estado não há salvação.

E, esta é a única questão que, hoje, verdadeiramente importa para o destino do mundo: estaremos condenados, inapelavelmente, a viver sob a religião de César? César irá fatalmente tomar conta do que é de Cristo?

Simultaneamente o Estado moderno  pretende impor, na esteira do pensamento neomarxista de Gramsci e da Escola de Frankfurt - para os quais o inimigo a abater não é apenas o capitalismo mas toda a civilização judaico-cristã -, uma nova disposição mental, que predisponha os homens a considerar, implicitamente, todo o pensamento antigo, obsoleto e mera expressão subjectiva de um tempo que passou, subvertendo, assim, todos os critérios do conhecimento e instaurando em seu lugar um historicismo absoluto, no qual a função da inteligência e da cultura já não será captar a verdade objectiva, mas apenas "expressar" a convicção colectiva do momento, colocada fora e acima da distinção entre verdadeiro e falso. Essa convicção, não sendo objectivamente válida, mas apenas expressão dos novos tempos, já não será passível de confronto com as ideias antigas para dirimir quais as correctas e quais as erradas.

O critério de veracidade será substituído pelo de actualidade e como todas as épocas são actuais para si mesmas, cada uma constituirá uma unidade fechada, cujas ideias apenas serão válidas subjectivamente para si próprias. Aristóteles teria ideias do seu tempo e nós, as do nosso tempo, não sendo comparáveis porque, cada um, está encerrado na sua própria época. Gerar-se-á assim na esfera das ideias, uma espécie de revolução permanente de todas as categorias de pensamento sucedendo-se numa aceleração vertiginosa do devir histórico. Uma teoria, por exemplo, não deverá ser aceite por ser verdadeira, nem rejeitada por ser falsa, mas dela só se exigirá uma única e decisiva coisa: que seja "expressiva" do seu momento histórico.

 A dimensão tempo será assim absolutizada num mundo onde estará ausente qualquer noção de permanência; a mente humana tornar-se-á incapaz de captar tudo o que, para além da vida vulgar, aponte para o universal; o empírico, o imediato, a preocupação prática[28], tornar-se-ão o limite máximo da visão humana, num mundo pequeno e claustrofóbico.

 Desaparecendo o sentido da eternidade e da universalidade desaparecerá, o sentido da verdade e a capacidade humana de distinguir o bem do mal, substituída por um sentimento colectivo de adequação ao nosso tempo. A capacidade humana de discriminar entre o verdadeiro e o falso de distinguir o real e do ilusório – criada pela filosofia grega e desenvovida pelo cristianismo -  passará a ser tida por preconceituosa, passando a combater-se por todos os meios a autoconsciência reflexiva e crítica pela qual o ser humano é capaz de se sobrepor às ilusões colectivas e julgar o seu tempo.

 Fechado na prisão do seu momento histórico, o indivíduo não será capaz de ver para além de si próprio, de exercer a sua inteligência autónoma, de ter razão contra a opinião maioritária, os ventos da história ou as ilusões decretadas pelo poder.

Com a depreciação da consciência individual, virá, necessariamente, a negação da evidência intuitiva como base para julgar a verdade. Daí a necessidade da criação de um novo critério de determinação da verdade que passará a ser aquele que a elite detentora do sentido da história determinar.

E a história, para os revolucionários vai no sentido dos amanhãs que cantam da sociedade do bem-estar e da igualdade universais, do paraíso terrestre que, qual cenoura adiante do burro, desde a revolução francesa, tem mantido a humanidade esfalfada atrás do comboio da História, perseguindo uma miragem, numa aceleração contínua do devir, que nunca chegando a parte alguma, acaba por ser o único objectivo da vida, reduzida a um acumular de experiencias e momentos atomísticos, num eterno fluxo de impressões que acaba por varrer a inteligência da face da Terra, ao suprimir as condições que possibilitam o seu exercício: a autonomia da inteligência individual e a fé na busca da verdade[29].

No limite, a elite vanguardista terá, apenas de guiar hordas de imbecis para quem a verdade é a mentira, e a mentira a verdade, porque ao cidadãozinho do universo global, amputado das suas raizes histórico-culturais e linguísticas, das suas referências religiosas e do seu senso de tradição nacional, só restam três eixos de orientação na vida: seus impulsos corporais imediatos, a repetição acéfala de slogans e chavões que paradoxalmente chamará o seu “a “pensamento crítico”, e por fim o espírito da horda, do rebanho tangido por um big-brother omnipresente e invisível.

 

O problema com a disseminaçãos destas ideias como emblemas obrigatórios de mentalidade progressista e espírito democrático que só um fascista ousaria contrariar não é somente que sejam falsas. É que, uma vez aceites, destroem para sempre, no seu portador, a capacidade de aprendizagem. Quando alguém diz que a verdade é sempre relativa, ou mutável com o tempo, está automaticamente a abolir a diferença entre o absoluto e o relativo, sem a qual tudo o que vier a afirmar não fará qualquer sentido. E, se se acostuma a pensar dessa maneira, nunca mais poderá aprender nada, pois aprender algo é assimilá-lo como verdade e incorporá-lo para sempre no seu modo de ser - operação que se torna impossível a partir do momento em que alguém se convence de que toda a afirmação vale tanto como a sua contrária.

 Pior ainda, uma vez abolida a possibilidade da certeza intelectual, só resta, para substitui-la, o investimento emocional, a reiteração histérica de algo em que não se acredita seriamente. Com isso, automaticamente, todo conhecimento se reduz a simulação de conhecimento, e cada informação retida na memória traz consigo a sua própria negação, isto é, o seu esquecimento.O dano intelectual que esse processo traz é vasto, profundo e, na maior parte dos casos, irreparável.[30]

 

As “ordas de imbecis” adquiriram, hoje, dimensões globais e incluiem, desde o Concílio Vaticano II, a própria hierarquia da Igreja que,  com o famigerado aggiornamento, tentou acompanhar os “ventos da história” e pretendeu alcançar a quadratura do círculo ao conciliar a Doutrina, a Ética e a Moral católicas com o pensamento pós cartesiano. Na verdade, privando aquelas dos seus fundamentos A-T - que lhes conferiam racionalidade e objectividade - mais não conseguiu que torná-las indefensáveis, acabando por se submeter ao novo decálogo do politicamente correcto.

É, nossa intenção demonstrar nestas páginas que, ao inverso do que se crença actual e do que os secularistas e até prelados modernistas proclamam, só a visão religiosa clássica ocidental do mundo é racional, moral e sã; pelo contrário, a mundividência secularística moderna é profundamente, irracional, imoral e perversa. 

Na verdade, aqueles que, contra mundus, persistem na defesa dos princípios morais e religiosos tradicionais estão justificados: continuando a acreditar no que os sentidos lhes dizem, no senso comum inscrito nas almas por Deus, na Lei Natural e na Lei Divina, no quod semper, quod ubique, quod ab omnibus credita est,[31] mesmo não estando conscientes das razões profundas que fundamentam as suas crenças, são efectivamente sãos.

Pelo contrário, os que deixando-se seduzir pelas últimas construções ideológicas (possivelmente geniais), duvidam do que os seus sentidos e o bom senso lhes dizem, tentando construir um paraíso terrestre contrário à Lei Natural e à Lei de Deus são verdadeiramente loucos.[32]

Debruçar-nos-emos nestas páginas, sobre, a inversão moral que necessariamente teria de decorrer da revolução cartesiana, focando-nos, como exemplo paradigmático, na Moral Sexual e, mais especificamente, na revolução sexual iniciada nos anos 60 do século passado, relembrando os fundamentos A-T da Moral Sexual Tradicional e procurando mostrar, a propósito, como é metafisicamente impossível fundamentar racionalmente qualquer sistema ético e moral partindo das modernas premissas materialistas e demonstrando a falsidade e perversidade das assumpções metafísicas que subjazem ao liberalismo sexual moderno:

 Inicialmente, exporemos as razões pelas quais a MCT/ MNC sempre atribui grande relevância, dentro da ética em geral, à moral sexual em particular, motivo justificativo para a grande atenção dedicada, nestas páginas, a tal assunto.

Seguidamente, exporemos os fundamentos A-T da Moral Sexual Tradicional, mostrando como tais fundamentos decorrem necessariamente da natureza das coisas (da realidade) e conferindo-lhe objectividade, racionalidade e imperatividade.

Debruçar-nos-emos, depois, sobre os efeitos a nível pessoal e social da rejeição da moral sexual tradicional.

Falaremos, ainda, da Consequência sub specie aeternitatis dessa rejeição e da consequente inversão moral.

Por fim, realçaremos a necessidade premente dum retorno à boa Filosofia e à boa Doutrina como única forma possível de restaurar a Res publica Christiana.

 

 

II- DA IMPORTÂNCIA DA MORAL SEXUAL[33]

 

O grande benefício que podemos obter da leitura dos autores clássicos

 é chegarmos à conclusão de que nós, os modernos, estamos errados.[34]

 

Logo após a revolução sexual dos anos sessenta do século passado, tornou-se comum a ideia de que o sexo, “sendo uma função natural do organismo humano”, não levantaria especiais questões éticas.

 São habituais desde então (mesmo entre representantes da hierarquia da Igreja) afirmações, que procurando banalizar (“desdramatizar”) as questões sexuais, pretendem diminuir a sua relevância moral, insinuando, do mesmo passo, que a MCT/MNC lhe atribuiria uma importância exagerada.

Tomemos de exemplo, Richard Dawnkins, um conhecido prosélito do Novo Ateísmo, que, no seu livro The God Delusion, possivelmente com o intuito de se tornar um novo Moisés, propôs a substituição dos Dez Mandamentos por um novo decálogo liberal, onde avulta o seguinte preceito:

 Goza a tua vida sexual (desde que não prejudiques ninguém) e deixa os outros gozarem a sua em privado, quaisquer que sejam as suas inclinações, uma vez que tal não é da tua conta.[35]

Por sua vez, o Filósofo de Ética Peter Singer, no seu livro Practical Ethics, afirmou:

  A tomada de decisões, no que diz respeito ao sexo, pode envolver considerações de honestidade, preocupações pelos outros, prudência, etc. mas não levanta questões especiais a nível ético uma vez que o mesmo se poderia dizer àcerca das decisões sobre o modo de guiar um carro.

Dar-nos-emos por satisfeitos se, no fim da leitura do presente texto, ficarem claras as razões pelas quais, declarações deste tipo, são das coisas mais imbecis e criminosas que se podem proferir em matéria de ética e moral sexual.

Que o sexo tem uma especial relevância moral – na realidade uma tremenda relevância moral – é patentemente óbvio.

 É exactamente por essa razão que todas as religiões do mundo, todos os grandes pensadores, de Platão a S. Agostinho, de S. Tomás de Aquino a Kant e Freud, atribuíram ao sexo um superlativo significado moral.

 Não é preciso concordar com os ensinamentos de qualquer dessas religiões ou pensadores para se perceber o tremendo significado moral do sexo. Nem será necessário ter uma posição definida em relação a assuntos controversos como o aborto, o sexo fora do casamento, a homossexualidade, a contracepção, etc., para se tornar claro esse significado moral.

 Pelo contrário, difícil é não o ver: é preciso, cegueira ideológica, desonestidade e desleixo intelectual e obtusidade moral – ou, tudo isto, simultaneamente.

Existem pelo menos três aspectos que conferem ao sexo um especial significado moral:

1. O sexo é o meio através do qual novos seres humanos vêm ao mundo.

 A forma como tratamos os outros em matéria de vida e morte tem, óbvia relevância moral. Com efeito, a ética debruça-se principalmente (se não exclusivamente) sobre a forma como tratamos os outros. Logo, sendo o sexo a maneira através da qual novos seres são formados, é evidente a sua relevância moral. Acresce que temos especial responsabilidade moral em relação aos nossos familiares mais próximos, especialmente as crianças; e os novos seres humanos que trazemos à luz através do sexo são precisamente os nossos próprios filhos. Sendo assim, o sexo reveste-se dum enorme significado moral.

Algumas pessoas argumentarão que os novos seres humanos não são trazidos à existência directamente através do sexo. Por exemplo, os defensores do aborto dirão que os fetos não são verdadeiros seres humanos mas apenas potenciais seres humanos. Naturalmente que não concordamos com esta posição: os embriões e os fetos não são seres humanos em potência; pelo contrário, são seres humanos, mas seres humanos que ainda não desenvolveram todas as suas potencialidades. Mas esta questão não é essencial para o ponto que estamos a demonstrar. Mesmo os defensores do aborto admitem que este levanta problemas morais uma vez que os embriões e os fetos, como eles afirmam, são seres humanos em potência duma forma que mais nada é (v.g.um óvulo não fertilizado, um cão, etc.), pois têm uma tendência natural e única para se tornarem em novos seres humanos. Ora, estes seres humanos em potência surgem precisamente através do sexo. Logo o sexo tem pelo menos uma conexão única, mesmo se indirecta, com a geração de novos seres humanos. Se abortar estes seres humanos em potência levanta problemas morais então o sexo é fortemente relevante em termos morais.

Claro que entre os defensores do aborto existem vários pontos de vista sobre a importância das questões morais levantadas por tal prática. Alguns admitem que o aborto é lamentável e deveria ser raro ainda que permitido. Outros, nem estão demasiado preocupados que seja raro. Mas mesmo estes admitem que se torna necessária uma vasta argumentação para tentar legitimar moralmente o aborto. Ora, se o sexo não existisse, a questão do aborto nem se colocaria. Logo, se o aborto levanta sérias questões morais, o sexo é necessariamente relevante em termos morais.

Na verdade, a maioria dos abortos visa precisamente evitar a especial responsabilidade moral que o nascimento de novos seres humanos acarreta.

Até os defensores do aborto terão de admitir que um comportamento que nos pode levar a ter de escolher entre abortar ou ter de assumir uma especial responsabilidade moral por um novo ser humano, é em si um comportamento de especial relevância moral.

Poder-se-á argumentar que das relações sexuais nem sempre resultam novos seres humanos e que existem outras formas de criar novos seres humanos, nomeadamente a inseminação artificial ou a clonagem. Mas a verdade é que o sexo e a geração de novos seres humanos estão correlacionados duma forma única uma vez que a função biológica do sexo é exactamente gerar novos seres.

O sexo, mesmo que o encaremos de um ponto de vista reducionista de análise das funções biológicas, só existe precisamente por causa da sua função reprodutiva. E, as outras formas referidas de fazer surgir novos seres, são relativamente raras (inseminação artificial) ou meramente teóricas (clonagem) e são basicamente parasitárias do modo normal de reprodução - as relações sexuais. É apenas por as pessoas se reproduzirem através do sexo que é possível interferir nos processos biológicos correspondentes por forma a gerar novos seres duma forma idiossincrática.

Atentemos na seguinte analogia. Aqueles que dizem não ter o sexo especial relevância moral defenderão, no entanto, que as armas, ao contrario de outros utensílios, levantam sérios problemas morais, atendendo aos específicos perigos que acarretam para a vida humana. E isto apesar de a maioria das vezes que se usam armas não ocorrerem mortes e de a maioria das mortes não resultarem do uso de armas. No entanto as armas têm uma especial propensão para matar e como tal é forçoso tomar todas as precauções ao usá-las, facto que levanta específicas questões morais e legais.

 Ora, seguindo a mesma linha de raciocínio, também o sexo tem especial propensão para gerar novos seres humanos o que é suficiente para que se revista de especial relevância moral, apesar de nem todas as relações sexuais gerarem novos seres humanos e de nem todos os novos seres humanos resultarem de relações sexuais.

 

2. O sexo é o meio pelo qual nos tornamos completos enquanto homem e mulher.

É evidente que os órgãos sexuais de um ser humano, necessitam dos órgãos sexuais de outro ser humano, para poderem cumprir as suas funções biológicas. Neste sentido poder-se -á afirmar que somos incompletos sem sexo.

 Mas, não se trata de mera fisiologia. Durante um período significativo das suas vidas a, grande maioria das pessoas sentir-se-á frustrada e incompleta se não puder ter uma relação romântica (que naturalmente envolverá sexo) com outra pessoa.

 A psicologia humana (como defenderemos mais à frente neste trabalho), tal como a fisiologia humana, apontam para outro ser humano do sexo oposto, como forma de atingir a sua completude. 

Existem, no entanto, excepções. Há pessoas que evitam este tipo de relações por estarem vocacionadas para algo de mais elevado - o sacerdócio ou a vida religiosa. Exactamente por se tratar de um bem mais elevado é que tais pessoas conseguem ultrapassar a frustração que naturalmente resulta da ausência de relações com alguém do sexo oposto. Existem, também, pessoas que simplesmente não têm qualquer desejo romântico ou sexual. Mas comummente um ser humano típico sentir-se-á frustrado e incompleto se não conseguir ter um relacionamento romântico e sexual com outro ser humano do sexo oposto.

Claro que, do ponto de vista da MCT/MNT as relações sexuais só deverão ocorrer no contexto de um casamento com alguém do sexo oposto (e não, apenas, com outra pessoa em abstracto). O livro do Genesis descreve a nossa incompletude sexual duma forma decididamente heterossexual. Debruçar-nos-emos sobre este ponto mais á frente, neste trabalho.

Por agora queremos apenas realçar que não ser bem-sucedido em termos românticos e sexuais, pode ser não apenas frustrante mas afectar o sentido de valia própria, uma vez que pode ser entendido como prova da incapacidade pessoal para atrair e satisfazer um amante. Por essa razão, menosprezar as capacidades atractivas, os sentimentos românticos, os avanços e performances sexuais de alguém, é algo considerado especialmente cruel e humilhante.

 A existência de uma componente sexual em qualquer infortúnio torna-o muito mais difícil de suportar. O adultério é considerado uma traição muito mais grave que uma simples quebra de contrato. A violação ou o abuso de menores são considerados muito mais traumatizantes que qualquer outra ofensa física. A exposição pública de vícios sexuais é considerada muito mais humilhante que a exposição de outro tipo de vícios.

Ou seja, é patente que as pessoas consideram haver muito em jogo no que ao sexo diz respeito; consideram o sucesso a nível sexual importante para a sua felicidade e, pelo contrário, o fracasso nesse domínio uma fonte de sofrimento.

 Sendo assim é simplesmente ridículo dizer que o sexo “não tem especial relevância moral”.

 Atendendo à sua importância intrínseca e à que lhe é atribuída comummente, é evidente que as pessoas podem causar grande mal a si próprias, ou aos outros, em função do seu comportamento sexual.

 

3. O sexo é a área da vida humana em que o nosso lado animal mais contraria o lado racional da nossa natureza.

O prazer sexual é o mais intenso dos prazeres. E isto acontece, na natureza, porque o sexo é necessário para a geração de novos seres, mas a geração de novos seres impõe-nos, a nós humanos, enormes sacrifícios e responsabilidades que, só relutantemente, estamos dispostos a aceitar. A natureza tornou o sexo extremamente agradável para que mesmo assim sejamos levados a ter relações sexuais, apesar destas poderem gerar novos seres pelos quais nos deveremos responsabilizar.

 Por outro, lado as relações sexuais são também a forma física e emocional de consumarmos intimamente as relações românticas tão necessárias, como vimos, para colmatar a nossa incompletude enquanto homem e mulher, facto este que acarreta um outro tipo de prazer que potencia o que, a um nível meramente animal, é já de si extremamente agradável.

Não é, pois, de estranhar que a procura deste tipo de prazer nos leve a cometer toda a espécie irracionalidades. Por apenas alguns momentos de prazer sexual, muitas pessoas estão dispostas a arriscar a sua reputação, a sua carreira, romper casamentos e destruir famílias. Uma paixão romântica ou meramente sexual poderá impedir-nos de perceber que determinada pessoa não é a mais indicada para ser nosso cônjuge e pai ou mãe dos nossos filhos. Os ciúmes de cariz romântico ou sexual poderão levar-nos a espiar e perseguir o objecto da nossa paixão e no limite a assassiná-lo. A procura do prazer sexual ou romântico pode tornar-se obsessiva tornando as pessoas promíscuas, ou viciadas em pornografia, ou com tendência para fantasias românticas excessivas estando constantemente a apaixonar-se e a desapaixonar-se. E, claro, que todos nós já vivemos situações em que a procura do amor romântico ou sexual nos leva a praticar actos que de outra forma consideraríamos sumamente ridículos como, tentativas inconsideradas de impressionar a pessoa por quem nos sentimos atraídos, avanços sexuais intempestivos etc.

Mas o sexo pode ainda fazer-nos actuar irracionalmente duma outra forma. Algumas pessoas podem ficar tão amedrontadas com as irracionalidades que o desejo sexual nos pode levar a cometer que, reagindo exageradamente, têm uma atitude demasiadamente púdica em relação a qualquer prazer sexual, caindo no extremo oposto. Podem chegar a pensar que todo o prazer sexual é por natureza suspeito e a evitá-lo, mesmo no quadro do casamento, inquietando-se constantemente, cheios de escrúpulos, com qualquer desejo ou acto sexual que tenham praticado, julgando-os pecaminosos.

Não será preciso estar de acordo com o Direito Natural Tradicional para nos apercebermos que tudo o que acabámos de dizer dissemos procede simplesmente do senso comum.

As pessoas que defendem não haver qualquer problema específico em relação ao sexo, são elas próprias, o exemplo acabado da tendência para a irracionalidade que o sexo suscita uma vez que este tipo de declarações constitui tipicamente uma tentativa de racionalizar ou desculpar um comportamento sexual que, apesar de ser considerado imoral, o próprio quer continuar a manter[36].

A susceptibilidade que o sexo tem para obscurecer as nossas capacidades racionais é, pois, mais um facto que demonstra a sua óbvia relevância moral.

 

 

 

 

 

 

 

III – GETTING REAL

 

 

O fim da Filosofia não é saber o que os filósofos pensam

 mas compreender o que as coisas são.[37]

 

 

Os argumentos apresentados pelos filósofos e teólogos modernos contra a MCT/MNC são inúmeros mas têm origem numa compreensão errada das bases A-T que a sustentam e na tendência para a interpretar à luz de assumpções metafísicas pós- cartesianas.

A objecção mais comummente avançada é a de que a MCT/DNC cometeria a, assim chamada, Falácia Naturalística em virtude de não levar em conta a distinção facto/valor[38].

