A Rocha da Igreja, a Democracia e a Colegialidade  

«Jesus Cristo, tendo chegado ao distrito de Cesareia de Filipe, perguntou aos Seus discípulos: Quem dizem os homens que Eu, o Filho do Homem, sou? E eles responderam-Lhe: Alguns dizem que és João Batista; outros, Elias; outros ainda, Jeremias ou um dos profetas. Ele disse-lhes: E vós, quem dizeis que Eu sou? E Simão Pedro respondeu e disse: Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo. E Jesus respondeu e disse-lhe: Bem-aventurado és tu, Simão Pero, porque não foi a carne e o sangue que to revelaram, mas o meu Pai que está nos céus. E eu te digo que tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. E eu te darei as chaves do Reino dos Céus. E tudo o que ligares na Terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na Terra será desligado nos Céus» (Mateus xvi. 13-19).

Jesus, na Sua sobrenatural presciência, apontou assim a rocha sobre a qual edificaria a sua Igreja. Mas, para nos mostrar que a Sua escolha estava livre de qualquer suspeita de arbitrariedade, Ele começa por buscar noutro lugar a resposta humana à verdade revelada. Ele volta-se, em primeiro lugar, para a opinião pública em geral; Ele deseja primeiro ver se pode ser reconhecido, aceite e aclamado pela opinião da multidão, a voz do povo: Quem dicunt homines esse Filium Hominis? Por quem os homens me tomam? Mas a Verdade é sempre uma e a mesma, enquanto as opiniões dos homens são muitas e conflituantes. A voz do povo, que alguns afirmam ser a voz de Deus, apenas respondeu à pergunta do Deus-Homem com as suas próprias opiniões erradas e discordantes. Não há ligação possível entre a Verdade e tais erros; a humanidade não pode entrar em relação com Deus por meio da opinião popular ; a Igreja de Cristo não pode ser fundada na democracia.

Tendo questionado a opinião popular e não tendo encontrado aí a resposta do homem à verdade divina, Jesus Cristo volta-se para os seus escolhidos, o colégio dos apóstolos, o primeiro de todos os concílios ecuménicos: Vos autem quem me esse dicitis? E vós, tendes-me por quem? Mas os apóstolos permanecem em silêncio. No