Já David Hume, um dos pais do pensamento moderno, defendia não ser possível tirar conclusões sobre o dever (declarações de valor) a partir de premissas concernentes ao ser (declarações de facto).

 Acontece, no entanto, que, do ponto de vista A-T, a distinção facto/valor não faz qualquer sentido uma vez que, segundo esse ponto de vista, não é possível existir uma discrição puramente factual da realidade, isenta de qualquer valoração, uma vez que o valor faz parte da estrutura dos factos.

 A separação facto/valor só é concebível no quadro duma visão mecanicista da natureza, num mundo desprovido de essências e fins naturais, tal como foi aprioristicamente assumida pelos filósofos modernos.

 Pelo contrário, partindo da concepção do mundo A-T, do essencialismo e do teleologismo, tal separação não existe e como tal não se cometerá qualquer falácia ao inferir-se de premissas puramente factuais, conclusões normativas[39].

Um exemplo muito simples ajudará a esclarecer este ponto:

É da essência, da natureza ou da forma de um triângulo euclidiano ser uma figura plana, fechada, com três lados rectos, cuja soma dos respectivos ângulos internos perfaz 180 graus.

 Estamos, aqui, perante factos objectivos que os seres humanos se limitaram a descobrir e não perante algo que tivéssemos inventado. Dificilmente se poderá defender opinião contrária.

 No entanto, é patente que existem triângulos que não apresentam todas estas características. Um triangulo apressadamente desenhado numa superfície rugosa por uma criança pode não chegar a ser completamente fechado ou ter lados que não são completamente rectos e, como tal a soma dos seus ângulos internos pode não perfazer exactamente os 180 graus. Na verdade, até mesmo um triângulo desenhado com todo o cuidado, com régua e caneta próprias, não deixará de ter algum defeito ainda que imperceptível a olho nu.

 Mas, este último, ter-se-ia aproximado muito mais da essência dos triângulos (da triangularidade) do que o primeiro; seria um melhor triângulo; seria, na terminologia A-T, uma melhor determinação da triangularidade.

Instintiva e naturalmente, descreveríamos o último como um bom triângulo e o primeiro como um mau triângulo. Este julgamento seria completamente objectivo. Seria descabido dizer que estávamos a ser preconceituosos ou a manifestar uma preferência pessoal por triângulos com paredes rectas cuja soma dos ângulos internos perfizesse 180 graus, ou a discriminar os triângulos com paredes tortas e ângulos por fechar; e certamente não constituiria uma falácia fazer juízos de valor sobre a maldade ou bondade dos triângulos com base nos factos ligados à essência desses mesmos triângulos.  

Na verdade, este juízo de valor decorre necessariamente da essência dos triângulos uma vez que quanto mais uma determinação duma dada essência (no caso vertente a triangularidade) se aproximar dessa mesma essência, melhor será essa determinação – objectivamente.

Este exemplo mostra-nos como uma determinação defeituosa de uma dada essência não deixa de ser uma determinação (má) dessa mesma essência (um triângulo mal desenhado não deixa de ser, um triângulo – ainda que defeituoso).

Mas, serve também para evidenciar como é possível estabelecer um critério objectivo e factual para determinar o que seja o bem, o mal, o melhor e o pior.

O critério assim estabelecido não será ainda de natureza moral. Mas, do ponto de vista A-T, constitui uma noção geral de bem, da qual o bem moral, sendo um caso particular, pode decorrer.

 Alargando o campo da argumentação, refira-se que vários filósofos modernos, não tomistas, mas defensores, no campo da Ética, de posições neo-aristotélicas, evidenciaram o facto de os seres vivos fornecerem inúmeros exemplos que corroboram a existência duma concepção objectiva de bem.

Realçaram nomeadamente o facto de os seres vivos só poderem ser adequadamente descritos segundo Categorias Aristotélicas, do tipo:

 Es são Cs,

 em que E se refere a uma espécie e C a uma característica dessa espécie,  nomeadamente: os coelhos são herbívoros, ou os gatos têm quatro patas ou, ainda, os seres humanos têm trinta e dois dentes.

Note-se que a proposição os gatos têm quatro pernas não está a afirmar que existe pelo menos um gato que tem quatro pernas, mas também não afirma que todos os gatos têm quatro pernas, dado que um determinado gato pode eventualmente ter apenas três pernas devido a um acidente ou defeito genético.

As Categorias Aristotélicas dão-nos, assim, normas do mesmo tipo da que é dada pela noção de triângulo (pela triangularidade).

Um dado ser vivo é apenas uma determinação da sua espécie (como um dado triangulo é apenas uma determinação da triangularidade) e essa espécie só pode ser descrita através de Categorias Aristotélicas referentes às suas características.

Se um dado E não é C (se um dado gato não tem quatro patas) isso não quer dizer que os Es não são Cs (que os gatos não têm quatro patas) mas apenas que esse dado E é uma determinação defeituosa de E (ou seja, que é um gato defeituoso).

 Nos seres vivos estas normas estão indissociavelmente ligadas à ideia de teleologia (de fim, de objectivo): existem determinados fins que um dado organismo tem de prosseguir para que possa prosperar como o tipo de organismo que é; fins, esses, ligados à sua preservação, ao seu desenvolvimento, à sua reprodução, à sua capacidade de protecção dos seus descendentes, etc..

Estes fins estabelecem um critério de bem.

Por exemplo, uma árvore que desenvolva raízes longas que lhe permitam melhor absorver os nutrientes e estar melhor alicerçada ao solo, é neste sentido uma árvore boa enquanto uma que tenha raízes pequenas será uma árvore; uma leoa que alimente as suas crias é uma boa leoa enquanto uma que as abandone será uma leoa, etc..

Tal como no caso do triângulo seria absurdo defender que estes juízos de valor (de descriminação do que é bom ou mau) são subjectivos e preconceituosos, ou que reflectem uma preferência pessoal, ou ainda, que as inferências que a esses juízos conduzem constituem uma falácia naturalística.

Na verdade, esses juízos de valor decorrem de factos objectivos acerca uma dada determinação (florescente ou defeituosa), duma dada espécie biológica, factos esses ligados à capacidade dessa determinação realizar os fins intrínsecos à sua natureza.

Sendo assim, estes factos estão desde a origem inerentemente impregnados de valor.

 A bondade duma determinação florescente duma espécie biológica é uma bondade natural – tal bondade está na natureza das coisas e não nos nossos juízos de valor subjectivos.

Isto, que é verdade para os animais em geral, também o é para os seres humanos em particular: tal como os animais irracionais também nós temos fins inerentes à nossa natureza que determinam o que é bom para nós.

Por essa razão, S. Tomás de Aquino nos diz que todas as coisas para as quais o ser humano tem uma inclinação natural são por ele apercebidas como sendo naturalmente boas[40].

É crucial entender o significado e a força que S. Tomás atribui à expressão inclinação natural. Inclinação, não quer significar necessariamente algo conscientemente desejado, nem algo psicologicamente enraizado ou geneticamente determinado.

O que S. Tomás tem em mente é antes a teleologia natural das nossas capacidades, ou seja, a inclinação das mesmas em ordem à prossecução de certos fins inerentes à nossa natureza humana.

Frequentemente existe uma correlação estreita entre o que a natureza quer de nós e os nossos desejos. A natureza quer que nos alimentemos para continuarmos vivos e tendencialmente, temos vontade de comer; como somos animais sociais, a natureza quer que evitemos prejudicar o nosso semelhante e geralmente procuramos não o fazer; e por aí adiante. Mas, simultaneamente existem pessoas (como os anorécticos e os bulímicos) que desenvolvem uma forte vontade de não se alimentarem o suficiente, ou para se alimentarem em excesso; e algumas pessoas têm inclinação para prejudicar os outros e são verdadeiros sociopatas.

 Ou seja, os nossos desejos são, comummente, a forma de a natureza nos levar a fazer aquilo que é melhor para nós. Mas como tudo o mais na ordem natural, esses desejos estão sujeitos a imperfeições e distorções.

 Assim, se a maior parte das vezes os nossos desejos tendem a estar de acordo com os propósitos da natureza, nalguns casos particulares tal coincidência pode não se verificar.

Um vício arreigado, a pressão social, a irracionalidade, uma doença mental, etc., podem deformar os nossos desejos subjectivos de forma a desviar-nos do que a natureza pretende - do que é bom para nós.

 Um defeito genético pode ter o mesmo efeito: assim como pode provocar -chato ou miopia, também pode provocar deformidades psicológicas ou comportamentais.

Recordemos que, para o Tomismo, o termo natural está relacionado com as causas finais que são inerentes às coisas em função da sua essência; causas finais, essas que existem independentemente de virem a ser realizadas e independentemente da existência duma vontade consciente para as realizar.

Sendo assim, aquilo que é genuinamente bom (naturalmente bom) para alguém pode ser algo que esse alguém conscientemente não queira, como acontece quando as crianças se recusam comer vegetais, ou quando um drogado está convencido de que não é bom parar de se drogar.

Para a MCT/MNC, saber o que é verdadeiramente bom para nós próprios implica, pois, adoptar, um ponto de vista objectivo, como o que teria uma terceira pessoa que observasse do exterior, e não um ponto de vista subjectivo

 Trata-se de apurar o que preenche a nossa natureza e não de seguir os nossos desejos contingentes.

A propósito, S. Tomás de Aquino identifica três categorias de bens inerentes à natureza humana:

Primeiro, temos os bens vegetativos, que partilhamos com todos os seres vivos, como a preservação da vida. 

Em segundo lugar, os bens sensoriais e locomotores, que são especificamente comuns aos animais, como mover-se pelo mundo, cumprir as suas funções sexuais e criar os filhos que resultaram dessas relações.

Em terceiro lugar, os bens que são peculiares a nós, animais racionais, como saber a verdade sobre Deus, viver em sociedade, rejeitar a ignorância e evitar ofender os que nos são próximos[41].

Estes bens estão ordenados segundo uma hierarquia correspondente à hierarquia tradicional Aristotélica dos seres vivos: as formas de vida vegetativa, sensorial e racional, respectivamente.

Os bens superiores pressupõem a existência dos bens inferiores. Por exemplo, não é possível procurarmos a Verdade sem antes sermos capazes de assegurar a nossa própria sobrevivência.

E os bens inferiores estão subordinados aos superiores no sentido em que os primeiros existem em função dos últimos: o objectivo de prosseguir os aspectos vegetativos e sensoriais da nossa natureza é, em última análise, criar condições para prosseguir o aspecto racional, específico da natureza humana.

Ora, uma vez determinados estes bens naturais é fácil estabelecer a sua ligação com a MCT/MNC, porque estes bens têm para nós, seres humanos, forte significado moral uma vez que, ao contrário dos outros animais, somos capazes de intelectualmente captar o que é bom e livremente escolher prossegui-lo, ou não.

S. Tomás de Aquino sustenta, assim, que o Princípio fundamental do Direito Natural é que o bem deve ser prosseguido e o mal deve ser evitado. Todos os outros preceitos da Lei Natural se baseariam nele.

E, a metafisica A-T do “naturalmente bom”, atrás explanada, ao afirmar que a nossa razão prática está ordenada a atingir um determinado fim natural - que deverá ser o fim que o nosso intelecto aperceba como bom - ajuda-nos a entender porque aquele princípio de S. Tomás está correcto:

Como foi dito, os seres humanos, tal como todas as coisas na natureza, têm determinadas capacidades e fins cuja realização é, para eles, boa e cuja frustração é, para eles, má - objectivamente.

Assim sendo, um intelecto racional, ciente desse facto, concluirá forçosamente que é bom prosseguir esses fins e é mau frustrá-los. Uma pessoa racional procurará, assim, prosseguir e não frustrar os fins que são inerentes à sua natureza.

Ou seja, a razão prática está dirigida à prossecução daquilo que o intelecto apercebe como bom; e aquilo que é de facto (objectivamente) bom é a persecução dos fins inerentes à natureza humana. Assim, uma pessoa racional, correctamente informada, há-de prosseguir esses fins e direccionará as suas acções por forma a alcançá-los.

E, nesse sentido, uma boa acção será aquela que esteja de acordo com a razão[42].

À pergunta, porque devemos fazer o bem? S. Tomás dá, então, uma resposta óbvia: porque é racional.

 Porque ser racional é prosseguir o bem, ou seja, os fins que nos foram estabelecidos pela natureza.

Toda a Ética baseada no Direito Natural Clássico, como teoria moral substantiva, resume-se à formulação de princípios morais gerais com base na análise das diferentes capacidades e fins do ser humano e na sistematização das suas implicações.

Por exemplo: se considerarmos que o ser humano tem um intelecto e que a função ou o fim do intelecto é captar a verdade das coisas, segue-se que, para o ser humano, é bom (está de acordo com a sua natureza, é racional) procurar a verdade e evitar o erro. Um ser racional, aperceber-se-á que, dada a sua natureza, será bom fazê-lo e procurará a verdade e evitará o erro.

O mesmo será verdade para todas as outras capacidades humanas naturais.

Evidentemente que, na prática, as coisas serão bem mais complicadas, do que esta síntese dá a entender. Várias qualificações e complicações terão de ser esclarecidas ao analisar-se detalhadamente cada uma das específicas capacidades humanas naturais e nem todos os princípios morais que decorrem desta análise serão necessariamente tão simples e directos como prosseguir a verdade e evitar o erro.

Mas, o que até agora foi dito, será suficiente para dar uma ideia geral de como a natureza das coisas determina o conteúdo específico das nossas obrigações morais e faz com que que os imperativos éticos e morais tenham força categórica e não meramente hipotética.

O conteúdo e a força obrigatória das nossas obrigações éticas e morais decorrem, assim, da teleologia natural inerente à natureza humana.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

IV- A MORAL SEXUAL TRADICIONAL É NATURAL RACIONAL E SÃ.

 

Quanto mais me é dado conhecer o Cristianismo mais me convenço que as regras que estabeleceu se destinam a permitir que as coisas boas possam prosperar à vontade.

(G.K. Chesterton )

 

 

Para se poder aplicar a MCT/MNC à ética sexual devemos começar por identificar os fins para os quais as nossas capacidades sexuais estão dirigidas. Pois se o que é bom para nós, seres humanos, é a realização dos fins inerentes à nossa natureza, então o que para nós é bom a nível sexual só pode ser aquilo que leve à realização dos fins para os quais as nossas faculdades sexuais estão dirigidas.

Para S. Tomás de Aquino e outros teóricos da MCT/MNC ser-se um ser humano é ser-se um animal racional.

Tal, implicará que os fins vegetativos, sensoriais, locomotores e vegetativos (de satisfação das necessidades corporais) que determinam o que é bom para os animais irracionais também, em parte, determinam o que é bom para nós.

O facto de sermos racionais implica, no entanto, termos fins específicos ligados ao intelecto e à vontade.

Como os outros animais, para nos desenvolvermos temos de ingerir nutrientes, passar por um processo de crescimento desde a concepção até à maturidade, reproduzirmo-nos e movermo-nos pelo mundo em resposta a impulsos interiores e a informações exteriores que captamos através dos órgãos dos sentidos.

Mas, a um nível superior, temos de exercer as nossas capacidades racionais, formando conceitos abstractos, juntando-os por forma a fazermos juízos e racionalizando-os através das leis da lógica, por forma a tomarmos decisões.

Ora estas actividades racionais de carácter superior não são apenas bens que nos diferenciam dos animais não racionais; elas também alteram a natureza dos bens inferiores.

Por exemplo, tanto um cão como um homem podem ter uma percepção visual de uma árvore. Mas há um elemento conceptual na percepção visual normal de um ser humano que não está presente na de um cão.

 Um cão percepciona a árvore, mas não o faz de forma a conceptualizá-la como árvore, fazendo um juízo do tipo: aquela árvore é um carvalho; ou inferindo da presença da árvore e do facto de ela ser um carvalho que está perante um carvalho.

No homem, o elemento animal sensorial é fundido com o elemento racional, formando uma unidade.

Desta forma, embora a percepção seja um bem tanto dos animais irracionais como dos seres humanos, no nosso caso a sua conjugação com a nossa racionalidade transforma a percepção num bem diferente e de ordem superior inatingível para animais irracionais.

Os bens inferiores, que partilhamos com os animais irracionais, conjugando-se com a nossa racionalidade, alteram-se radicalmente.

Por isso, uma refeição não é mera nutrição mas tem um significado cultural e social; por isso os jogos têm uma dimensão social e um conteúdo conceptual que as brincadeiras dos outros mamíferos não são capazes de atingir, etc..

As nossas capacidades sexuais não são diferentes, e exactamente por isso têm não só um fim reprodutivo mas também um fim unitivo, que são inseparáveis.

Comecemos por considerar o fim reprodutivo:

 É incontroverso que, do ponto de vista puramente biológico, o sexo existe apenas para fins reprodutivos.

Isto é verdadeiro mesmo que as pessoas tenham relações sexuais por outras razões que não a procriação, porque o que está em causa são os fins da natureza e não os nossos fins subjectivos.

Mesmo sabendo que o sexo dá prazer e que os seres humanos e os animais irracionais o procuram exactamente por dar prazer, aquela afirmação não deixa de ser verdadeira porque dar prazer não é o fim para o qual o sexo foi criado, para o qual existe nos animais.

O prazer proporcionado pelo sexo tem o seu fim natural próprio o qual é levar os animais a terem relações sexuais para assim se reproduzirem.

Situação paralela acontece com a alimentação:

Embora o acto de nos alimentarmos dê prazer, o fim biológico da alimentação não é dar-nos prazer mas antes fornecer-nos os nutrientes de que necessitamos para sobreviver. O prazer associado à nutrição é apenas a maneira da natureza nos levar a ingerir alimentos.

Se, ao analisar o significado biológico do sexo e da nutrição, puséssemos a tónica no prazer estaríamos, por assim dizer, a pôr a carroça à frente dos bois.

O prazer, em ambos os casos, tem a sua função. Mas é secundária.

Ora, a natureza fez com que fosse difícil ter sexo sem procriação: ao nascer ninguém trás um preservativo no pénis nem um diafragma na vagina. Foi necessário algum engenho para congeminar tais dispositivos que ainda hoje não são especialmente eficazes. A experiência diz-nos que maioria das pessoas acha as relações sexuais bem mais agradáveis quando tais dispositivos não são usados mesmo sabendo que o seu fim é evitar a gravidez. Na realidade, é esta a razão por que a gravidez (mesmo quando terminada abruptamente por meio de aborto) é tão frequente em sociedades onde a contracepção é de fácil acesso: as pessoas apesar de poderem facilmente obter preservativos acabam frequentemente por praticar sexo “desprotegido”.

  Tal facto mostra que o desejo sexual ocorre com facilidade e frequência e pode ser tão absorvente que se torna muito difícil resistir-lhe mesmo por um curto período de tempo.

Mesmo com o advento da “pílula”, as gravidezes (e os abortos) são frequentes porque, além daquela não ser 100% eficaz, o seu uso eficiente exige que a mulher a tome sem falhas, nos dias certos, e que sofra os seus efeitos secundários que não são despiciendos.

Resumindo, o sexo existe para a reprodução, e o prazer sexual existe para levar as pessoas a terem relações sexuais e assim se reproduzirem; o desejo sexual é tão intenso que se torna extremamente difícil resistir-lhe e ocorre com muita frequência de tal forma que acaba por não ser fácil evitar a gravidez.

 A conclusão óbvia é que a natureza não só quer que procriemos, mas quer que procriemos muito.

 A mãe natureza claramente quer que tenhamos bebés, montes deles.

 Note-se que tudo que até agora foi dito sobre os fins naturais do sexo e do prazer sexual, tirando a terminologia A-T, poderia ter sido defendido por qualquer cientista Darwiniano.

Perante este quadro poder-se-ia dizer que a Mãe Natureza colocou um fardo bem pesado nos ombros da mulher pois que, se seguir o seu curso normal, as mulheres estão sujeitas a engravidar frequentemente. E também sobrecarregou fortemente as crianças pois que, ao contrário das outras espécies animais, são dependentes da ajuda de outros seres humanos durante um longo período da sua vida, não apenas no aspecto biológico mas também no aspecto moral e cultural, uma vez que são pequenos animais racionais.

Ou seja, na espécie humana a reprodução não se limita à geração de novos elementos da espécie, não se reduz à criação de novos organismos; implica também, através dum acompanhamento subsequente, a formação de pessoas capazes de cumprir a sua natureza de animais especificamente racionais.

Sendo assim, a natureza deixaria as mães e os filhos numa posição bastante desvantajosa se não providenciasse alguém que assegurasse a sua subsistência. Mas, na verdade, a natureza providenciou esse, alguém. Esse, alguém, é o pai das crianças.

Os pais são dotados pela natureza duma forte propensão para cuidarem dos seus próprios filhos. Muito mais que dos filhos doutros. E são enormemente ciosos dos carinhos da mulher com quem geraram os seus filhos até ao ponto de, por vezes, matarem a concorrência.

Então, a mãe natureza, equitativamente, colocou também um fardo bem pesado sobre o pai, pondo-o na situação de ter de se sujeitar a um trabalho diário para angariar o sustento dos seus filhos e da respectiva mãe. Se a natureza seguir o seu livre curso esses filhos serão numerosos e, como tal, o seu compromisso será de longa duração.

Como tal, a teleologia do sexo, no que respeita aos seres humanos, mesmo que só se tenha em conta os seus aspectos reprodutivos meramente animais, aponta fortemente, para algo parecido com a instituição do casamento.

Também neste caso, o que foi dito, uma vez que resulta do simples bom senso, poderia ser subscrito por qualquer cientista secular ou por um psicólogo evolucionista, quais quer que fossem as ilações morais que daí extraíssem.

 

Até aqui expusemos, em traços gerais, a teleologia do sexo atendendo aos seus aspectos meramente animal e reprodutivo.

 

Mas descendo ao pormenor analisemos o acto sexual em si. Se atentarmos na estrutura dos órgãos sexuais e no acto sexual em si, desde o desejo inicial até ao clímax, torna-se claro que a sua função biológica, a sua causa final é introduzir sémen na vagina. É esse o motivo pelo qual o pénis e a vagina têm a forma que têm, porque a vagina se lubrifica durante a excitação sexual, etc. Os órgãos sexuais masculino e feminino encaixam na perfeição um no outro como a chave na fechadura; o fim de todo o acto sexual é não só extrair sémen do macho mas também deposita-lo na fêmea, e num sítio muito particular da fêmea.

 Estamos aqui perante um facto. Algo que ninguém poderá negar do ponto de vista meramente biológico, independentemente das conclusões morais que daí se possam tirar.

Claro que há outros aspectos envolvidos. A mulher também tem orgasmos, o prazer sexual também pode advir doutros actos que não apenas a penetração vaginal e toda uma plêiade de profundas e complexas paixões que estão associadas ao acto sexual e o transformam em algo que vai muito para além do desejo de introduzir sémen num determinado local.

Mas do ponto de vista meramente biológico, reprodutivo e animal, todo este aparato existe para levar o homem e a mulher a terem relações sexuais, para que haja ejaculação na vagina, para que daí resultem frequentemente bebés, de modo a que se fortaleça o desejo do pai e da mãe permanecerem juntos, de forma que (como a natureza humana exige) possam cuidar dos filhos, material e espiritualmente, até que se tornem independentes.

Todos os elos desta cadeia têm a reprodução como fim natural independentemente da vontade dos envolvidos.

 Ou seja, o sexo é essencialmente reprodutivo independentemente do mais que possa ser.

Se os seres humanos não se reproduzissem, embora eventualmente pudessem criar entre si vínculos emocionais estreitos e até exclusivos, o sexo não existiria (não faria biologicamente sentido), nem existiriam o homem e a mulher como opostos a algo assexuado ou andrógino.

Note-se que não se está a afirmar que a reprodução implica sexo – na realidade a reprodução assexuada existe no reino biológico – mas antes, que a razão primordial para a existência de sexo é a reprodução. E isto é verdade mesmo que as relações sexuais nem sempre impliquem reprodução, e mesmo que a reprodução tivesse podido resultar de um outro qualquer processo biológico (assexuado).

 No entanto, ao contrário dos outros animais que também se reproduzem sexualmente, nós temos consciência desse facto e sabemos que, enquanto macho e fêmea, de alguma forma somos incompletos. É exactamente por isso que nos seres humanos o fim reprodutivo do sexo não é a história toda.

Os seres humanos conceptualizam a sua incompletude, e idealizam a maneira de a remediar, tanto ao nível mais rude e animal como a um nível mais refinado.

 Os ornamentos, por exemplo, reflectem uma atitude estética em relação ao objecto de desejo de que os animais irracionais são incapazes - não consta que os cães se sintam especialmente atraídos por cadelas com cortes de pelo e coleiras provocantes.

Os animais também são incapazes de conceptualizar os desejos e as percepções dos seus parceiros, como os seres humanos fazem.

Ou seja, tal como os nossos órgãos sexuais, a nossa psicologia sexual, tende para algo além de nós próprios, e concretamente para o que nos pode completar emocionalmente e psicologicamente, dada a nossa natureza.

A alma humana tende para outra alma (e não apenas para outros órgãos) como forma de colmatar a incompletude de sermos apenas macho ou fêmea.

 E o facto de algumas pessoas não se sentirem atraídas pelo sexo oposto, ou não terem mesmo qualquer tipo de desejo, é tão irrelevante para determinar o fim natural da nossa psicologia sexual, como o facto de algumas pessoas terem miopia é irrelevante para determinar o fim natural para o qual a natureza criou os olhos.

 

A natureza dessa tendência para o outro é, no entanto, complexa.

C. S. Lewis, no capítulo sobre o amor romântico do seu livro The Four Loves (1988) faz uma distinção entre Eros e Venus.

Venus seria apenas o desejo sexual, puro e duro, desejo esse que poderia ser (ainda que não devesse ser) sentido e satisfeito por qualquer pessoa.

Eros seria o desejo de estar enamorado por alguém, de tal forma que mais ninguém, se não esse alguém, pudesse preencher esse desejo.

Vénus poderia existir, e muitas vezes existiria, sem Eros.

Eros geralmente incluiria Vénus, mas não seria apenas Vénus, pois que, muitas vezes, o amante estaria disposto a sacrificar Vénus, em prol da pessoa amada.

A satisfação sexual própria seria o objecto de Vénus.

O ser amado seria o objecto de Eros.

Lewis, no entanto, diz-nos que seria um erro concluir que Vénus sem Eros é sempre moralmente suspeito: seria bom que cada marido e mulher sentissem, durante toda a vida o que Tristão e Isolda ou Romeu e Julieta sentiram um pelo outro – ou talvez não, dados os fins trágicos que tiveram - no entanto, na vida real, é raro tal acontecer e as relações do casal são geralmente bastante mais prosaicas: os casamentos arranjados pelos pais dos noivos foram comuns durante a maior parte da história humana; os modernos casamentos por amor rapidamente perdem a paixão e caiem na rutina ou pelo menos têm altos e baixos; e algumas pessoas não têm simplesmente um temperamento Erótico (em sentido relevante - ou seja, não são dadas a paixões) mas têm desejos sexuais normais e querem casar-se e ter filhos.

 Ou seja, mesmo nessas circunstancias em que Eros está ausente, Vénus poderá continuar a estar presente.

No entanto haveria uma boa razão para que Eros fosse tido como o ideal a atingir, e efectivamente, até certo ponto, fosse muitas vezes atingido, mesmo que posteriormente pudesse esfriar. É que, tal como Vénus, Eros faz parte da natureza humana; a sua função seria conduzir a inconstante Vénus para uma relação monogâmica, estável e construtiva, necessária para a constituição de uma família. O respeito pela lei moral, os respeitos humanos, a atenção aos sentimentos do cônjuge, podeiam preencher os mesmos fins mas como entram frequentemente em conflito com as inclinações do próprio, podem ser pouco eficazes: um homem decente confinará a satisfação dos seus desejos sexuais ao leito conjugal; um homem que enamorado da sua esposa quererá fazê-lo.

Por outro lado, Eros conseguiria fazer-nos sair de nós próprios com mais eficácia que Vénus, elevando-nos acima do meramente animal e até do meramente social: como Lewis escreve, a absoluta entrega de si próprio ao ser amado, com exclusão de tudo o mais, que Eros nas suas manifestações mais nobres suscita, prefigura o amor que o homem deve ter por Deus.

Então, Vénus e Eros, quanto à sua função natural, seriam melhor considerados, não como faculdades distintas, mas como extremos opostos de um continuum:

Vénus diz-nos que somos incompletos, impelindo-nos para a consumação do acto sexual cujo fim natural - a geração de novos seres humanos- exige a estabilidade de algo como a instituição casamento.

Eros focaliza esse desejo numa só pessoa por quem o amante, enamorado, está disposto a sacrificar alegremente a sua própria felicidade.

Eros é a perfeição de Vénus; Vénus, só por si, é uma forma deficiente de Eros.

 

 Por sua vez, Robert Stenberg (1988) desenvolveu uma influente “Teoria Triangular do Amor” que distinguia intimidade, compromisso e paixão e seis tipos sub-óptimos de amor, cada um dos quais envolvendo apenas um os dois daqueles três elementos.

A intimidade corresponderia ao tipo de relação que normalmente é conhecida por amizade.

O compromisso caracterizaria uma relação “vazia” como a que existiria nos “casamentos arranjados”, pelo menos no início.

A paixão, só por si, seria apenas uma obsessão fugaz.

O Companheirismo Amoroso, seria uma combinação de compromisso com a intimidade própria da amizade mas sem paixão.

O Amor romântico combinaria paixão e intimidade mas sem compromisso.

O Amor fugaz combinaria paixão e compromisso antes de haver intimidade.

O Amor consumado seria uma combinação de compromisso, intimidade e paixão - que da excitação inicial, com o tempo, passaria a algo mais estável – e existiria nos melhores casamentos.

 

Não será preciso concordar com todos os detalhes das teorias de Lewis e de Sternberg para concordar que o Amor Erótico (como perfeição de Vénus) ou o Amor Consumado, além de serem ideais para os quais os seres humanos geralmente tendem, servem também para abrir caminho à consumação dos fins reprodutivos lato sensu do sexo – abrangendo, não só a geração de novos seres humanos, mas também a sua educação e correspondente união duradoura dos parceiros sexuais.

E, apesar de as famílias poderem ser suficientemente estáveis sem que o casal atinja o Amor consumado de Sternberg, é difícil admitir que o casamento e a família como instituições pudessem sobreviver sem que esse tipo de amor ideal fosse honrado, ao menos como ideal, pela sociedade e procurado como meta a atingir pela maioria dos casais.

 

Resumindo: nos seres humanos, dada a sua natureza racional, o fim reprodutivo do sexo, é indissociável do fim unitivo do mesmo.

Mais uma vez, qualquer psicólogo científico ou evolucionista Darwiniano poderia subscrever esta conclusão.

 

 No entanto, quando se lê tudo que acabamos de dizer, à luz da metafísica A-T que subjaz à MCT/ DNC, somos levados a algumas conclusões com as quais muitos secularistas não concordarão.

Primeiro, o fim unitivo do sexo está estreitamente ligado ao seu elemento sensorial; ou seja, a nossa racionalidade eleva a nossa animalidade a um nível mais alto sem, no entanto, a negar.

Por exemplo, na experiencia visual humana há uma estreita união entre o racional e o animal; o facto de (ao contrário dos animais irracionais) conceptualizarmos aquilo que recebemos através dos órgãos dos sentidos não torna essa percepção menos sensorial, ainda que a transforme em algo mais que meramente sensorial.

De igual modo, embora a psicologia sexual do ser humano esteja associada a estados psicológicos que se dirigem ao outro - de que os animais irracionais não são capazes - esse facto não faz com que os actos sexuais humanos não tenham como seu fim natural a reprodução, ainda que sejam mais do que meramente reprodutivos.

O acto sexual, nos humanos, é pois uma simbiose estreita entre o reprodutivo e o unitivo que se destina simultaneamente à procriação e à comunhão emocional e espiritual do casal.

Sendo assim, não existe algo como um acto sexual que por natureza seja apenas unitivo e não tenha um fim reprodutivo da mesma maneira que não existe uma experiencia sensorial humana que por natureza seja apenas conceptual e não sensorial.

Claro que um determinado acto sexual poderá não ser apto a gerar um novo ser, ou porque os órgãos sexuais foram danificados ou porque foram desgastados pela idade; mas tal não altera aquilo que esses órgãos e respectivas actividades são por natureza; como o facto do nosso aparelho visual estar danificado não altera aquilo que a percepção visual é por natureza; ou o facto de um dado cão ter apenas três pernas não faz com que os cães, por natureza, não devam ter quatro pernas.

Nestes três casos estamos apenas, em termos aristotélicos, perante desvios de normas categóricas do tipo: os actos sexuais humanos são tanto unitivos como reprodutivos, ou a experiência perceptual visual humana é tanto sensorial como conceptual, ou ainda, os cães têm quatro patas.

Resumindo, de tudo o que até aqui ficou dito, necessariamente se conclui que, atendendo à natureza e à teleologia das faculdades sexuais humanas e, independentemente das intenções subjectivas de cada um, não existem actos sexuais humanos cuja natureza e fim natural seja apenas a obtenção de prazer.

O prazer associado às relações sexuais humanas não é um fim em si mesmo; existe apenas em ordem à prossecução dos fins naturais reprodutivos e unitivos do sexo. Se não existissem esses fins não haveria qualquer razão para a natureza ter tornado o sexo tão susceptível de gerar prazer - e (do ponto de vista A-T) a natureza não faz nada em vão.

Sendo assim, se os fins naturais das nossas capacidades sexuais são simultaneamente reprodutivos e unitivos, aquilo que é bom para nós, no que diz respeito a essas capacidades, é usá-las unicamente duma forma consentânea com os esses fins.

Isto é necessariamente verdade dado o que atrás dissemos.

Não é metafisicamente possível ser bom usar as capacidades sexuais humanas de modo contrário aos seus fins intrínsecos, independentemente do que cada um possa pensar a esse respeito. Tal como não é possível ser bom para uma árvore ter raízes pouco profundas ou para um cão ter três patas. E isto será necessariamente verdade qualquer que seja a razão que leve alguém a querer actuar de forma contrária a esses fins naturais – erro intelectual, vicio inveterado, defeito genético, ou o que for – e por muito forte que o desejo de o fazer possa ser.

 O facto de alguém ter um desejo acentuado de actuar contra o fim natural das coisas apenas demonstra que esse, alguém, está corrompido. A miopia é um defeito ainda que o seu portador não tenha disso culpa e não possa corrigi-la. E, a vontade de fazer o que é mau, é má em si mesma, por muito que a pessoa não tenha culpa de ter tal vontade ou por muito difícil que seja, para esse alguém, deixar de ter essa vontade.

 

Do que ficou dito, torna-se clara a tendência geral, que existia, até à revolução sexual dos anos sessenta do século passado, para restringir a actividade sexual ao casamento, para promover famílias numerosas e para condenar a fornicação, o adultério, a contracepção, os actos homossexuais, o bestialismo, a masturbação e a pornografia.

Porque a fornicação tende a trazer crianças ao mundo fora do ambiente familiar que lhes é necessário para o seu bem-estar e desenvolvimento.

Porque o adultério destrói a estabilidade desse ambiente familiar.

Porque os actos contraceptivos impedem directamente a prossecução do fim reprodutivo dos actos sexuais.

Porque os actos homossexuais e o bestialismo não têm nenhum fim reprodutivo e transferem as emoções dirigidas ao fim unitivo do sexo, para um objecto impróprio uma vez que, naturalmente, tal fim só pode ser preenchido por um ser humano do sexo oposto.  

Porque, por fim, a masturbação e a pornografia são contrárias ao fim unitivo do sexo - que é inerentemente direccionado para o outro, voltando esse fim, para o próprio, para um mundo de fantasia, em vez de o voltar para fora, para um outro ser humano real[43] – como se um atirador contra si próprio disparasse.

 

Posto isto, diga-se em abono da verdade que tudo o que até agora foi dito pode não ser suficiente para suportar as exigências morais absolutas feitas pelo Magistério Católico:

Se ficássemos pelo que até aqui dissemos seria difícil estabelecer o limite a partir do qual os actos contraceptivos e masturbatórios começam a contrariar os fins unitivos e reprodutivos do sexo uma vez que nada do que foi dito, por si só, determina que esses actos são sempre e em princípio errados.

Sendo assim, do ponto de vista do Magistério Católico, o que ficou escrito parece por um lado não ser suficiente.

Mas, por outro lado, parece ser demais.

 Por exemplo, se é bom prosseguir os fins unitivos e reprodutivos do sexo e errado impedi-los, então seria mau alguém não se casar podendo fazê-lo. Ou, se os fins unitivos e reprodutivos do sexo são inseparáveis, então os casais estéreis ou idosos deveriam abster-se de ter relações sexuais.

 Ora, do Ensinamento Católico não se podem, efectivamente, retirar semelhantes conclusões; seria o mesmo que concluir que, pelo facto da propriedade privada ser boa, não se deveria dar esmola; ou que, pelo facto de a verdade ser boa, não nos deveríamos abster de dar informações embaraçantes; ou que, pelo facto de os alimentos serem benéficos, nunca deveríamos jejuar.

Na verdade, com o sexo, como com os outros bens, identificar os seus fins naturais é apenas o primeiro passo, embora crucial, para determinar o seu papel numa vida moralmente bem ordenada; mas, tal passo, só por si não responde a todas as perguntas que possam surgir, uma vez que a vida humana é complexa e a prossecução simultânea dos diferentes bens, resultantes da natureza humana, pode não ser exequível.

 Por vezes um determinado bem terá de ser sacrificado em prol de um bem maior, como quando, em prol do sacerdócio ou duma vocação religiosa, se sacrifica o matrimónio e a família. Outras vezes um bem não poderá ser prosseguido por força de determinadas vicissitudes, como quando alguém não consegue encontrar um parceiro conveniente para casar, ou quando um casal tem de se abster de ter relações sexuais porque a gravidez daí resultante seria perigosa para a saúde da mãe ou do filho.

Sendo assim, poder-se-á concluir que - existindo uma proibição moral absoluta dos actos contraceptivos, masturbatórios, homossexuais etc., e não se aplicando tal proibição à simples abstinência sexual ou ao sexo entre casais estéreis - deverá haver algo na natureza dos primeiros actos que os torna inerentemente contrários ao que é bom para nós, seres humanos; algo que não se verifica nas segundas situações.

Para determinar a natureza desse algo ter-se-á de recorrer ao clássico Argumento da Faculdade Pervertida o qual constava de todos os manuais católicos sobre Ética e Moral anteriores ao Concílio Vaticano II.

 

 

O Argumento da Faculdade Pervertida

A ideia que subjaz ao Argumento da Faculdade Pervertida é extremamente simples e pode ser formulada num estilo formal, da seguinte forma:

“Quando uma faculdade F é inerente à natureza de um agente A, e existe precisamente para que A possa prosseguir um determinado fim E, é metafisicamente impossível ser bom para A usar F por forma a contrariar a realização de E.”

 

Esta tese resulta directamente da metafisica A-T do bem atrás exposta: O bem, para uma dada coisa, depende do fim que é inerente a essa mesma coisa por força da sua própria natureza.

 F existe em prol da prossecução de E, e todos os agentes A possuem F precisamente para que possam prosseguir E. Então, atendendo à metafísica A-T, não é possível ser bom para A o uso de F em prol de um fim que inerentemente frustre a realização de E.

É importante esclarecer precisamente o que esta tese diz e o que não diz:

Em primeiro lugar note-se que ela descreve o que é bom para um agente racional uma vez que a moral não trata do que é bom para as plantas, os animais e os seres inanimados, mas do que é bom para os seres humanos, tendo em conta a sua natureza.

Note-se também que esta tese não implica que a faculdade F não possa ter mais do que um fim natural, nem implica que não possa ser bom para A usar F para outro fim que não E, uma vez que diferente de E ou outro além de E, não significa contrário a E.

 Nem, implica que seja obrigatório usar F. Porque F, que faz parte de A, existe apenas para o bem de A como um todo e, sendo assim, é até perfeitamente admissível, à luz desta tese, destruir F se tal for o único modo de preservar A: como acontece quando um órgão canceroso tem de ser removido para salvar a vida do seu dono.

Também não implica que A tenha a intenção consciente de realizar E, ainda que parcialmente, sempre que usar F; implica apenas que ao usar F, tenha ou não tenha a intenção de realizar E, não tenha a intenção de activamente frustrar a realização de E.

Nem implica que A não possa usar F quando saiba que o seu uso não leva à realização de E uma vez que, neste caso, não está a usar F por forma a activamente frustrar a realização de E, nem está ele próprio a actuar de modo a procurar a não realização de E ao usar F: porque prever que o uso de F não leva à realização de E não é o mesmo que usar F de modo a frustrar intencionalmente a realização de E; do mesmo modo que prever que algo não se realizará não é o mesmo que impedir tal coisa aconteça.

Nem, aquela tese significa que a utilização de artefactos construídos pelo homem implique só por si a frustração do fim natural de F. Pelo contrário, tais artefactos servem muitas vezes para restaurar as funções naturais (como acontece com os óculos) ou aumentá-las (como no caso dos binóculos); e, é possível frustrar a realização do fim natural de uma faculdade sem usar artefactos (como no caso de, por absurdo, alguém arrancar os olhos com as próprias mãos).

Ser contrário à natureza – aqui como mais genericamente na MCT/DNC - não tem a ver com o facto de algo ser ou não ser artificial no sentido de ser construído pelo homem, mas sim com o facto de activamente frustrar o fim para o qual a faculdade naturalmente está dirigida.

A tese não é afectada, também, pela possibilidade de algumas pessoas terem um desejo profundo, ou até geneticamente determinado, de usar F por forma a contrariar E. O facto de alguém ter miopia não faz com que o fim natural dos seus olhos seja diferente do fim natural dos olhos das pessoas normais; significa apenas que, embora os seus olhos tenham o mesmo fim que os olhos das pessoas normais, são deficientes no sentido que são menos aptos a prosseguir o seu fim natural. O facto de alguém nascer com tendência para o alcoolismo não significa que, ao contrário dos outros seres humanos, a realização dos seus fins naturais implique beber imoderadamente; significa sim que, embora tenha os mesmos fins naturais dos outros seres humanos - cuja realização implica não beber em excesso –tem, também, um defeito psicológico que dificulta a realização desses fins naturais.

Por outro lado a tese não se focaliza exclusivamente nos aspectos meramente fisiológicos uma vez que existem faculdades psicológicas, além das fisiológicas, que como estas têm fins naturais para os quais existem inerentemente.

Ao mesmo tempo, a tese não reduz a questão moral à questão de se determinar se uma dada faculdade, seja esta fisiológica ou psicológica, é ou não usada correctamente. Diz apenas que determinadas acções são inerentemente contrarias ao bem e como tal devem ser descartadas.

 Obviamente que, para uma abordagem sistemática da moral (sexual ou outra), seria necessário chamar à colação outros tipos de considerações.

Mas, quando aplicado à moral sexual, o Argumento da Faculdade Pervertida deixa espaço aberto para um largo tipo de acções:

Por exemplo: é perfeitamente compatível com esta tese o facto de alguém se abster de praticar actos sexuais tendo em vista uma vocação sacerdotal ou religiosa ou simplesmente para evitar uma gravidez. Porque a tese não nos diz que há algo de necessariamente contrário à natureza no facto de não se usar uma faculdade mas sim que é contrário à natureza usar uma faculdade por forma a activamente frustrar o fim para o qual ela existe. Claro que podem existir outras razões morais segundo as quais possa ser errado procurar evitar a gravidez ou evitar usar qualquer outra faculdade, mas essa é uma outra questão. O ponto a realçar será que abster-se de usar uma faculdade não é o mesmo que perverter a faculdade.

Da mesma forma, não há nada na tese que implique haver algo de inerentemente errado em se ter relações sexuais durante a gravidez, ou durante os períodos inférteis, ou com um cônjuge estéril, ou depois da menopausa, ou mais geralmente, em situações nas quais é previsível que a concepção não ocorra; porque em nenhuma destas situações se está a usar a faculdade sexual de forma a activamente frustrar o seu fim natural. Prever que, de um dado acto sexual, não resultará a concepção, não é o mesmo que activamente alterar os órgãos envolvidos ou a natureza do acto de forma a impossibilitar a concepção.

Identicamente, usar órgãos que, por alguma razão, não estão funcionais – no sentido de estarem incapacitados para realizar o fim para o qual existem - não é pervertê-los; mas tentar activamente torná-los não funcionais por forma a impedir que do seu uso resulte a realização do fim para os quais existem, é pervertê-los.

A tese também não implica que o casal tenha de ter a intenção de conceber sempre que tem relações sexuais, mas sim que o casal não pode querer activamente alterar a natureza do acto sexual ou alterar a função dos órgãos envolvidos de forma a torna-los incapazes de conceber estando eles em perfeito estado de funcionamento.

Nem implica que um casal não possa estimular os órgãos sexuais do cônjuge das mais variadas maneiras, no contexto de um acto sexual que atinja o seu clímax com a ejaculação do marido na vagina da esposa.

Igualmente, também não impede o uso de meios artificiais no contexto de um acto sexual, como por exemplo o uso de drogas para tratar a impotência do marido, desde que tal uso não seja reflexo de uma atitude meramente hedonista, uma vez que não se traduz, de per se, numa frustração do fim natural do acto sexual.

Resumindo, o Argumento da Faculdade Pervertida não é tão simplista ou restritivo nas suas consequências como à primeira vista poderia parecer, ao mesmo tempo que proíbe exactamente as práticas tradicionalmente condenadas pela Moral Católica Tradicional.

Diversamente, o uso da pílula contraceptiva, de preservativos, ou de qualquer outro dispositivo contraceptivo, implica obviamente o uso das faculdades sexuais de forma a activamente frustrar os seus fins reprodutivos. E, é exactamente esta frustração activa dos fins, e não a artificialidade dos meios que os torna, em sentido relevante, contrários à natureza. É por essa razão que o coito interrompido ou qualquer tipo de estimulação do órgão sexual do marido que leve à ejaculação fora da vagina da esposa são também contrários à natureza em sentido relevante, muito embora nenhum meio artificial tenha sido usado, uma vez que esses actos também implicam a frustração activa dos fins reprodutivos do sexo.

Os actos masturbatórios, por sua vez, frustram os fins naturais do sexo, a dois níveis: a nível reprodutivo, pois o fim natural do processo fisiológico, que vai do desejo sexual à ejaculação, não é apenas extrair sémen do órgão sexual masculino, mas sobretudo introduzi-lo na vagina; e a nível unitivo, porque psicologicamente o desejo e a excitação sexual são também orientados para o outro. A excitação sexual no homem é orientada para a mulher e na mulher é orientada para o homem, tanto a nível fisiológico como psicológico. A realização dos fins naturais das faculdades sexuais, nos seres humanos, requere uma ligação tanto física como emocional com outra pessoa. A masturbação implica voltar para si mesmo todo um processo natural que deveria ser orientado para o outro pervertendo assim a prossecução dos seus fins naturais[44].

Os actos homossexuais e o bestialismo, por maioria de razão, também frustram os fins naturais do sexo a dois níveis: ambos frustram o fim reprodutivo, uma vez que usam o processo fisiológico que vai do desejo sexual ao clímax, duma forma que torna a concepção, de princípio, impossível, mesmo quando as faculdades das partes envolvidas estão em perfeito estado de funcionamento; mas frustram também o fim unitivo uma vez que direccionam o processo psicológico de desejo, excitação e clímax emocional para um objecto diferente do que lhe está indicado por natureza – num caso em direcção a uma pessoa de sexo errado, no outro caso para um objecto que nem sequer é uma pessoa.[45]

 

Quando conjugamos, todas estas considerações com o Princípio Fundamental da Lei Natural de S. Tomás de Aquino – a razão prática tem por fim natural a prossecução do bem e rejeição do que possa impedir a realização do mesmo – estamos em condições de formular formalmente o Argumento da Faculdade Pervertida aplicado ao uso das nossas faculdades sexuais:

 

1. Quando uma faculdade F existe inerentemente num agente A, e existe nele para a prossecução de um fim E (existe em A precisamente para que A possa realizar E), então é metafisicamente impossível ser bom para A usar F de forma a contrariar a realização de E.

2. As faculdades sexuais dos seres humanos existem para a prossecução dos fins reprodutivos e unitivos e existem nos seres humanos precisamente para que possam realizar esses fins.

3. Logo, é metafisicamente impossível ser bom para os seres humanos, o uso dessas faculdades de forma a contrariar os seus fins reprodutivos e unitivos.

4. Os actos contraceptivos, masturbatórios, homossexuais e de bestialismo implicam o uso das faculdades sexuais humanas de forma a contrariar os seus fins reprodutivos e unitivos.

5. Logo, é metafisicamente impossível ser bom para um ser humano, praticar actos contraceptivos, masturbatórios, homossexuais ou de bestialismo.

6. Só é racional, um ser humano, praticar actos que de alguma forma, para ele sejam bons, e nunca é racional praticar actos que frustrem a realização do que para ele é bom.

6. Logo, não é racional, para um ser humano, praticar actos contraceptivos, masturbatórios, homossexuais e de bestialismo

 

 

 

 

V – O LIBERALISMO SEXUAL É ANTI-NATURAL, IRRACIONAL E PERVERSO

 

Nom enim vocávit nos Deus in immundítiam,

sed in sanctificatiónem[46]

(Primeira Epístola de S. Paulo aos Tessalonicenses, VI: 7.)

 

Como vimos, no ponto II deste trabalho, a intensidade única do prazer sexual, pode frequentemente levar-nos a agir irracionalmente. Como se trata de um aspecto do sexo raramente abordado nos nossos dias, vamos aprofunda-lo um pouco.

S. Tomás de Aquino, na Summa Theologiae, versa este assunto ao discutir as oito filhas (ou efeitos) da luxúria.

 Para S. Tomás e demais teólogos da MCT/MNC, o termo luxúria, não significa desejo ou excitação sexual. Não há nada de errado com o desejo ou excitação sexual em si. Pelo contrário, o termo luxúria, do ponto de vista da MCT/MNC, mais não é que um termo técnico para significar um desejo sexual que, de alguma forma é desordenado. A este propósito, S. Tomás refere:

Pecado, no que se refere aos actos humanos, é aquilo que for contra a ordem da razão. A ordem da razão, por sua vez, é ordenar tudo para o fim correspondente, de forma conveniente[47].

O desejo sexual razoável ou bem ordenado será, então, aquele que é ordenado para o fim correspondente de forma conveniente. Logo, um desejo sexual será irrazoável e desordenado se praticado de forma a obstar à realização dos fins naturais do sexo.

 O Doutor Angélico diz-nos, pois, que é desordenado, na medida em que contraria o fim natural para o qual o sexo existe, v.g. um desejo sexual que tenha por objecto algo diferente de um ser humano do sexo oposto ou se impedir o acto sexual de atingir o seu fim natural - a inseminação-, ou ainda se consentir desejos sexuais num quadro de uma relação adultera.

 Duas notas preliminares antes de abordar, em si, o tema dos Efeitos da Luxúria:

i) Suponha o leitor que subitamente acha alguém do sexo oposto, que não o legítimo cônjuge, atractivo. Até aqui não está a cometer nenhum pecado. Suponha que a imagem dessa pessoa lhe vem com frequência e inadvertidamente à mente. Ainda assim não existe pecado. Mas se, em vez de expulsar estes pensamento, procurando pensar noutra coisa, voluntariamente os quiser alimentar e com eles obtiver prazer, agora sim, estamos perante um pecado de luxúria. Achar essa outra pessoa atraente é em si próprio perfeitamente natural e, nas circunstâncias correctas (se fosse casado com essa pessoa) não haveria qualquer mal em se deixar arrastar por fantasias sexuais acerca dela. Mas, nãos sendo com ela casado, mas sim com outra pessoa, as circunstâncias tornam essa fantasia e excitação pecaminosas.

ii) Dizer que uma determinada desordem moral é um efeito da luxúria não quer dizer que esse efeito invariável e exclusivamente provenha da luxúria. Estamos, aqui, perante tendências. Quanto mais prolongados e profundos forem os desejos sexuais desordenados que uma pessoa alimente, maior tendência terá para cair nas desordens morais a que São Tomás chama efeitos da luxúria. Por outro lado, se esses desejos desordenados forem contrariados por esforços para os corrigir, essa tendência será menor.

 

Dos oito efeitos da luxúria os quatro primeiros dizem respeito ao intelecto e os quatro últimos à vontade.

O primeiro efeito da luxúria é, segundo S. Tomás a Cegueira Mental.

Segundo ele,

  A capacidade do intelecto apreender um fim como bom…é diminuída pela luxúria.

O intelecto tem como fim natural a apreensão da Verdade. A Verdade é um transcendental, tal como o Bem. Quer isto dizer que, segundo a Doutrina dos Transcendentais defendida pelo Doutor Angélico, a Verdade e o Bem são uma e a mesma coisa vista de pontos de vista diferentes. Sendo assim o nosso, intelecto tem por seu fim natural apreensão tanto da Verdade como do Bem.

É um facto facilmente observável, mesmo não se sendo um Filósofo A-T, que se obtivermos prazer com uma determinada actividade, temos tendência para considerá-la boa mesmo que na realidade não o seja; e que quando, por qualquer motivo, gostamos de uma determinada ideia sentimo-nos inclinados a considera-la verdadeira e razoável mesmo quando na realidade não o é:

Um alcoólico ou um cocainómano obtêm um prazer tão intenso do seu vício que se recusam a ouvir quem os adverte do mau caminho que estão a seguir; um intelectual pode estar tão apaixonado pela sua teoria de estimação que procurará apenas os factos que a confirmem e não atenderá aos factos que gritantemente a contradigam; o putativo escritor sem talento está tão obcecado com a expectativa de fama e riqueza futuras que não percebe que deveria enveredar por outra carreira.

 Ou seja, é um facto observável no dia-a-dia que o prazer associado a algo que é mau ou falso impede-nos de ver essa realidade.

No que diz respeito ao sexo, não há motivo para que as coisas se passem de modo diferente. Na verdade, como realça S. Tomás, é exactamente a extraordinária intensidade do prazer sexual que lhe confere uma especial propensão para toldar a nossa capacidade de discernir o que é bom e verdadeiro do que é mau e errado.

Quanto mais frequentemente alguém cair na tentação de praticar actos sexuais desordenados, tanto mais difícil lhe será compreender a desordem desses mesmos actos e isto porque, o prazer repetidamente obtido suscitará nessa pessoa uma falsa aparência de bem.

Não tardará que comece a procurar razões para se justificar e autoconvencer da bondade de tais actos ou pelo menos da sua inocência e tornar-se-á surdo a todas as razões que contrariem essa sua inclinação.

Ou seja, a condescendência com comportamentos sexuais desordenados embota tendencialmente a nossa capacidade para discernir entre o bem e o mal especialmente no que respeita à moral sexual.

Não é preciso ser um filósofo A-T para ver que a propensão exagerada para o prazer sexual cega as pessoas para as consequências nefastas que daí possam advir.

Os exemplos do dia-a-dia são legião: desde o patrão ou professor lascivos que perseguem sexualmente os subordinados ou alunos apesar dos riscos para a sua carreira e estabilidade familiar; até à mulher que se deixa convencer que o homem casado com quem tem relações vai deixar, por ela, a família; passando pelo viciado em pornografia que se recusa a admitir que está efectivamente viciado.

Claro que os tomistas consideram sexualmente desordenadas muitas coisas que não são vistas como tal nos nossos dias pela maioria das pessoas. Do ponto de vista A-T tal resulta em parte do erro intelectual reinante.

Porque, ao contrário do que a maioria das pessoas actualmente pensa, se atendermos ao enquadramento metafísico subjacente à MCT/MNC – essencialismo, teleologismo, etc. – é absolutamente óbvio (como acima demonstrámos) que a moral sexual tradicional é perfeitamente razoável e até dificilmente evitável, sendo o seu enquadramento metafísico perfeitamente defensável, quando correctamente entendido.

O problema é que, no mundo contemporâneo, até mesmo a nível universitário, ninguém conhece os fundamentos racionais da MCT/MNC, ou então conhece apenas caricaturas básicas dos mesmos.

 Mas, o mais grave, é que do ponto de vista A-T, não estamos apenas perante um simples erro intelectual. Porque não se trata apenas de, a nível intelectual, a maioria das pessoas na sociedade ocidental contemporânea não concordar com a Moral Sexual Tradicional no que respeita ao que deve ou não deve ser considerado desordenado. O grande problema reside no facto de a maioria das pessoas, do ponto de vista da Moral Sexual Tradicional, actuar desordenadamente, a este nível. E tendo este tipo de comportamento uma forte propensão para obnubilar a nossa capacidade para discernir o bem do mal, especialmente no que ao sexo diz respeito, segue-se que a generalizada rejeição da Moral Sexual Tradicional tem muito a ver com aquela corrupção cognitiva a que S. Tomás chama Cegueira Mental.

Que, quem não se comporta segundo as normas da Moral Sexual Tradicional, não entenda também que essas normas têm um fundamento racional sólido, não é de todo surpreendente. Pelo contrário, é exactamente o que o Doutor Angélico previu.

É a esta luz que temos de ver a recusa, da maioria dos filósofos e académicos contemporâneos (e, até, de muitos prelados modernistas), de considerarem sequer os argumentos da MCT/MNC em defesa da Moral Sexual Tradicional. Para eles, nem vale a pena dar qualquer crédito a tais argumentos porque sabem à partida não passarem de meros preconceitos de fanáticos.

Mas, este tipo de atitude, tão generalizada, tem o problema de ser completamente falaciosa. Porque o bus ilis da questão é precisamente saber se a Moral Sexual Tradicional é racionalmente defensável ou é apenas preconceituosa; ora, afirmar simplesmente que os seus defensores são preconceituosos e fanáticos não chega a ser um argumento; não passa de uma falácia ad hominem.

E, cereja no topo do bolo (ou, melhor, fel no fundo do copo), no mundo contemporâneo, a cegueira mental, é fortemente exacerbada por uma cultura hiper-sexualizada e pela pornografia moderna que envolvendo imagens de pessoas reais praticando actos reais, intensifica e torna vívidas as fantasias sexuais onanísticas, enquanto, através da perfeição dos corpos, da variedade dos actos praticados e da promiscuidade exibida, nos afasta do que na realidade será sexualmente pretendido por um parceiro real; o consumidor de pornografia terá forte tendência para ficar obcecado com expectativas irrealistas e actos sexuais ilícitos e dificilmente se satisfará com uma relação normal com uma pessoa real.

E quanto mais essa obsessão com desejos irrealistas e ilícitos se tornar como que uma segunda natureza, tanto mais essa pessoa perderá a noção do que é natural (em sentido relevante) no que ao sexo diz respeito. Os sentimentos naturais de repulsão perante certos actos ilícitos ir-se-ão esbatendo, assim como a vontade e a capacidade para pensar objectivamente acerca da moralidade dos actos a que se deixou apegar[48]. 

Como sociologista Mark Regnerus, sugeriu, a pornografia contemporânea, da qual não há precedente histórico, através da sua prevalência e seu conteúdo excessivo, foi crucial para a liberalização das atitudes em relação à moral sexual.

A cultura moderna, fortemente sexualizada e “pornificada”, transformou a cegueira mental, de que fala o Doutor Angélico, num fenómeno de massas. Milhões sobre milhões de seres humanos tornaram-se psicologicamente agarrados a atitudes de maior ou menor imoralidade sexual. A sociedade moderna ocidental transformou-se numa Caverna de Platão com imagens obscenas, em vez de sombras, continuamente passando em frente dos seus olhos.

Esta cegueira massificada provoca, por sua vez, outros tipos graves de imoralidade:

Milhões de crianças, por todo o mundo, estão encurraladas na pobreza por terem sido concebidas fora do casamento.

 E, milhões de crianças são abortadas.

 A fornicação generalizada produz, pois, milhões de crianças pobres e milhões de crianças mortas.

 A pobreza e o aborto seriam certamente muito menos comuns se a fornicação e a cultura híper-sexualizada fossem fortemente estigmatizadas como até recentemente eram.

Estranhamente, aos modernos, embora tenham forte propensão para estigmatizar tudo e mais alguma coisa – tabaco, linguagem politicamente incorrecta, etc. – e sejam fortemente sentimentais no que diz respeito às crianças, nunca lhes passou pela cabeça estigmatizar a fornicação e a cultura híper-sexualizada em prol do bem-estar dessas mesmas crianças.

 Estão tão obcecadas pelo estúpido cliché de que  o que cada um faz no seu quarto não afecta mais ninguém que simplesmente não conseguem ver o que historicamente era absolutamente óbvio para a maioria dos seres humanos – que a imoralidade sexual tem, de facto, um impacto terrível nos membros mais frágeis da sociedade.

Nos nossos dias, chegou-se a um estado de inversão tal que as nossas capacidades sexuais que, de seu natural, têm por fim a geração, protecção e educação de novas crianças, pelo contrário estão a levar ao assassinato e ao empobrecimento em massa dessas mesmas crianças.

Ora isto é, em sentido próprio, perverso.

 E demonstra como o prazer sexual desregrado pode ser terrivelmente nocivo.

 

Os outros três “efeitos da luxúria” respeitantes ao intelecto procedem directamente da Cegueira Mental:

A segunda é chamada por S. Tomás de Temeridade. Trata-se da incapacidade para atender aos conselhos sobre o modo de proceder para atingir um fim. Ou seja, se o prazer que obtemos de actos desordenados nos pode cegar acerca dos fins naturais desses mesmos actos, também nos pode impedir de ver os meios correctos para atingir esses fins.

O terceiro efeito da luxúria é a Negligência ou Inconsideração que se traduz no facto do intelecto, ab initio, não levar em conta nem os referidos fins nem os respectivos meios.Ou seja, enquanto a Cegueira da Mente, se traduz no facto do intelecto se debruçar sobre o problema dos fins em si do sexo mas chegar a conclusões erradas, e a Temeridade se traduzir no facto do intelecto se debruçar sobre os meios para atingir esses fins e enganar-se também, a Inconsideração ou Negligencia traduz-se no facto de o intelecto nem sequer se preocupar em preocupar-se com essas questões. A pessoa Negligente limita-se a ir acefalamente atrás dos seus prazeres desordenados. A sua atitude em relação ao sexo já não chega a atingir o nível do racional.

A quarta filha da luxúria é a Inconstância, que quer significar que mesmo quando alguém se deixa dominar pela luxúria mas ainda não está totalmente dominado nem pela Cegueira da Mente, nem pela Temeridade, nem pela Inconsideração e portanto ainda é capaz de apreender os fins e meios no que diz respeito ao sexo, a sua apreensão é, no entanto superficial. O prazer associado ao comportamento sexual desordenado constantemente a distrai, de forma a impedi-la de procurar consistentemente o bem. 

Para S. Tomás a vontade segue o intelecto e assim os Efeitos da Luxúria compreendem, além das quatro desordens do intelecto, quatro desordens da vontade.

O quinto, e o sexto, Efeitos da Luxúria são descritos por S. Tomás da seguinte forma:

Por um lado temos o “Amor-Próprio” que se refere aos prazeres desordenados que se desejam, por outro temos o “Ódio a Deus”, porque nos proíbe esses prazeres.

Ou seja, a pessoa Negligente, Temerária e com Cegueira Mental profundamente mergulhada e obcecada com os prazeres sexuais desordenados, conseguiu criar no entanto, uma construção mental para tentar justificar o seu vício. Esta pessoa virou-se para si mesma, para os seus prazeres e para as suas construções intelectuais em vez de se virar para o exterior, à procura do objectivamente bom e verdadeiro. A sua mente, corrompida pela luxúria, quer fazer a realidade conformar-se à sua vontade em vez de conformar a sua vontade à realidade. Sendo assim, a mera hipótese de que possa existir uma ordem moral natural e objectiva, especialmente no que diz respeito ao sexo, torna-se insuportável para essa pessoa.

A consequência lógia é o Ódio a Deus. Porque sendo Deus Ser em si mesmo, e sendo o Ser, tal como a Verdade e o Bem transcendentais, segue-se que Deus é também Verdade e Bem em si mesmo. Ser, Verdade e Bem, são apenas diferentes formas de conceptualizar a mesma realidade divina. Sendo assim, odiar o que é bom e verdadeiro é o mesmo que odiar a Deus.

Uma pessoa dominada por desejos sexuais desordenados bem poderá clamar, batendo no peito, amar a Deus e até (sacrilegamente) frequentar os Sacramentos; mas, se não admitir que os seus desejos são desordenados, não procurar sinceramente livrar-se deles e se, pelo contrário amar esses desejos, detestar aqueles que tentam afasta-la deles e rejeitar tudo que possa sugerir serem esses desejos contrários à Vontade Divina, então esse suposto amor a Deus não passa de uma ilusão. Não é Deus, de todo, que essa pessoa ama, mas sim uma construção mental própria

Os dois últimos Efeitos da Luxúria são chamados por S. Tomás de “Amor deste mundo” e “Desespero da vida futura”.

Para S. Tomás, o ser humano, enquanto animal racional, tem, além de poderes corpóreos (nomeadamente os poderes de nutrição, crescimento, reprodução, sensação, apetite e locomoção), poderes incorpóreos - o intelecto e a vontade. São estes poderes incorpóreos, que determinam a imortalidade da nossa alma e a destinam a uma vida para além da vida presente. Uma vez que aqueles poderes corpóreos e o prazer a eles associado, nos são naturais, não há nada de errado em, através deles, termos prazer.

 Mas, ao excessivo amor das coisas corpóreas S. Tomás chama o Amor deste mundo.

O prazer sexual desordenado, por força da sua intensidade, tem propensão para nos afastar dos bens intelectuais, não nos permitindo discernir o que é bom e verdadeiro; mas ainda que o conseguíssemos discernir, dificilmente encontraríamos forças para o procurar, uma vez que o prazer que poderíamos obter dessa busca seria sempre menos intenso que o prazer obtido através daquele comportamento sexual desordenado.

Naturalmente que esta pessoa, tendencialmente não terá qualquer interesse na vida para além desta e nada fará para assegurar o seu futuro lugar nela. Essa vida futura parecer-lhe-á excessivamente longínqua, abstracta, fria e aborrecida quando comparada com aquilo em que fixou o seu coração, nesta vida.

Não é pois de estranhar que tradicional e unanimemente os teólogos cristãos tenham enfatizado o perigo dos pecados sexuais para a salvação da nossa alma imortal; porque, embora não sejam os piores pecados – que não são – são pecados a que, por força do prazer a eles associado, podem facilmente agarrar-nos e dos quais, se se tornarem hábito, dificilmente nos libertaremos.

É por isso, que os prelados que desvalorizam a importância dos pecados sexuais em nome da misericórdia estão, na realidade, a ser muito pouco misericordiosos.

 

Se até agora só referimos os pecados por excesso, no que ao prazer sexual diz respeito, a verdade é que nesta área, como em outras áreas da vida humana, também há pecados por defeito.

Falando do prazer em geral S. Tomás afirma:

Tudo que seja contrário á ordem natural é vicioso. A natureza associou prazer às operações necessárias à preservação da vida humana. Assim sendo, a ordem natural determina que o homem faça uso desses prazeres sempre que sejam necessários para a preservação tanto do individuo como da espécie. Como tal, se alguém rejeitar tais prazeres ao ponto de contrariar a realização das operações necessárias à preservação própria ou da espécie, pecará pois estará a actuar contra a ordem da natureza. Tal constituirá o vício de insensibilidade[49].

S. Tomás, logo de seguida, diz-nos que é possível renunciar a esses prazeres de forma não viciosa, por exemplo quando se escolhe o celibato em prol do sacerdócio ou da vida religiosa. Menciona também os casos, embora inusuais, em que os esposos concordam em abster-se de ter relações sexuais por razões espirituais. São casos em que o prazer sexual é afastado em prol de algo ainda melhor e não por ser algo de mau.

 O normal, no entanto, é as pessoas casarem-se e casando-se terem relações sexuais. Isto quer dizer que o prazer sexual é uma parte natural da vida humana vulgar e é inevitável uma vez que além de racionais somos também criaturas corpóreas e animais.

O vício de insensibilidade traduzir-se-ia, por exemplo, no facto de um dos esposos se recusar a ter relações sexuais, ou de as ter de má vontade, ou sem interesse (claro que um dos esposos pode estar doente, ou cansado, ou stressado, ou simplesmente não estar com disposição. Não haverá nisso nada de condenável. O problema só se levantará se esse esposo manifestar um desinteresse ou aversão habitual pelas relações sexuais.).

Mas, assim como a vontade pode estar insuficientemente direccionada para o sexo, também o intelecto o pode estar. Por exemplo, algumas pessoas erroneamente encaram o prazer sexual como algo suspeito e as relações sexuais como algo resultante do pecado original. O Magistério Católico e S. Tomás rejeitam liminarmente este ponto de vista encarando o prazer sexual como algo de bom, visto ser uma maneira da natureza facilitar os fins reprodutivo e unitivo do sexo.

 

Em face de tudo que ficou dito poder-se-á perguntar porque é que nós, seres humanos, somos tão dados a extremos no que ao sexo diz respeito? 

Segundo S. Tomás, tal deve-se, do ponto de vista metafísico, à posição algo peculiar que ocupamos na ordem da criação.

 Os anjos são criaturas incorpóreas e assexuadas, puramente intelectuais. Os animais irracionais são inteiramente corpóreos e comandados pelas suas sensações e apetites.

 Os seres humanos sendo animais racionais, têm um pé no reino angélico e outro no reino animal. É, sem dúvida, uma estranha posição, a nossa, do ponto de vista metafísico; é uma posição fortemente instável que o sexo torna ainda mais difícil de manter. A intensidade única do desejo e do prazer sexual e a nossa incompletude enquanto homem e mulher constantemente nos recordam a nossa natureza corpórea e animal, puxando-nos para baixo. Pelo contrário, a nossa natureza racional constantemente procura (ou deveria procurar) manter o controlo puxando-nos para cima, com receio do desregramento causado por tão intenso prazer. Este conflito pode ser tão premente que nos sintamos tentados a eviá-lo optando por um dos extremos. É, na verdade, uma tarefa difícil. E a assistência divina sobrenatural que nos permitiria manter uma harmonia fácil entre a nossa natureza animal e a nossa racionalidade, remediando o problema, perdemo-la com o pecado original.

Ou seja, do ponto de vista comportamental, no que ao sexo diz respeito, temos tendência ou para o puritanismo ou para o excesso. E intelectualmente, temos tendência, ou para cair no erro do Platonismo – tratando o homem como essencialmente incorpóreo, uma alma aprisionada no corpo – ou no erro do materialismo - tratando a natureza humana como inteiramente redutível à sua corporalidade e animalidade. O primeiro erro explica a atitude excessivamente negativa dos puritanos em relação ao sexo, o segundo, largamente dominante nos tempos modernos, explica o extremo relaxamento actual em matéria de moral sexual.

 O equilíbrio correcto é nos dado, nesta como noutras áreas, pelo ponto de vista A-T quando defende ser o homem composto de uma só substância com poderes tanto corpóreos como incorpóreos, proclamando a bondade essencial do sexo e do prazer sexual, enquanto defende a Moral Sexual Tradicional Católica.

 

Atendendo a tudo o que ficou dito, é fácil perceber as razões que levaram os Teólogos Católicos e os Teóricos da Moral Tradicional a encararem a perversão das nossas capacidades sexuais, como um assunto inerentemente relevante. Efectivamente, o prazer sexual, sempre foi entendido como algo de perigoso; não no sentido de ser mau em si, mas no mesmo sentido que a gasolina, as armas e muitos outros utensílios do dia-a-dia são perigosos: não, há nada de errado em os utilizar, mas há que ter cuidado e fazê-lo apenas do modo e na altura certos. 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VI – DESCENSUS AVERNI FACILIS EST [50]

 

Ego vado,

 et quæretis me,

 et in peccato vestro moriemini[51]

(Evangelho segundo S. João, VIII: 21.)

 

 

Vimos quão nefastas podem ser, a nível pessoal e social, as consequências da rejeição da Moral Católica Tradicional.

 Mas, no entanto, a consequência sub specie aeternitatis é infinitamente mais terrível: a condenação eterna às penas do inferno.

Mas, perguntar-se-á, como é possível, alguém, ir para o inferno por causa destes ou de outros pecados?

Como pode um Deus todo misericordioso condenar alguém a um castigo eterno?

 Como conceber, enfim, que não apenas algumas pessoas, mas muitíssimas pessoas sejam eternamente condenadas, como sustenta historicamente a quase totalidade dos teólogos cristãos?

É grande a confusão sobre este assunto porque, a maioria das pessoas, parte de um ponto de vista errado: ou parte do princípio que as pessoas são condenadas por causa de algo que Deus faz, ou por causa de um determinado pecado particular.

Não há dúvida que podemos ser condenados, em parte, por algo que Deus faz e também não há dúvida que um pecado particular pode condenar-nos ao inferno.

No entanto há algo de mais fundamental e profundo à luz do qual aqueles factores têm de ser entendidos.

Será útil, para melhor se entender esta matéria, começar por analisar o modo como, segundo S. Tomás, os anjos[52] são condenados.[53]

Para São Tomás, os anjos, tal como nós, quando fazem uma escolha fazem-na porque de algum modo a julgam boa. E, para eles, tal como para nós, o bem supremo é Deus. Mas os anjos, como nós, podem errar na escolha feita; podem escolher como seu fim último algo diferente de Deus.

No entanto, a natureza de um erro cometido por um anjo é diferente da natureza de um erro cometido por nós, seres humanos.

Connosco, uma paixão súbita ainda que passageira, poderá desviar-nos do que para nós na realidade é bom e levar-nos a prosseguir algo diferente. Mas as paixões são essencialmente corpóreas, isto é, apenas existem em criaturas que como nós têm corpo. Não tendo os anjos corpos, as paixões não os podem fazer errar. A influência de um mau hábito poderá também afastar-nos do que é verdadeiramente bom para nós, de uma forma ainda mais séria do que uma paixão passageira.

Para o Doutor Angélico também pode haver habituação nos anjos, como há em nós. Mas, no nosso caso, devido à nossa natureza corpórea estamos sujeitos a diferentes apetites que nos atraem em diferentes direcções.

Sendo criaturas racionais a nossa vontade está dirigida para o que o nosso intelecto entende como bom. Mas sendo animais racionais, também temos apetites que nos levam a prosseguir coisas mais prosaicas, como comida, prazer sexual, etc.. Estes apetites competem entre si e é por isso que um mau hábito profundamente enraizado poderá ser superado se contrariado por outro apetite suficientemente forte.

Mas, os anjos sendo incorpóreos, têm apenas um apetite – a vontade leva-os a prosseguir aquilo que o intelecto entende como bom. E, não tendo outros apetites que possam competir com esse, não há forma de se poderem afastar dele. Uma vez a vontade fixada numa dada direcção segue-se imediatamente uma habituação imutável, uma vez que os anjos, não estão sujeitos a outros apetites que os possam desviar noutra direcção.

Podem, os seres humanos, ser ainda induzidos em erro duma forma intelectual: em virtude de estarem intelectualmente errados àcerca do que de facto é bom para nós.

 Os anjos também podem cair neste tipo de erro mas, neles, a natureza do erro é diferente.

 A maneira como, nós humanos, chegamos a conhecer as coisas é discursiva. Juntamos factos, avaliamo-los, chegamos através de premissas a conclusões, etc.. Tudo isto provém da nossa corporalidade – mais precisamente do facto de dependermos dos nossos sentidos para, através de experiências sensoriais particulares, chegarmos a conclusões gerais e do modo como precisamos usar as imagens mentais para nos ajudar a pensar, etc..

O erro intelectual, no nosso caso, aparece porque ou a paixão ou o hábito interferem com o correcto funcionamento deste processo cognitivo ou ainda porque apreendemos incorrectamente os factos que sustentam as premissas sobre as quais raciocinamos.

 No entanto, para nós, é sempre possível corrigir o erro procedendo a uma melhor averiguação.

Com os anjos nada disto acontece. Segundo S. Tomás um anjo vem a saber algo, não duma forma discursiva, mas de forma imediata. Não raciocina partindo dos primeiros princípios até chegar às conclusões.

 Ele sabe os primeiros princípios e sabe exactamente o que deles decorre, instantaneamente, no mesmo acto.

Ora, não fazendo os anjos uso dum processo cognitivo (como nós fazemos), não pode haver uma correcção desse processo se estiver errado, quer através de obtenção de novas informações, quer por resistência às paixões, quer por superação de maus hábitos.

Se um anjo chega a estar errado não será por ter seguido uma determinada direcção errada (como acontece connosco) susceptível de ser corrigida. Ele, simplesmente está errado e fica errado.

Sendo assim, a orientação básica de um anjo fica definida imediatamente após a sua criação. Ou escolhe correctamente Deus como seu fim último, ou escolhe erradamente algo menor que Deus como seu último bem.

 No primeiro caso fica para sempre apegado à beatitude; no segundo fica para sempre “preso” à infelicidade.

Não existe, neles, qualquer apetite alternativo que os possa afastar do seu hábito, nem processo cognitivo que possa ser corrigido.

 Um anjo que tenha feito a escolha errada é um anjo caído para todo o sempre. Nem Deus poderá alterar tal situação, da mesma forma que não pode fazer a quadratura do círculo: porque é metafisicamente impossível contrariar a própria natureza das coisas (neste caso, dos anjos).

Os seres humanos são diferentes uma vez que são criaturas corpóreas. Ou, para ser mais preciso, são diferentes enquanto são criaturas corpóreas.

 Um ser humano tem tanto faculdades corpóreas como incorpóreas. Quando o corpo se vai, à hora da morte, as capacidades corpóreas vão com ele, mas as incorpóreas, o intelecto e a vontade - exactamente as faculdades que os anjos também têm – continuam, e o ser humano persiste como substância incompleta.   

Segundo o Doutor Angélico[54], antes da morte é sempre possível, à vontade humana, corrigir o seu curso, pelas razões acima descritas. Uma paixão que nos leva no mau caminho pode ser dominada; um mau hábito pode ser contrariado por um apetite contrário; podem ser adquiridos novos conhecimentos que nos levem a corrigir um raciocínio errado.

  Ou seja, antes de a morte ocorrer, há sempre, pelo menos, a esperança de evitar a condenação eterna.

Mas depois da morte tudo é diferente. Com a morte a alma separa-se do corpo levando consigo o intelecto e a vontade ficando privada das faculdades corpóreas que influenciavam as suas operações durante a vida.

 Nos aspectos relevantes a alma fica agora a operar exactamente como um intelecto angélico. E, se um anjo, imediatamente após a sua criação, escolhe aceitar Deus ou algo inferior a Deus, como seu fim último, a alma, já sem corpo, logo após a morte, faz a mesma escolha.

 E, tal como a escolha dos anjos a escolha da alma também é irreversível, dado que as pré-condições corpóreas de mudança de orientação quanto ao bem supremo estão, agora, ausentes.  

Sendo assim, a alma que, naquele momento, opte por Deus como seu fim último fica apegada a esse fim para sempre; e a alma que opte por algo inferior a Deus como seu fim último fica a esse fim presa para todo o sempre.

 A primeira gozara eternamente da Visão Beatífica; a segunda sofrerá a eterna separação de Deus - a danação eterna.

A única maneira de inverter a situação seria se a alma pudesse ainda aceitar Deus como seu bem supremo. Mas não pode. Porque estando, agora, desencarnada, faltam-lhe as capacidades corpóreas que lhe permitiriam fazê-lo. Tal como aos anjos, faltam-lhe agora os apetites contrários, que lhe permitiriam alterar a escolha; fica instantaneamente habituada a desejar, como seu fim último, o quer que tenha escolhido logo após a morte, seja Deus ou seja algo inferior a Deus.

Faltam-lhe, agora, as sensações, a imaginação e tudo que delas deriva, que lhe permitiriam um conhecimento discursivo que pudesse sustentar uma mudança de julgamento; agora o seu conhecimento é instantâneo e imutável tal como o dos anjos. Já não existe um processo cognitivo cujo curso possa ser alterado.

E nem no Dia do Julgamento Final, aquando da ressurreição dos corpos, será possível corrigir a escolha feita. Porque a natureza da ressurreição de um corpo corresponderá à natureza da alma com que se vai reunificar e esta está agora “presa” à escolha feita logo após a morte.

A alma antes da morte era capaz de alterar a sua orientação porque estava unida a um corpo e, como tal, era incapaz de se fixar numa dada escolha. Após a morte, uma vez fixada, não há como alterar orientação escolhida.

Uma analogia ajudará a entender este ponto. Pensemos num pedaço de barro ainda húmido que está a ser moldado. Enquanto estiver húmido é sempre possível alterar-lhe a forma. Uma vez seco no forno, é impossível fazê-lo. Mergulha-lo em água não lhe alteraria a forma. Pelo contrário seria a água a adaptar-se, agora, à sua forma.

A alma é igual. Enquanto unida ao corpo durante a vida, é como o barro húmido. A morte fixa-a a uma dada orientação tal como forno fixa o barro numa determinada forma. A recuperação do corpo, no Dia do Juízo Final, não permitirá a mudança de orientação escolhida do mesmo modo que mergulhar um pote de barro em água não tornará possível mudar a sua forma.

Qual poderá ser, então, a escolha provável da alma imediatamente após a morte? As paixões e apetites que a dominavam em vida, terão obviamente tendência para a orientarem fortemente numa ou noutra direcção.

 Por exemplo uma pessoa que no fim da sua vida esteja fortemente habituada a amar a Deus sobre todas as coisas é muito improvável que, logo após a morte, escolha algo que não Deus como seu fim último.

Pelo contrário uma pessoa que no fim da sua vida esteja habituada a odiar Deus é muito pouco provável que logo após a morte escolha Deus como seu bem supremo.

Alguém que no fim da sua vida esteja fortemente habituado a considerar qualquer coisa específica em vez de Deus como sue fim último – dinheiro, sexo, carreira, poder político, etc. – muito provavelmente, após a morte, escolherá essa coisa como seu bem supremo.

Muito provavelmente estas almas ficaram para sempre “presas” ao que quer que habitualmente valorizassem mais nesta vida.

É preciso, no entanto, analisar cuidadosamente o que se pode entender por “ter Deus como último fim”. Uma pessoa poderá ter uma concepção deformada de Deus e mesmo assim, no essencial, tê-Lo por último fim.

Como vimos, a Doutrina dos Transcendentais diz-nos que o Ser em si próprio é o mesmo que o Bem em si próprio e a Verdade em si própria.

É possível que alguns tomem a Verdade ou o Bem como seu fim último, estando assim (dependendo, claro, do que entenderem por Bem ou Verdade) a tomar Deus como seu supremo bem, mesmo que dele tenham uma ideia errónea e mesmo que não se apercebam de que aquilo a que na realidade estão devotados é aquilo a que os teístas clássicos, como S. Tomás, chamam Deus.

 Uma pessoa simples poderá pensar em Deus como um velhote de longas barbas vestido de branco, mas no entanto saber que Deus é o criador de todas as coisas, que é bom, que dá a salvação àqueles que verdadeiramente se arrependem, etc..

 Pelo contrário, é absurdo supor que alguém obcecado por dinheiro, sexo ou poder político esteja a tomar Deus por seu último fim sem disso se aperceber.

Seja como for, é a intensidade das paixões e dos apetites que faz com que os pecados a eles associados sejam tão perigosos. Ficar fortemente habituado a um determinado pecado associado a um apetite ou uma paixão particular é correr um grave risco de fazer desse pecado o seu fim último à hora da morte e assim se condenar para toda a eternidade.

 É exactamente por isso que os sete pecados mortais são mortais.

Se à hora da morte, uma pessoa estiver profundamente habituada a ser invejosa ou a cometer pecados carnais, naturalmente que será difícil, logo após a sua morte, que a sua primeira escolha não seja influenciada por tais hábitos.

Um pecado como a inveja de certo modo tem as suas “vantagens”- não dá à pessoa que dela sofre qualquer prazer, mas apenas sofrimento. Este facto poderá ser um incentivo para, durante a vida, vencer este mau hábito.

 Pelo contrário os pecados da carne causam tipicamente um grande prazer, pelo que são extremamente difíceis de vencer, ou até de querer vencer. E, têm como efeitos a cegueira do intelecto, o egoísmo, a aversão às coisas espirituais, etc.

Em Fátima, a Santíssima Virgem, declarou que vão mais almas para o inferno devido a pecados da carne do que por qualquer outra razão. Apesar do que os cépticos possam pensar sobre Fátima, a verdade é que esta tese faz todo o sentido à luz da MCT/DNC e da Doutrina de S. Tomás sobre a obstinação da alma após a morte.

Mais uma vez, não por os pecados da carne serem os piores, que não são, mas por serem pecados muito comuns, em que facilmente se cai, difíceis de vencer e que a maioria das pessoas se recusa a reconhecer sequer como pecados.

Um mundo, submerso em vícios sexuais mas em negação desse facto, é um mundo em que um grande número de pessoas terá por hábito procurar, acima de tudo, o prazer sexual; como tal, com grande probabilidade, à hora da morte ficaram agarradas a esse fim, como seu bem último.

É pois, sumamente insensato, da parte de alguns prelados modernistas julgarem ser muito misericordioso não falar sobre este tipo de pecados. É como não querer prevenir, do perigo iminente que corre, um corredor que vai na direcção de um precipício.

 Menosprezar a importância destes pecados e até enfatizar os aspectos positivos de certas relações (v.g. relações adúlteras) no seio das quais estes pecados são habitualmente cometidos, é como encorajar o referido corredor a aumentar de velocidade.

Mas, independentemente do que possa ser dito acerca dos pecados da carne, o ponto a realçar é o quão profundamente os apetites e as paixões, especialmente quando têm associado um prazer intenso, preparam a alma para a escolha que vai fazer à hora da morte.

 Isto que é verdade para os prazeres sexuais ilícitos é também verdade, embora menos intensamente, para outros apetites e paixões. Por exemplo o prazer associado à presunção de julgar os outros, ou o prazer que o sádico tem de dominar e humilhar os outros, etc.

Pode, no entanto, como já foi referido, haver uma deficiência no que aos apetites e paixões diz respeito. Uma pessoa pode mostrar-se indiferente perante a injustiça ou o mal e assim não procurar combatê-los; ou pode ter um deficit de desejo sexual em relação ao seu cônjuge ou falta de afecto para com os seus filhos.

 A deficiência, tal como o excesso, de apetites e paixões pode pois impedir-nos de prosseguir o que é bom[55].

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

VII- NISI DOMINUS…[56]

 

… mas, no juízo dos males,  sempre conjecturou melhor, quem presumiu os maiores.

(Padre António Vieira, Sermão do Mandato, pregado em Lisboa, no Hospital Real, no ano de 1643.)

 

 

Os Avisos

Para os secularistas liberais, o libertinismo sexual e o desprezo pela religião, transformados em fenómenos de massa públicos (e não, já, apenas excentricidades duma elite decadente, a qual sempre existiu) constituiriam a vitória final da razão e seriam frutos da mundivisão científica, cujas consequências totais só agora, ao fim de quatro séculos do seu aparecimento, se teriam generalizado. Na realidade, do ponto de vista A.T., não passam (parafrasendo S. Tomás parafraseando Aristóteles) de dois grandes erros provenientes gradual mas inexoravelmente, não de uma qualquer descoberta científica, mas de um pequeno erro de natureza filosófica cometido pelos fundadores da ciência e filosofia moderna que forçosamente teriam de levar ao colapso total da moral tradicional exemplificado  na aceitação do “casamento de pessoas do mesmo sexo”.

Tal desfecho só poderá ter surpreendido os menos atentos pois que há muito vinha sendo profetizado:

i) Friedrich Nietzsche, em A vontade de Poder, previu o advento de um mundo onde, tendo Deus morrido, tudo o que até então tivesse sido tido por verdadeiro, passaria a ser renegado e tudo que tivesse sido desprezado como proibido, funesto, desprezível, e diabólico, passaria a ser tido como a mais encantadora verdade.

ii) Fyodor Dostoevsky, no seu Irmãos Karamasov, asseverou  que “para quem não acreditasse em Deus, as leis morais naturais teriam de ser mudadas para exactamente o oposto das anteriores leis religiosas; e a prossecução exclusiva do interesse próprio…não só seria permitida como seria tida como o único objectivo racional e necessário.

iii) Em1926, G. K. Chesterton[57] advertiu que, “a próxima grande heresia será simplesmente um ataque à Moral; especialmente à moral sexual. E este ataque não virá apenas do socialismo, mas sobretudo da energia exultante dos ricos determinados a, finalmente, sem entraves morais religiosos, gozar livremente os prazeres desta vida. A origem desta heresia, Deus sabe, é tão profunda como a própria natureza, cujos frutos  são a luxúria da carne, dos olhos e o orgulho da vida. Quem não conseguir ver isto não consegue ver os sinais dos tempos. A próxima loucura não está tanto em Moscovo como em Manhattan.” (G.K. Chesterton: G.K.’s Weekly, June 19, 1926.)
Enquanto os católicos se alarmavam com os males do comunismo que se espalhavam pelo mundo, na sua própria casa o capitalismo impunha também “uma civilização igualmente centralizada, impessoal, e monótona” capaz de “criar uma atmosfera e formar uma mentalidade raivosamente anti comunitárias, anti familiares e anti natalistas”.

E, em 1935[58], voltou a alertar que, através da exaltação do individualismo, “ tem sido o capitalismo (além do comunismo e do socialismo) que, no mundo moderno, tem destruído a família, fomentando o divórcio, desvalorizando as velhas virtudes domésticas, provocando uma luta competitiva entre os sexos, destruindo a autoridade dos pais e tirando-os de casa para se dedicarem ao trabalho.”


iv) A Santíssima Virgem terá dito à Irmã Lúcia, vidente de Fátima, que “a batalha final entre Nosso Senhor e o reino de Satanás será sobre o matrimónio e a família” prevenindo que defensores destas duas instituições naturais e da moral tradicional sofreriam impiedosos ataques por parte dos senhores do mundo.

 

 

Os Sinais

Hoje, a democracia representativa, não passa duma camuflagem jurídica e publicitária de novos esquemas de poder que a maioria das pessoas não compreende e em geral não conhece. Não há um dia em que não se criem novas estruturas de poder, novos meios de controlo social, novos instrumentos de manipulação psicológica destinados a ter um impacto brutal e destrutivo, não só a nivel económico e político mas também a nivel privado, familiar e mental de toda a humanidade. E tudo isso acontece à margem da atenção pública, ou por ser produzido por meios burocráticos inapercebidos, ou por não ser noticiado, ou por o ser de maneira propositadamente deficiente, sumária e eufemística de modo a que muito poucos se dão conta do seu significado e alcance.

O poder dos governos sobre as populações civis já é praticamente incontrolavel, reduzindo a um formalismo jurídico a diferença entre democracia e ditadura.

 Este estado de coisas está a tornar viável o surgimento de um governo mundial omnipotente, imune a qualquer controlo popular (a qualquer populismo –segundo o jargão politicamente correcto) tornado possível pela confluência de três factores:

1- A complexidade crescente da administração pública, cada vez mais fortalecida pelas novas tecnologias e técnicas de controlo social, fornecendo aos governos todo o género de instrumentos para implementar as medidas que quizerem sem terem de passar pelo controlo legislativo e muito menos pelo debate público. Nas últimas décadas têm sido tomadas decisões fundamentais que alteram a estrutura do poder no mundo, diluindo soberanias e tranferindo poderes dos Estados para organismos internacionais, sem que a grande maioria dessas decisões tivesse chegado a debate público e sem receber dos media uma cobertura proporcional às imensas consequências políticas que originam[59].

2- A progressiva concentração dos meios de comunicação nas mãos de um restricto número de grupos económicos satélites do poder estatal, transformou os jornais e os canais televisivos, em agências de engenharia comportamental e controlo político. A censura de notícias inconvenientes, a exclusão de opiniões divergentes, a promoção descarada dos ídolos da esquerda politicamente correcta, a propaganda sistemática dos objectivos da revolução globalista, tornaram-se características  omnipresentes das redações, cínicamente impostas por toda a parte como expressão pura de jornalismo neutro e objectivo. Num curtíssimo espaço de tempo, valores e critérios totalmente revolucionários e hostis aos sentimentos da enorme maioria da população, passaram a ser apresentados como se fossema opinião maioritária e obrigatória, o padrão supremo da normalidade. Em todo o ocidente não há um só jornal ou canal de televisão que não trate qualquer a oposição às propostas do activismo gay, abortista, multiculturalista e diversitário,etc.,  como conduta aberrante, criminosa (extremista), dando a impressão de que os novos códigos de comportamento, que a elite globalista quer implementar, são consensos universais milenares, só rejeitados por fanáticos e doentes mentais.

3 – A queda da URSS deixou orfãs e desorientadas massas de militantes, libertando um imenso potencial humano que, não sabendo viver sem uma causa social  que lhes justifique a existência, foi rápidamente reciclado para servir, fartamente subsidiado pela elite financeira, sob a nova bandeira da revolução global. Com velocidade impressionante, as militâncias locais foram unificadas, criando, pela primeira vez na história da humanidade, a possibilidade de mobilização de massas quase instantânea à escala global – a mais formidavel máquina de pressão política e intimidação psicológica que o mundo conheceu.

Os alertas avisando para o avanço celere da tirania global são muitos, só não sendo vistos por quem não quizer:

i) Recentemente, Marguerite A. Peters, tendo monitorizado por longos anos as actividades de diversos organismos da ONU e conhecendo intimamente todos os seus mecanismos e operações, alertou,[60] para o facto de estar em curso a nível mundial a implementação duma nova ética global, resultante da confluência das revoluções sexual e feminista  que, ao considerar opressivos conceitos como realidade, verdade, lei divina, estereótipos, construções sociais, civilização repressiva e dicotomias castradoras, pretende destruir os fundamentos da tradição moral do Ocidente através da exaltação do individualismo e duma liberdade irrestricta. 

Alicerçado em conceitos-chave propositadamente ambivalentes, de forma a permitirem o máximo de interpretações e leituras, o novo discurso moral pretenderia ser inclusivo e suficientemente ambíguo utilizando uma terminologia adaptada a esse efeito: globalização com rosto humano, cidadania global, democracia participativa, governança, abordagem holística, saúde e direitos sexuais e reprodutivos, dimensão do género, melhores práticas, diversidade cultural, parlamento das crianças, etc..

A inexistência de um significado claro e exclusivo destas expressões permitiria que acabassem por ser apropriadas por uma minoria de peritos ou de engenheiros sociais que lhes dariam um conteúdo bastante preciso que sub-repticiamente, estaria ao serviço de agendas de transformação social e cultural. 

A autora aponta, entre outro exemplos, para a expressão "saúde reprodutiva" proposta no parágrafo 7.2 do documento da Conferência sobre a População e Desenvolvimento do Cairo (1994) que no mesmo conceito, a par do acesso a cuidados pré-natais, natais e pós-natais, a cuidados de saúde dos nascituros, aleitamento materno e tratamento de doenças sexualmente transmissíveis - que efectivamente se integram no conceito “saúde”- engloba também o acesso a informação e serviços contraceptivos, o acesso a serviços de aborto, o acesso a informação e educação sexual sobre direitos sexuais reprodutivos e autodeterminação sexual – enxertando assim, no direito à saúde práticas características, duma cultura de morte[61].

Acintosamente, esta estratégia de ataque contra as tradições culturais e religiosas do Ocidente alicerçar-se-ia sempre na reivindicação de novos direitos, apresentados como conquistas contra a ordem tradicional e antiquada que seria forçoso ultrapassar. Todos os objectivos ambicionados passariam a ser referidos como direitos, colocando quem os negasse na defensiva.

Gradualmente, através do domínio da comunicação social e do sistema de ensino, os novos direitos tornar-se-iam parte do dogmatismo politicamente correcto que, acabaria, cedo ou tarde, por adquirir força de lei. Quem ousasse desviar-se deveria estar preparado para sofrer as devidas consequências

Os novos direitos embora apresentados como sendo a sequência natural do património judaico e cristã, na realidade, seriam frontalmente opostos a esse património, o qual visariam desconstruir radicalmente por via de um processo de engenharia social.

Uma vez afastados os incómodos princípios universais da ordem tradicional, ficaria o campo aberto para a vontade arbitrária dos engenheiros sociais decidirem quais as escolhas que prevaleceriam e quais as vidas consideradas dignas de ser vividas.

A institucionalização dos novos valores passaria pela utilização de redes operacionais globais- como, a Amnistia Internacional, a Human Rights Watch, a IPPF fundada por Margaret Sange, - que acturiam segundo etapas bem definidas[62].

Uma miríade de ONGs devidamente alinhadas com os objectivos revolucionários (e generosamente financiadas para esse efeito) completariam o cenário, exercendo de forma contínua pressão pública sobre os governos e agindo nos bastidores para fazer avançar meticulosamente a agenda radical.

 As estratégias usadas para a transformação social fariam uso abundante da dissimulação, da manipulação e das mais variadas técnicas de engenharia social: a construção orientada de consensos assumiria aqui uma importância decisiva. Uma vez definido o consenso pelos engenheiros sociais da nova ordem, a própria disputa democrática passaria para segundo plano. A vitória dos revolucionários estaria garantida quando até os "conservadores" fossem coagidos ou manipulados de forma a se juntarem ao consenso.[63]

Através de vários métodos e canais (como gender mainstreaming[64], subordinação da educação a objectivos progressistas, campanhas de propaganda, slogans, etc.), a revolução cultural seria difundida e consolidada.

O processo culminaria com a cooptação dos dirigentes tradicionais e religiosos para a agenda revolucionária através de parcerias com as religiões que se subordinassem à nova ética[65].

 

ii) Paralelamente, Byung-Chul Han[66], um filósofo sul-coreano radicado na Alemanha, procedeu a uma análise profunda das técnicas de poder adoptadas pelas democracias liberais modernas que, embora quase imperceptíveis, não deixam de ser profundamente totalitárias.

Segundo ele, nos regimes liberais modernos, o poder não assumiria uma forma coerciva, até porque, o facto de um dado poder ter de recorrer a alguma forma de violência, seria já a admissão da existência de um contrapoder, a admissão de uma fraqueza incompatível com um poder absoluto. O poder, nos nossos dias, já não recorreria necessariamente à exclusão, à proibição, à censura; não se oporia à liberdade – mas usá-la-ia; revestir-se-ia, cada vez mais, duma forma permissiva e amável, uma forma subtil, flexível e inteligente, escapando a toda a visibilidade. O sujeito submetido não teria sequer consciência da sua submissão, supondo-se livre. As novas técnicas de poder procurariam que os homens se submetessem por si próprios sendo, por isso, radicalmente mais eficazes. O seu propósito seria, activar, motivar, optimizar e não obstar ou submeter. A sua eficácia particular dever-se-ia ao facto de não agirem proibindo ou subtraindo, mas consentindo e satisfazendo; em vez de tornarem os homens submissos, pretenderiam torna-los dependentes; não imporiam qualquer forma de silêncio: pelo contrário, exigiriam que partilhassem, que participassem, que comunicassem as suas opiniões, necessidades, desejos e preferências – ou seja, que contassem as suas vidas; não negariam ou submeteriam a liberdade, mas explorá-la-iam. O poder inteligente leria e avaliaria os nossos pensamentos conscientes e inconscientes; apostaria na organização e na optimização, de nós próprios, realizadas de modo voluntário; visaria dominar agradando e gerando dependências e o seu objectivo seria, não só explorar o tempo de trabalho, mas explorar a totalidade da pessoa, toda a sua atenção e toda a sua vida. As estruturas do poder moderno, com a sua indústria da consciência, visariam destruir a alma, criando uma sociedade onde dando-se plena liberdade aos corpos se escravizariam, as almas.

 As democracias modernas far-nos-iam crer sermos detentores do poder dando-nos a possibilidade de escolher entre diversas forças políticas que no essencial teriam o mesmo programa – ou que, uma vez chegadas ao poder invariavelmente o implementariam. Na realidade, não haveria uma verdadeira escolha e esta democracia, de que os modernos tanto se orgulham, seria afinal o pior totalitarismo da história, porque imperceptível.

Georges Bernanos já havia dito que a democracia não é o contrário da ditadura; é a causa da ditadura: bastará ver como a retórica dos direitos humanos é utilizada, hoje, para impor aos povos novas formas tirânicas de controlo do comportamento: a democracia, para subsistir enquanto tal, teria, sempre, de se apoiar num sistema de valores extrapolíticos ou suprapolíticos, v.g. o cristianismo. Mas a própria democracia tende a destruir esses valores e, deixada a si mesma, transforma-se em tirania: tudo democratizar é tudo politizar, e quando não restam outros valores senão políticos, então instala-se a ditadura - como a definia Carl Schmitt,- a pura luta pelo poder, que não pode levar senão à vitória dos mais fortes. O mundo caminha, assim, a passos largos para a ditadura universal, sob o aplauso geral das massas.

iii) Recentemente Victor Lenore[67], deu-nos um exemplo concreto do uso das referidas técnicas de poder: tendo formação musical, pretendeu estudar, sob esse aspecto, um movimento cultural contestatário ocorrido em Espanha nos anos oitenta, conhecido por La Movida[68]. Para sua surpresa, Lenor, deparou-se com documentos e declarações de detentores do poder, à época, que demonstravam ter o governo socialista de Filipe Gonzalez fomentado e financiado - com a ajuda das classes artística e intelectual - uma “celebração hedonista que ocupasse o espaço público sem articular qualquer exigência política à classe dominante; uma espécie de catarse popular que não fosse além do mero divertimento e relaxamento moral sem consequências especiais a nível político ”.

 Enquanto as massas cretinizadas se divertiam e cevavam livremente os seus apetites sexuais, as elites, perpetravam a integração europeia procedendo à reconversão industrial, retirando direitos laborais e proventos ao povo espanhol, implementando um sistema de quotas que acabava com os sectores agro-pecuário e das pescas, abrindo as fronteiras à avidez do capital apátrida e delineando sob orientação europeia um plano educativo que transformasse os jovens em meros quadros do sistema, conformistas e convencidos de que o “ direito à diversão” e a “autodeterminação sexual” eram as mais importantes reivindicações politicas que se podiam exibir. As elites teriam conseguido assim enganar várias gerações, numa demonstração prática da asserção de Aldous Huxley:

 A liberdade política e económica diminui na razão inversa das liberdades

sexuais.

 

Os Tempos

Tudo isto teria de decorrer necessariamente, da revolução cartesiana que, ao abandonar aquilo que todos os seres humanos, incluindo filósofos e cientistas, sempre tinham considerado puro bom senso em matéria de religião e moral, acabou por permitir a construção de um mundo ilusório onde qualquer objectividade se tornou impossível e que rejeitando as clássicas causas formais e finais, tornou metafisicamente impossível dar um fundamente objectivo a qualquer sistema moral, à razão e à realidade, abrindo caminho às ideologias mais absurdas.

O denominador comum a todos os primeiros pensadores modernos foi a hostilidade declarada às assumpções chave da Filosofia clássica especialmente da A-T. e uma vontade comum de solapar os argumentos tradicionais a favor da existência de Deus, da imortalidade da alma e da moral natural - argumentos esses que sendo óbvios, racionais e inegáveis quando interpretados à luz da filosofia clássica, com a mundivisão materialista, se tornavam não apenas problemáticos mas racionalmente inaceitáveis.

Até no domínio biológico, onde a realidade objectiva das essências  e das causas finais dificilmente pareciam poder ser negadas, Darwin conseguiu dar uma aparência de credibilidade à visão mecanicista do mundo, argumentando que as espécies seriam fluidas e não fixas e que os seus aparentes fins podiam ser explicados em termos completamente aleatórios, através da selecção natural e do acaso, erradicando também deste domínio a existência de qualquer intencionalidade.

Mas, no entanto, o verdadeiro golpe de génio, consistiu em ter-se conseguido fazer crer, que a ciência moderna, teria refutado a metafísica A.T, erigindo a nova mundivisão materialista, ao estatuto de única racionalmente aceitável.

 Esta mentira transformou, o que foi, na realidade, uma estipulação metafísica altamente problemática, controversa e contingente, numa descoberta científica incontestável, transformando uma disputa entre duas metafísicas contrárias numa guerra entre a ciência e a religião. E, como uma mentira muitas vezes repetida acaba por parecer a mais pura das verdades é hoje tido por ciência certa que a religião não tem qualquer fundamento racional e credível.

Na verdade, os fundamentos intelectuais não só da religião mas da mera possibilidade de percepção da realidade e da existência duma moralidade objectivas e até da própria ciência foram, como vimos, completamente pulverizados, dando azo ao surgimento das ideologias políticas mais totalitárias da história e à Grande Ruptura na moral (como lhe chamou Francis Fukuyama).

 A, a revolução sexual, o feminismo, a prevalência do aborto e a insistência no “casamento” entre pessoas do mesmo sexo, são consequências lógicas das assumpções metafísicas modernas, fazendo todo o sentido para quem vê o mundo através de lentes materialistas e secularistas e constituindo um sinal seguro de já ter sido percorrido um longo percurso no sentido da perversão e destruturação do processo de apreensão da realidade.

 Tais práticas devem ser combatidas à outrance pelos crentes, não por via duma obsessão com o sexo, mas por serem totalmente contrárias à família tradicional como instituição natural da sociedade humana e porque a sua aceitação constitui um indício certo de que qualquer veleidade de prevalência duma moral objectiva, fundamentada na natureza das coisas (na realidade), já há muito foi afastada.

Efectivamente, se considerada do ponto de vista religioso e da filosofia A.T., a civilização ocidental liberal moderna, ou pelo menos o seu mainstream, não pode, deixar de parecer uma fossa infecta a transbordar de perversidade e irracionalidade:

As capacidades intelectuais e o senso moral da grande maioria das pessoas estão de tal modo corrompidos que para elas é óbvio que o branco é preto, que a sodomia é casamento e que estraçalhar um feto no ventre da mãe é, um direito.

Depois de séculos e séculos de ascensão árdua em direcção à Luz, começada pelos antigos gregos e culminada com a filosofia de S. Tomás de Aquino, o homem moderno começou a resvalar novamente para a cegueira dos habitantes da caverna de Platão, cheios das próprias certezas e hostilizando todos os que os tentam libertar das suas ilusões.  

 

 Na verdade, uma vez negada a existência duma teleologia inerente às coisas, se estas não tiverem um fim inerente a si próprias, a própria razão também não terá qualquer fim - e muito menos esse fim será a procura do Bem e da Verdade. A razão já não poderá servir de fundamento à moral.

Se as coisas não tiverem essências ou formas, não terá qualquer sentido defender que o bem e o mal possam a ser factos objectivos e reais. O bem e o mal passam a depender das nossas preferências subjectivas, desejos, sentimentos ou intuições e a razão servirá para o que convier. A moral tornar-se-á uma ilusão, uma projecção ou, no melhor dos casos, uma ficção conveniente imposta pelo poder.

Um ateu (ou um Estado ateu) até poderá, defender (e procurar impor) um qualquer sistema moral mas será sempre, necessariamente impossível que o possa justificar racionalmente partindo de premissas mecanicistas e secularistas.

Não admira pois que o caos moral e a irracionalidade se tenham instalado dando azo às mais absurdas incoerências:

Tomemos de exemplo a ideologia feminista: uma das certezas mais arreigadas na mentalidade moderna, que ninguém ousa pôr em causa sob pena de ostracismo social, é a convicção de terem sido as mulheres, durante milénios, por todo o mundo, oprimidas e exploradas pelos homens, que as coagiam a ter e a cuidar dos filhos, não lhes permitindo que se realizassem plenamente.

Bastaria, no entanto, raciocinar um pouco para ver, como vimos no capítulo IV, que, se se deixar livremente a natureza seguir o seu curso, uma mulher saudável gerará numerosos filhos durante o curso da sua vida, filhos esses que terão de ser amamentados, educados e acompanhados durante os longos anos que os novos seres demorarão a tornarem-se autónomos. Perante este compromisso que, mais uma vez, se se deixar a natureza seguir o seu curso, será de longa duração, faz todo o sentido que o pai se comprometa também duradouramente, a angariar o sustento dos filhos e da mãe – numa demonstração que a condição humana, mesmo que considerada a um nível meramente animal, aponta para a necessidade duma instituição como o casamento tradicional.

 A relação homem/mulher numa família tradicional consubstancia-se, assim, numa complementaridade de tarefas que nasce da natureza da coisas e do amor dos esposos que os leva a sacrificarem-se pelos filhos e um pelo outro e não duma absurda conspiração dos machos para oprimir as fêmeas ou duma suposta guerra dos sexos

Se as relações dos esposos, fossem realmente relações de poder, como querem marxistas e feministas e não relações de amor e complementaridade como afirma o cristianismo,  a efectiva inferioridade das fêmeas estaria iniludível e avassaladoramente provada, uma vez que, durante toda a História e por toda a face da terra, sem excepção, as mulheres sempre se deixaram reduzir a essa (pertença) situação de oprimidas. Por esse motivo Olavo de Carvalho,  afirmou, com alguma graça, não ser suficientemente machista para ser feminista.

 E não colherá o argumento de que tal facto se ficou a dever à maior força física dos machos, pois que leões e elefante têm-na maior que os homens e não consta que jamais os tenham dominado.

O feminismo, longe de ser um movimento espontâneo de libertação das mulheres, desde a origem foi, pelo contrário, uma ideologia totalmente imposta top-down: David Rockefeller gabava-se de, através da Rockfeller Foudation, ter financiado os Women´s Studies, inúmeras Ongs e o controlo de parte substancial dos midea, com o objectivo de, em poucas décadas, lançar as mulheres no mercado de trabalho, duplicando a oferta de recursos humanos e o número de contribuintes. Vejam-se, no mesmo sentido, os inúmeros documentos exarados pela ONU, OCDE e outras organizações internacionais para entender como a implementação destas ideologias, queridas pelas elites mundialistas, são coerciva e progressivamente impostas aos governos nacionais e aos respectivos povos: o abortismo, o feminismo, a ideologia gay, o anti-racismo despropositado, a ecolatria, o laicismo forçado, etc. são impostos por essas organizações, com a consciência perfeita de que a quebra súbita dos padrões de moralidade tradicional produzirá inevitavelmente, um estado de perplexidade e desorientação, de dissolução dos laços de solidariedade social, que necessariamente darão azo ao indiferentismo moral, ao individualismo egoísta, à destruição da família e à criminalidade, justificando o subsequente, e cada vez mais intrusivo, controlo estatal da sociedade.

Por esse motivo – chamando à colação um exemplo recente - com relativa facilidade, pôde ser imposto no ocidente, o “casamento” entre pessoas do mesmo sexo, apesar de racionalmente indefensável: é óbvio que entre as diversas práticas sexuais, aquela da qual depende a continuidade da espécie humana – aquela para a qual o sexo existe naturalmente- deveria forçosamente ter prevalência sobre as que se destinam somente a fins lúdicos ou deleitosos, por mais interessantes que estas pareçam a seus praticantes. No entanto,  afirmar isto, que é o óbvio, está em vias de se tornar crime, porque o ódio do movimento gay – fomentado e financiado pela elite globalista - não é, na realidade, contra injustiças e perseguições reais (infinitamente menores, do que aquelas sofridas pelos cristãos e judeus), mas contra a razão, a lógica, o bom senso e a civilização. Culturalmente, a ideologia gay nasce de correntes de pensamento que professam destruir a tirania do logos e instaurar, em vez da ordem racional, a pura vontade de poder prepotente e totalitário:

Cada vez que (um dos porta vozes da ideologia gay), como uma nova Rainha de Copas, ordena que todos se prosternem diante de exigências absurdas, sabe que não está combatendo “a homofobia”, mas a estrutura da realidade ou, em termos religiosos, o Verbo divino[69]. Só a opção total pela irracionalidade explica que, sob a alegação de proteger uma comunidade contra a mera opinião alheia, se busque submeter a novas perseguições judiciais outras comunidades que não estão expostas ao simples risco de ouvir palavras desagradáveis, mas de morrer em campos de extermínio[70].

Quem diria que a inversão sexual, com tanta frequência, viesse junto com a inversão mental?[71]

O verdadeiro objectivo da imposição destas ideologias absurdas, no entanto, é quebrar as cadeias normais de associação de ideias, inverter o senso das proporções, forçar a população a negar aquilo que os seus olhos vêem e a aceitar, em vez disso, aquilo que a elite iluminada manda aceitar.

O fim pretendido é abolir o domínio da vontade, cortando os laços entre a psique individual e os seus quadros de referência moral, sem apoio dos quais ninguém pode tomar posição, julgar, decidir, querer ou desquerer: neutralizada a capacidade de julgar e decidir, um homem está à mercê do que lhe sugiram, e pronto a justificar a posteriori a decisão imposta, assumindo-a como sua para assim restabelecer a ilusória integridade da sua auto-imagem.

 

 A verdadeira intenção é a inversão revolucionária da moral tradicional e a imposição do mal em nome do bem.

 As vítimas acabam por ser os valores civilizacionais milenares, a liberdade individual e a consciência religiosa, estranguladas sob controlos estatais cada vez mais invasivos e opressivos, sempre sob as desculpas edificantes da modernização, do interesse público, da protecção ambiental, da eficiência administrativa e - é claro - dos direitos humanos.

 Mas a maior vítima de todas é a inteligência humana, que, de tanto ser, ludibriada, desencaminhada e embrutecida, vai-se obnubilando e perdendo vigor a cada dia que passa.

 

Esta técnica já era conhecida e aplicada pelos regimes comunistas: Theodore Dalrymple contava que no seu estudo das sociedades comunistas, tinha cheguado “à conclusão de que o propósito da propaganda comunista não era persuadir, nem convencer, nem informar, mas humilhar e para isso, quanto menos correspondesse à realidade, melhor. Quando as pessoas são obrigadas a ficar em silêncio enquanto ouvem as mais óbvias mentiras, ou, pior ainda, quando elas próprias são forçadas a repetir as mentiras, perdem de uma vez para sempre todo o senso de probidade… Uma sociedade de mentirosos castrados é fácil de controlar.

Admitido o “casamento” gay, não se vê como, coerentemente, não permitir os casamentos de grupo, ou os casamentos incestuosos, ou os casamentos com animais, ou com um robot ou até consigo próprio. No entanto os defensores do "casamento" entre homossexuais, tipicamente, rejeitam estas propostas. Se a heterossexualidade deixar de ser um pressuposto do casamento (como decorre da natureza das coisas), então porque não defender concepções cada vez mais radicais do mesmo?

Se os fins naturais das capacidades sexuais humanas – a reprodução e consequente educação dos filhos num ambiente familiar estável – já não são chamados à colação no que ao sexo e ao casamento diz respeito, então não haverá qualquer razão para se valorizar um dado argumento em detrimento de outro. O debate resumir-se- á à procura dos argumentos mais sonoros.

Chegando-se a este nivel de irracionalidade, até as vulgares acusações de fanatismo, ou do que quer que seja, que impendam sobre os defensores da Moral Tradicional, não farão qualquer sentido, uma vez que não há qualquer motivo para que uma dada posição, sobre um dado assunto, seja mais fanática do que a posição contrária, visto que nenhuma tem qualquer base racional.

É comum, no entanto, ver apoiantes do liberalismo sexual atacarem os defensores da Moral Tradicional, destruindo a sua reputação e o seu modo de vida em nome da … compaixão; ou ameaçando matá-los e destruir a sua propriedade em nome da … tolerância; ou apelidarem-nos histericamente de fanáticos, intolerantes, sexistas e homofóbicos como se tivessem a … formular argumentos racionais.

Não deixa de ser uma contradição admirável que os defensores do materialismo, para quem a vida não tem qualquer sentido, uma vez que acaba com a morte biológica, consigam ser os, soi disant, moralistas mais zelosa e implacavelmente fanáticos jamais existentes. Não tendo as suas crenças o menor laivo de racionalidade, vêm-se forçados a substituir a argumentação lógica, por uma berraria de soundbites histéricos. Por um lado, dizem não acreditar em verdades absolutas mas, por outro, acreditam com fé absoluta nas verdades relativas que lhes convêm, numa mistura repugnante de relativismo intelectual e dogmatismo emocional fanático.

O primeiro passo na apreensão da verdade consiste em cada um aprender a reconhecer as verdades que só o próprio pode saber e que ninguém mais pode confirmar ou negar: só o próprio, pode conhecer as próprias intenções, os actos que praticou em segredo, os sentimentos que não confessou. Nestes casos, ele é a única testemunha, e é nestas situações que vai poder conhecer a diferença radical e intransponível entre verdade e falsidade. As pessoas que negam a existência de verdades são geralmente as que nunca passaram por semelhante experiência e, portanto, sempre deram falso testemunho de si mesmas perante o tribunal da sua consciência, mentindo para si mesmas e por isso sentindo que tudo no mundo é mentira.

Para tais pessoas, é inconcebível que a moral possa ser objectiva, antes devendo ser fabricada a la carte,  preperando o caminho para a aceitação de qualquer aberração, por mais irracional que seja.

 

Não é pois de espantar que qualquer ideologia, por mais irracional, contra intuitiva e contra natural que seja, possa ser imposta e até tornar-se numa verdadeira obsessão, como é o caso da tão incensada igualdade – o dogma por excelência da modernidade:

Bastaria olhar, por um momento, a ordem da natureza - para não falar da ordem espiritual - para constatar que a igualdade não existe em lado nenhum nem é alcançável. Em boa verdade, se a igualdade fosse um princípio universal, nem a Criação teria ocorrido: não teria havido a separação inicial das coisas, a partir do caos amorfo inicial, que teria subsistido eternamente. A Criação teve origem numa diferenciação, numa ruptura, numa separação inicial entre o céu e a terra, entre a luz e as trevas - no surgimento de desigualdades. A desigualdade e a hierarquia estão, portanto, na própria génese da Criação e da Ordem do universo.

A obsessão moderna com a igualdade, e a assunpção de que é sempre inevitavelmente boa, constitui assim um erro metafísico tremendo; na sua génese está uma revolta contra a ordem estabelecida por Deus, com a satânica intenção de fazer recuar a Criação ao caos inicial. É a tentativa de subverter a ordem cósmica, necessariamente baseada na hierarquia; é a promoção da rebelião e do ressentimento disfarçados e justificados sob o pretexto sentimental duma falsa compaixão.

Já, Platão em A República prevenia contra o igualitarismo, que considerava ser inerentemente destruidor de toda a ordem, moralidade e racionalidade, tendo como sequela a tirania. E isto porque, os regimes onde o igualitarismo prevalece notoriamente insistem em tolerar todas as opiniões, todos os modos de vida e todas as religiões, recusando julgar se uns são moralmente superiores aos outros, não favorecendo os melhores através das suas leis, e proscrevendo tudo o que possa parecer “discriminatório”.

John Locke, o mais moderado dos primeiros liberais modernos, defendia a tolerância para com todas as religiões excepto a Católica por esta rejeitar a ideia de um estado liberal e tolerante. Chegou a defender que a marca distintiva de toda a verdadeira religião é a tolerância. Assim, segundo John Lock, apenas as religiões que aceitassem a tolerância propugnada por John Lock, deviam ser toleradas. Ou seja, o regime liberal proposto por John Lock deveria tolerar todos os pontos de vista menos os que contradissessem os princípios estabelecidos por John Lock.  No fundo John Lock só tolerava John Lock.

Mudaram-se os tempos mas não se mudaram as vontades: John Rawls, o mais recente guru do liberalismo moderno, mantendo, fundamentalmente, a mesma linha de pensamento, embora disfarçada sob um véu de argumentos rebuscados e especiosos, defende que uma sociedade liberal deverá ser neutra em relação a todas as doutrinas compreensivas (todos os ponto de vistas religiosos, filosóficos e morais existentes numa sociedade pluralista) que livremente compitam entre si. Mas logo adianta que esse estado liberal só deverá ser neutro em relação às doutrinas compreensivas que sejam razoáveis. E, perguntar-se-á, o que são para Rawls, doutrinas razoáveis? Para Rawls só são razoáveis as doutrinas que estejam dispostas a seguir os princípios liberais. O que quer dizer que o regime liberal de Rawls apenas deverá tolerar os pontos de vista que aceitam os princípios liberais de Rawls.  E assim chegamos a mais uma forma de igualitarismo que só se tolera a si próprio.[72]

Não é pois de estranhar que os regimes liberais, embora tolerem (apoiem e subsidiem) qualquer aberração, não possam tolerar a mera ideia de que certas opiniões ou modos de vida sejam moral, racional e objectivamente superiores a outros, uma vez que tal ideia é subversiva do igualitarismo.

 Por isso este tipo de sociedades tendem na prática a ser intolerantes com os que defendem a existência de parâmetros objectivos para julgar se determinadas opiniões ou modos de vida são piores ou melhores.

 Os regimes igualitários inevitavelmente só toleram opiniões igualitárias.  Ou seja, só se toleram a si próprios. Descambam, mais tarde ou mais cedo na pura tirania e no totalitarismo absoluto, porque só dessa forma é possível impor uma ideologia tão contrária às leis naturais e divinas.

Assim, temos que no tempo de Platão, a democrática, pluralista e igualitária Atenas, matou Sócrates por suspeitar que ele não era nada disso.

 Assim, a revolução francesa em nome da igualdade, liberdade e fraternidade executou, só no seu primeiro ano de vigência, mais pessoas que a Inquisição durante todos os séculos da sua existência.

 Assim a Rússia Estalinista e a China Maoista, instalaram regimes de terror e mataram mais duma centena de milhões de seres humanos em nome da igualdade.

 Assim, as democracias liberais modernas tecem subtil e insidiosamente uma teia legislativa, burocrática e propagandística sempre mais apertada, invasiva e omnipresente que, deixando livres os corpos, aprisiona as almas[73].

Os maiores crimes e atrocidades da história não foram cometidos devido à inveja, ou ao desejo de poder, ou nem mesmo devido aos maus instintos, mas sim devido ao anseio pueril de, por artes mágicas, conseguir uma radical transfiguração da realidade onde 'tudo passará a ser mais belo' - como dizia António Gramsci -, onde os amanhãs que cantam ou a sociedade do bem-estar igualitária, finalmente chegarão.

 Já Fiodor Dostoiévski nos Irmãos Karamazov lembrava a fundamental incompatibilidade entre o amor a uma abstracta humanidade (apanágio dos revolucionários) e o amor ao próximo (prescrito por Cristo).

A procura da felicidade universal, quando desacompanhada da caridade para com os seres humanos de carne e osso, parece autoconferir aos seus portadores uma mágica autoridade moral que os imuniza contra qualquer tipo de escrúpulos ou arrependimento em relação aos seus actos, por mais bárbaros e hediondos, que possam ter sido. Os indivíduos ou grupos imbuídos dessa mentalidade revolucionária julgam-se habilitados a remodelar o conjunto da sociedade – se não mesmo a natureza humana – por meio da acção política, acreditando que, sendo agentes de um futuro melhor, estão acima de qualquer juízo de valor por parte da humanidade presente ou passada, só tendo de dar satisfações ao tribunal da história. Mas esse tribunal é, por definição, a tal sociedade futura que esse indivíduo ou grupo dizem representar no presente; e como essa sociedade só pode julgar através dos seus representantes presentes, estes tornam-se assim, não só nos únicos juízes de seus próprios actos, mas dos actos de toda a humanidade passada, presente e futura, podendo acusar e condenar todas as leis, instituições, crenças, valores, costumes, acções e obras de todas as épocas, sem que, eles próprios, possam ser julgados por nenhuma delas,  ficando, assim, imbuídos duma substâmcia moral e psicológica radicalmente diferente da da humanidade normal: qualquer esquerdista sente-se membro duma supra-humanidade ungida, detentora de direitos negados ao comum dos mortais.

Para alguém criado no relativismo, que entrou na moda nos anos sessenta do século passado é difícil aceitar o facto, que a experiência  demonstra, que no mundo há pessoas muito boas e pessoas muito más, separadas por um abismo irredutível. Hoje em dia, quem quer que proclame em voz alta a existência dessa diferença, que salta aos olhos na vida diária, é imediatamente acusado de “maniqueísmo”.

E, não por acaso, todos os mestres-pensadores e líderes políticos que encarnavam os ideais pomposamente alardeados pela militância intelectual esquerdista — todos, sem exceção — pertenciam inequivocamente à segunda categoria. Quem quer que estude as vidas de cada um deles descobrirá que Voltaire, Diderot, Jean-Jacques Rousseau, Sade, Karl Marx, Tolstoi, Bertolt Brecht, Lenin, Stalin, Fidel Castro, Che Guevara, Mao Tsétung, Bertrand Russell, Jean-Paul Sartre, Max Horkheimer, Theodor Adorno, Georg Lukács, Antonio Gramsci, Lillian Hellman, Michel Foucault, Louis Althusser, Norman Mailer, Noam Chomsky e tutti quanti foram indivíduos sádicos, obsessivamente mentirosos, aproveitadores cínicos, vaidosos até à demência, desprovidos de qualquer sentimento moral superior e de qualquer boa intenção por mais mínima que fosse, excepto, talvez, no sentido de usar as palavras mais nobres para nomear os actos mais torpes. Muitos cometeram assassinatos pessoalmente, sem jamais demonstrar remorso. Outros foram estupradores ou exploradores de mulheres, opressores vis de seus empregados, agressores de suas esposas e filhos. Outros, orgulhosamente pedófilos. Em suma, o panteão dos ídolos do esquerdismo universal é uma galeria de deformidades morais de fazer inveja à lista de vilões da literatura universal. De fato, não se encontrará entre os personagens de Shakespeare, Balzac, Dostoiévski e demais clássicos nenhum que se compare, em malícia e crueldade, a um Stalin, a um Hitler ou a um Mao Tsé-tung.

 

 No entanto, Mau Tsé-Tung, Stalin e Pol-Pot, certamente amavam fraterna e igualitáriamente,  queriam libertar da opressão burguesa e conduzir ao paraíso terrestre as dezenas de milhões de seres humanos que assassinaram.

E, Mário Soares e os revolucionários de Abril, ardiam numa acrisolada solidariedade e numa vontade premente de libertar da opressão colonialista os quase dois milhões de vítimas da sua descolonização.

Todos eles justificaram os seus crimes e criaram-se boas consciências, por força dos nobres ideais que prosseguiam, acreditando nessa mentira não porque estivessem enganados, mas porque gostavam e viviam dela:

A quem escolhe viver na mentira, esta dá-he o poder sublime de se tornar superior ao conjunto da realidade[74].

Tal gente, na verdade, nem quer saber da realidade porque acredita que a única realidade é a do processo histórico, do qual ela própria pretende ser a condutoura: o  esquema mental que se criaram é, na verdade, o pretexto mais conveniente, jamais encontrado, para se poder inventar uma realidade à la carte; nunca a expressão donos da verdade se aplicou tão a propósito. Sendo a verdadeira humildade,  a aceitação da realidade, nunca a soberba antingiu tamanhas porporções.

 A verdadeira caridade cristã consiste em amar o próximo num mundo mau e triste onde ele precisa de ajuda e consolo; a solidariedade moderna não passa duma farsa demoníaca que abole a caridade (ou a transforma numa burocracia impessoal e totalitária) e sacrifica a humanidade presente, em nome de um futuro reino hipotético de amor e bem-estar universais.

 O mundo seria bem melhor se os revolucionários em vez de procurar melhorar o mundo, procurassem melhorar-se a si próprios.

 

Contra o conjunto das assumpções modernas nunca será demais salientar, como temos feito, que um sistema moral só é justificável partindo de premissas teístas que pressuponham a existência de um Deus que atribua um fim ou intencionalidade ao mundo e a todas as coisas; premissas que pressuponham a existência de causas formais e finais, a existência duma natureza humana imutável, duma alma imortal e dum Direito Natural inscrito na natureza das coisas, - por muito que tudo isto possa parecer sumamente estranho à ideologia liberal igualitária, que vê como epítome de moralidade, a contracepção, o “casamento gay” e a morte, subsidiada pelos impostos, de quantidades astronómicas de crianças ainda no ventre da mãe e que propõe como objectivo de vida comer, beber e gozar o mais e o melhor possível (de preferência sem esforço e à custa de outros), copular frequentemente sem ter de arcar com as responsabilidades do casamento e dos filhos, ocupar o tempo que sobre alienando-se, numa agitação perpétua, com entretinimentos mais ou menos acéfalos, ou atordoando-se com drogas e, quando tudo isto começar a tornar-se pesado e a vida dolorosa, pôr fim a essa existência vazia e estúpida com uma injecção rápida ministrada por um médico do serviço nacional de saúde.

Até o Papa João Paulo II reconheceu em 1994 que, “sob as aparências de continuidade daquilo a que até hoje se chamava civilização, cresce hoje em todo o mundo uma espécie de anti civilização, a civilização do Anticristo. Neste mundo novo, todas as ideias e concepções mais francamente erradas, mórbidas, disformes e fracassadas que os séculos e os milénios anteriores tinham rejeitado, saem do fundo do lixo do esquecimento para constituir os pilares de um culto universal da mentira.”

A refutação desta mundividência materialista, herdeira da revolução cartesiana, não é para a Igreja, e para os católicos em geral, uma questão de opção: é algo que não se podem abster de fazer: trata-se de uma questão de sobrevivência.

Porque se as pessoas acreditarem piamente, como são levadas a acreditar desde a mais tenra infância, há já várias gerações, - por meio da escolaridade obrigatória, dos media, da industria do espectaculo, da narrativa oficial de todas as instituições - que o mundo é apenas constituído por matéria surgida do nada e a caminho do nada, e que os homens mais não são que robots de carne e sangue, sem alma e condenados há extinção eterna, não é de admirar que tais pessoas, dominadas por essa mundividência claustrofóbica e mesquinha, não consigam encontrar qualquer sentido racional para a visão religiosa clássica do mundo.

Tais pessoas, até poderão julgar-se sinceramente religiosas e crentes e frequentarem aos Domingos os Sacramentos. Mas, a sua Alma, estará de tal forma materializada e, por assim dizer, empedernida que tudo não passará duma vontade superficial de ser bonzinho, de ser bom cidadão, solidário e cumpridor das obrigações sociais. A sua religião não passará de mero sentimentalismo, dum vago anseio por uma espiritualidade vaga - não será mais que uma convenção contingente. No íntimo acharão sempre que coisas como a Incarnação e a Ressureição de Cristo, os milagres que realizou em vida e ao longo da História, a Concepção Imaculada da Santíssima Virgem, a Comunhão dos Santos e o Mistério da Santíssima Trindade, não passam de crendices medievais a que um homem moderno, esclarecido, e iluminado pela verdade científica, não poderá dar grande crédito.

É, pois, mister que a Igreja combata e exponha como falsas, perversas incompatíveis com a Lei Divina e a Lei Natural, as assumpções metafísicas que estão por de trás desta moderna visão materialista do mundo.

Não será, no entanto, uma tarefa fácil - do ponto de vista humano será mesmo impossível - uma vez que vai contra todas as tendências actuais prevalecentes tanto na sociedade civil como na hierarquia da Igreja.

Só com um auxílio dum acto da Graça Divina poderá ser possível conseguir o discernimento e a audácia necessários para rechaçar a mundividência pós-cartesiana e recuperar a Res publica christiana .

Este imprescindível combate terá, também, de ser espiritual; não será levado a bom porto recorrendo apenas a um saber livresco ou por meio duma argumentação racional, mas principalmente por meio da e da Oração: a máxima Credo ut intelligam[75] terá de nos amparar, hoje mais do que nunca. É preciso que sejamos tocados e animados pelo Espírito Santo, o Espírito de Verdade que (nos) guiará a toda a verdade[76].

 Porque não estamos a defrontar simples construções intelectuais humanas mas algo de bem mais formidável: porque não temos de lutar contra a carne e o sangue, mas sim contra os principados e potestades, contra os príncipes das trevas do mundo, conta os espíritos de malícia espalhados pelos ares.[77]

 Nem poderia ser doutra forma quando o que está em causa é a própria sobrevivência da Fé Cristã e a salvação das almas imortais. Com efeito, se o universo fosse o que as ideologias modernas dizem, a Fé Católica e a sua Sagrada Liturgia não passariam de amargas paródias.

Eia pois,  militiae christi, é necessário, mais do que nunca, combater o bom combate[78].

Foi o que procurámos fazer nestas páginas, ao nosso modesto nível, com a ajuda do Doutor Angélico.

 

 

João Faria de Morais

 

Lisboa, 9 de Fevereiro- dia de Santa Apolónia, virgem e mártir - do ano da Graça de NSJC de 2019



[1] A Igreja proclamou sua a doutrina de São Tomás

[2] Estudai a obra de S. Tomás.

[3] Do prólogo do Lazarillo de Tormes

[4] Tomismo é a filosofia escolástica de São Tomás de Aquino (1225-1274) que se caracteriza, sobretudo por procurar conciliar o pensamento aristotélico e neoplatónico com o cristianismo e os textos da Bíblia.

[5] Leibniz diria, mais tarde, serem as essências, esquemas de possibilidades.

[6] A essência de um ente seria o conjunto de aspectos que, podendo ser resumidos numa forma mental fixa, revelariam o que ele é independentementedas transformações que sofresse no decurso da sua existência; esse conjunto de aspectos seriam comuns a todos os entes da mesma espécia muito embora todos eles sejam diferentes uns dos outros.

[7] Segundo o qual só é possível obter qualquer tipo de conhecimento válido através do método cientifico moderno. Bertrand Russel, v.g., declarou que “O que a ciência não nos pode dizer a humanidade não pode saber”

[8] Cuja nossa experiência subjectiva os filósofos modernos chamam qualia. Qualia são os aspectos subjectivos duma experiência consciente em virtude dos quais é possível existir algo como essa experiência.

[9] Sir Arthur Eddington:  The Nature of the Physical World, pag. 251

 

[10] La place, quando perguntado por Napoleão se acreditava em Deus respondeu: “senhor, não tenho necessidade dessa hipótese”.

[11] Vide, Negri, Antonio, Political Descartes. Reason, Ideology and Bourgeois Project, London, Verso, 2007.

[12] Veja-se o sucedido com o pensamento económico, área tão cara à burguesia emergente: Adam Smith (1723-1790), pai da economia moderna, mesmo antes de escrever a sua obra-mestra, ‘The Wealth of Nations’, confessava o desejo de encontrar uma justificação para os problemas morais levantados pela ávida procura de lucro surgida com a revolução industrial - com o cortejo de misérias e injustiças que a acompanhavam. A solução por ele urdida foi, nas palavras de René Dumont, tentar escapar aos problemas morais sem ter de os defrontar, colocando-se numa posição de neutralidade técnica, acima da moral. Assim nasceu a famigerada mão invisível que, através de um poder mágico, transformava alquimicamente a prossecução individual do interesse próprio, na força motora da nova economia: da conjugação de todos os egoísmos individuais, resultaria um benefício máximo para toda a sociedade. Ficavam justificados a ganância, a cobiça, a agiotagem, etc.

Paralelamente Bernard Mandeville na famosa A Fábula das Abelhas (1723), defendia que tudo que a moral tradicional considerava vícios - a ganância, a inveja, a vaidade, o orgulho – eram, pelo contrário, fundamentais para a prosperidade duma nação, porque (segundo ele) a busca do auto-interesse teria como consequência, não intencional, a dinamização da economia e a estabilização da sociedade. O bem-comum deixava assim de ser um produto da bondade das pessoas, das suas virtudes, mas antes dos seus vícios individuais.

É bom de ver que uma crendice tão descabeladamente absurda e anti-cristã jamais poderia ter sido imposta, tida por científica e, muito menos, ensinada em universidades soi disant católicas, num mundo onde ainda prevalecesse a tradição filosófica A-T.

Contra esta inversão da ordem moral e económica, Pio XI, na encíclica Quadragesimo Anno, advertia que “ainda que a economia e a moral, cada uma em seu âmbito, tenham princípios próprios, é errado defender que a ordem económica e a moral estejam distanciadas e separadas uma da outra”.

 

[13] Chesterton, G.K., S. Tomás de Aquino.

 Noutro passo, afiançava que o fim da escolaridade obrigatória moderna seria, precisamente, privar as pessoas comuns do senso comum que lhes é inato, tido por preconceituoso, preparando os espíritos para a aceitação passiva de todas as absurdidades que se lhes queiram impor.

 

[14] Conf. Borella, Jean, Le sens du surnaturel (Geneva: Editions Ad Solem, 1996)

[15] É notavel, como S. Paulo, no seguinte trexo da Carta de S. Paulo aos Romanos ( 1, 18-23), nos diz claramente o mesmo:

De facto, a ira de Deus, vinda do céu, revela-se contra toda a impiedade e injustiça dos homens que, com a injustiça, reprimem a verdade. 19Porquanto, o que de Deus se pode conhecer está à vista deles, já que Deus lho manifestou. 20Com efeito, o que é invisível nEle - o seu eterno poder e divindade - tornou-se visível à inteligência, desde a criação do mundo, nas suas obras.

Por isso, não se podem desculpar. 21Pois, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram nem lhe deram graças, como a Deus é devido. Pelo contrário: tornaram-se vazios nos seus pensamentos e obscureceu-se o seu coração insensato. 22Afirmando-se como sábios, tornaram-se loucos 23e trocaram a glória do Deus incorruptível por figuras representativas do homem corruptível….

 

[16] Foi precisamente a teimosia moderna em, contra todas as evidências, descartar as causas finais que criou, quanto ao problema da causalidade, um sem números de paradoxos que a ciência, hoje, é incapaz de resolver.

 

[17] S. Tomás, Summa Contra Gentiles II. 3

[18] Diz-se que, é materialmente impossível os seres humanos, v.g., voarem (sem a ajuda de artefactos) porque, embora, no nosso mundo, tal seja impossível, é concebível um mundo onde os seres humanos tivessem asas e pudessem voar.

 Diz-se que é metafisicamente impossível 2+ 2 serem 5, porque tal afirmação não é falsa no nosso mundo nem, é concebível um mundo onde possa ser verdade.

[19] Evangelho segundo São Mateus, 6:24.

[20] Conf. E. A. Burt, The Metaphysical Foundations of Modern Physical Science (Humanities Press, 1980)

[21] Por exemplo, um dos principais “dogmas” do cientismo moderno foi sintetizado, por Rosenberg, em 2011, do seguinte modo:

 O método científico é a única forma fiável de obter qualquer tipo de conhecimento.

 Acontece que esta asserção, fundamental para o pensamento científico moderno, não é, ela própria, … científica. Na realidade esta afirmação não é passível de ser comprovada pelo método científico porque a crença de que a ciência é a única forma racional de pesquisa da realidade assenta num sem número de assumpções… metafísicas: na assumpção de que existe um mundo objectivo exterior à mente dos cientistas; na assumpção de que esse mundo é governado por regularidades passiveis de serem expressas em leis científicas; na assumpção de que o intelecto humano pode apreender e descrever correctamente essas regularidades, e por aí a fora.

Uma vez que o método científico pressupõe estas coisas, não pode pretender ser ele a justificá-las sem cair numa argumentação em círculo. Este círculo só poderá ser rompido se a afirmação de que (só) a ciência consegue dar uma imagem correcta da realidade, for estabelecida através de argumentos extra-científicos. Mas nesse caso, a própria necessidade de recorrer a essa argumentação extra-cientifica , desmente a afirmação de que só a ciência fornece os meios racionais de investigar a realidade objectiva.

 

[22] Conf.:

 Odeberg, David, Moral Theory (Blackwell, 2000)

 Odeberg, David, The Metaphysical Foundations of Natural Law (Catholic University of America Press, 2008).

Bittle, Celestine, Man and Morals (Bruce Publishing Company, 1950)

Higgins, Thomas J., Man as Man: The Science and Art of Ethics (Bruce Publishing Company, 1959)

Cronin, Michael, The Science of Ethics (M.H. Gill and Son, 1920)

[23] J. W. Dunne (soldado, engenheiro aeronáutico e filósofo inglês), The New Immortality (1938)

[24] Conf., The New Science of Politics e Order and History, Eric Voegelin.

[25]A possibilidade de punição do Discurso de Ódio, na prática, significaa possibilidade de punir virtualmente todo o tipo de opinião expressa: desde oposição ao “casamento” gay, até dúvidas sobre a real existência das “alterações climáticas”antropogénicas..

[26] Título cuja aura de prestígio vem do esquecimento da sua origem: o principal direito que a Assembleia francesa concedeu ao citoyen foi o de servir obrigatoriamente no Exército, sob pena de ir parar à guilhotina. Com isto a Revolução acabou com uma das mais belas conquistas da civilização — a liberdade pessoal de não ir à guerra, respeitada desde o Império Romano — e inaugurou a era do envolvimento sistemático das populações civis no morticínio generalizado. Ser um Citoyen mais não significa que ser súbdito da burocracia militarista.

[27] Ver, a propósito, Farewell to the Family?,  Patricia Mongan, (London, Institute of Economic Affairs, 1995):

Segundo Morgan o governo britânico da altura liderado pela Sra. Thatcher, embora nominalmente conservador, adoptou um programa de desincentivos financeiros ao casamento e à estabilidade familiar, de tal modo que apenas os casais mais determinados (e de maiores rendimentos) pudessem superar as desvantagens de se ser casado. Por exemplo, em consequência das novas leis implementadas, uma mãe solteira (ou,divorciada) com dois filhos,  se trabalhasse 20 horas por semana a £4 por hora e terminaria com £163.99, deduzidos impostos e aluguer da casa de morada. Um homem casado pai de dois filhos, trabalhando 40 horas com a mesma remuneração, ficaria apenas com £130.95. Trabalhando em período integral, o pai de família ganharia £33 a menos que a mãe solteira trabalhando meio período. Não é pois de estranhar que uma mulher da classe operária  passasse aconsiderar o marido como algo menos que inútil, - sendo ainda incentivada nessa convicção por suas irmãs feministas de classe média, cuja ideologia tinha, justamente, criado aquela política fiscal. O Estado passava, assim, a encarar cada pessoa como uma unidade autolimitada, atomizada, com estrita igualdade matemática em termos fiscais como se os laços familiares fossem inexistentes. O facto de ser casado passava a não contar para nada... O casamento deixava, assim,  de ser reconhecido pelos sistemas legais e fiscais

 

 

[28] Pragmatismo, escola segundo a qual o conceito tradicional da verdade como uma correspondência entre o conteúdo do pensamento e um estado de coisas deve ser abandonado em proveito de uma noção utilitária e meramente operacional. Nela, a verdade não corresponde a um estado objectivo, mas ao que pode ter aplicação útil e eficaz numa dada situação.

[29] É, a esta luz, que devemos entender o mantra obcessivamente repetido pelos católicos modernistas segundo o qual Cristo seria um homem radicalmente do seu tempo, subentendendo-se, dessas palavras, que a Revelação deveria ser incessantemente adaptada aos novos tempos (ao espírito do tempo).

[30]  Ver, Olavo de Carvalho, O jardim das Aflições.

[31]em "aquilo que, sempre e em toda parte,  foi  acreditado por todos"

[32]  Não por acaso, Stephen Hawking, notório assecla do cientismo, conhecido pelo seu ateísmo militante, declarou ser o bom senso reaccionário.

 A propósito, relembrar as palavras evangélicas: Graças Vos dou, ó Pai, Senhor do céu e da terraporque escondestes estas coisas aos sábios, e as revelastes aos pequenos”- Evangelho segundo São Mateus II. 25-30

[33] Ver, para aprofundamento dos temas tratados neste e nos próximos quatro capítulos, a obra de Edward Feser.

[34] C.F. Martin, in Thomas Aquinas: God and Explanations.)

[35] Curiosamente, recentemente e apesar de aparentemente não estar demente, Feitor Pinto, um conhecido Padre português, Prior na Igreja do Campo Grande, muito na moda entre a burguesia endinheirada da Capital, proferiu, quase ipsis verbis, a propósito da Comunhão dos “recasados”,declarações públicas no mesmo sentido”.

[36] Não por acaso, a quase totalidade dos clérigos defensores duma maior abertura da Doutrina da Igreja em relação ao adultério e aos actos homossexuais, mais cedo ou mais tarde vêm a revelar-se homossexuais e/ou pedófilos.

[37] São Tomás de Aquino, In Sententia de caelo et mundo I.22

[38] Posição advogada, nos nossos dias, por filósofos como, Kai Nilsen e D. J. O´Conor.

[39]   A palavra valor, tal como é utilizada pelos filósofos modernos, presta-se a interpretações erradas uma vez que pressupõe a existência de alguém que faz a valoração e portanto de subjectividade. Os filósofos A-T preferem falar, não de valor, mas de bem que, para eles, é totalmente objectivo.

 

[40] Summa Theologiae I-II.94.2

[41] Summa Theoligiae I-II. 94.2

[42] Summa Theologiae  I-II. 90.1

[43] O incurvatio in se ipsum de que fala Santo Agostinho.

[44] Nas palavras de C.S. Lewis, “O verdadeiro mal dos actos masturbatórios radica no facto de se servirem de uma faculdade que, correctamente usada, nos conduz para fora de nós próprios com o fim de nos completarmos no outro, e direcciona-a para dentro de nós: reconduz-nos para a prisão do nosso ego, onde poderemos usufruir dum harém de amantes imaginárias que não nos deixarão apreciar uma mulher real. Porque esse harém estará sempre disponível, sempre subserviente; não exigirá sacrifícios ou cedências, e poderá ser dotado de atracções eróticas e psicológicas que nenhuma mulher poderá igualar. No meio dessas amantes fantasmagóricas seremos sempre adorados, seremos sempre o amante perfeito; nenhuma exigência perturbará o nosso egoísmo, nem nenhuma mortificação ensombrará a nossa vaidade”.

[45] O Magistério da Igreja sempre considerou a sodomia, juntamente com homicídio, e a remuneração injusta dos trabalhadores, os três pecados que clamam pela vingança dos céus. E isto porque constituem um ataque à mera possibilidade de existência de qualquer tipo de moralidade fundada na ordem natural, um ataque à estrutura da realidade ou, em termos religiosos, ao Verbo Divino. Embora seja muito pior cometer um homicídio que cometer um acto de sodomia, a verdade é que o primeiro muitas vezes é um meio horrendo e exagerado de prosseguir o que de outro modo seriam impulsos naturais ou inócuos: ira, ciúmes, desejo de algum objecto ou do amor de alguém ou até um desejo de justiça; enquanto a sodomia provém de um desejo que positivamente, de raiz é, contranatura. Do mesmo modo o aborto junta à injustiça do homicídio algo gravemente antinatural – o desejo de matar o seu próprio filho.

[46] Primeira Epístola  de S. Paulo aos Tessalonicenses, 4. 7.

[47] Summa Theologiae II-II. 153.2

[48] Será esta uma das causas para prevalência tão acentuada dos crimes sexuais nas sociedades modernas.

[49] Summa Theologiae II-II.142.1

[50] É fácil o caminho do mal. Virgílio, Eneida

[51] Eu me irei deste mundo e vos deixarei: mas virá o tempo em que me busqueis, e não me acheis, e todos morrereis nos vossos pecados. (In, Sermão, de Padre António Vieira, na Segunda-Feira depois da segunda Dominga da Quaresma, pregado em Torres Vedras, andando o autor em Missão, no Ano de 1652).

[52] Um anjo é uma mente incorpórea, uma criatura de puro intelecto e vontade.

 

[53] Conf.:Summa Theologiae 1.64.2.; De Veritate, Questão XXIV, Artigo 10; On Evil, Questão XVI, Artigo 5.

[54] Conf. Summa Contra Gentiles, Livro 4, Capítulo 95.

[55] Para quem quiser aprofundar o tema recomenda-se: Vonier, Abbot, The Human Soul.

Garrigou-Lagrange, Reginald, Life Everlasting and the Immensity of the Soul.

[56] Salmo 127: Nisi Dominus aedificaverit domum in vanum laboraverunt qui aedificant eam nisi Dominus custodierit civitatem frustra vigilavit qui custodit (Se Deus não edificar a casa, em vão trabalham os que a constroem. Se Deus não guardar a cidade, de balde vigiam as sentinelas.)

 

[57] Chesterton, G. K., The Outline of Sanity, 1926.

[58] Chesterton, G. K., The Well and the Shallows, 1935

[59] Conf. art. 8º da constituição da república portuguesa, segundo o qual as normas emanadas de dos orgãos competentes das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna; ou seja, sobrepõe-se à própria constituição (seja dito em abono da verdade que a própria constituição - elaborada por uma assembleia composta por grupos de sócratezinhos, duartelimazinhos e máriosoarzinhos – já tinha como propósito sobrepor-se à Lei Natural).

[60]  Ver, em Português, A Globalização da Revolução Cultural Ocidental: Conceitos-Chave Mecanismos Operacionais (Principia, 2015)

[61] Expressão cunhada por João Paulo II.

[62] Organizações como a OCDE que, em princípio, deveriam ser de índole meramente económica, criam constantemente inúmeros documentos com “recomendações” (que de inicio pretendiam ser apenas soft law mas que crescentemente vêm adquirindo um caracter coercivo) no sentido de levar os governos nacionais a implementarem medidas conducentes à igualdade de género, ao combate à homofobia, etc.

[63] Radicará aqui a razão da insistência mântrica, quase patológica, com que os nossos governantes repetem a palavra “consenso”!

[64] Transversalidade de Género: O termo surgiu na IV Conferencia mundial de Mulheres em Pequim 1995: pretendeu-se criar um enfoque cada vez maior no combate à descriminação e desigualdade de género. Converteu-se em política oficial da União Europeia e espalhou-se pelo mundo com especial virulência na américa latina.

[65] Vide a quase totalidade da hierarquia da Igreja católica e, nomeadamente, o Papa Francisco.

[66] Conf. Psicopolítica Byung-Chul Han, 2014)

[67] Espectros de la Movida – Ediciones Akal

[68]  Movida Madrilena  (do castelhano la movida, "a acção")  foi um movimento contra cultural surgido em Madrid no início da década de 80. Estendeu-se rapidamente por toda a Espanha na chamada Movida Espanhola. Prolongou-se até ao final dos anos 80, tendo tido o seu auge em 1981 com El Concierto de Primavera". Nesse período, a noite madrilena foi muito activa, não só pelas saídas noctívagas da juventude, mas também por causa de um interesse incomum nas chamadas "culturas alternativas" ou "subterrâneas" (underground).

 

[69]Conf: Carta de S. Paulo aos Romanos, 1, 18-32:

De facto, a ira de Deus, vinda do céu, revela-se contra toda a impiedade e injustiça dos homens que, com a injustiça, reprimem a verdade. 19Porquanto, o que de Deus se pode conhecer está à vista deles, já que Deus lho manifestou. 20Com efeito, o que é invisível nEle - o seu eterno poder e divindade - tornou-se visível à inteligência, desde a criação do mundo, nas suas obras.

Por isso, não se podem desculpar. 21Pois, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram nem lhe deram graças, como a Deus é devido. Pelo contrário: tornaram-se vazios nos seus pensamentos e obscureceu-se o seu coração insensato. 22Afirmando-se como sábios, tornaram-se loucos 23e trocaram a glória do Deus incorruptível por figuras representativas do homem corruptível….

24Por isso é que Deus, de acordo com os apetites dos seus corações, os entregou à impureza, de tal modo que os seus próprios corpos se degradaram. 25Foram esses que trocaram a verdade de Deus pela mentira, e que veneraram as criaturas e lhes prestaram culto, em vez de o fazerem ao Criador, que é bendito pelos séculos! Ámen.

26Foi por isso que Deus os entregou a paixões degradantes. Assim, as suas mulheres trocaram as relações naturais por outras que são contra a natureza. 27E o mesmo acontece com os homens: deixando as relações naturais com a mulher, inflamaram-se em desejos de uns pelos outros, praticando, homens com homens, o que é vergonhoso, e recebendo em si mesmos a paga devida ao seu desregramento.

28E como não julgaram por bem manter o conhecimento de Deus, entregou-os Deus a uma inteligência sem discernimento. E é assim que fazem o que não devem: 29estão repletos de toda a espécie de injustiça, perversidade, ambição, maldade; cheios de inveja, homicídios, discórdia, falsidade, malícia; são difamadores, 30maldizentes, inimigos de Deus, insolentes, orgulhosos, arrogantes, engenhosos para o mal, rebeldes para com os pais, 31estúpidos, desleais, inclementes, impiedosos.

32Esses, muito embora conheçam o veredicto de Deus, não compreenderam que os que fazem semelhantes coisas são dignos de morte; e não somente os que as fazem se não também os que as consentem.

 

[70] Carvalho, Olavo de, Ódio à Realidade, in: Tudo o que precisa saber para não ser um idiota.

 

[71] Como vimos, no capítulo V, o Doutor Angélico já o tinha dito no século XIII.

[72] É um dos embustes do liberalismo tentar fazer crer ser possível não discriminar, ser neutro e imparcial. Na verdade é impossível ser-se neutro porque tudo tende (pelo menos) para o bem ou para o mal. A pergunta a fazer não será, pois, “como não discriminar?” mas “quem defender?”: O Cristianismo ou o Vudu? A mãe que aborta ou a que dá à luz os filhos? As famílias estáveis ou o divórcio a la carte. Porque se não defendemos os primeiros fatalmente acabamos favorecendo os segundos.

[73] Lembram as palavras de Frei Amador Arrais no século XVI: “Quais são os Reinos que ordenam multidão de leis; das quais se não colhe outro fruito senão viverem os bons em cerco, que não hão mister de tantas leis; e os maus terem mais leis que desprezar, para satisfação de seus desordenados apetites. Isto é atar as mãos aos bons e soltá-las aos maus.”

[74] Olavo de Carvalho

[75] Acredito para que possa entender – frase de Anselmo de Cantuária parafraseando Santo Agostinho.

[76]Evangelho segundo S. João, 16:13.

[77] Carta de S. Paulo aos Efésios, 6:12.

[78] Segunda Carta de S. Paulo a Timóteo, 4:7.

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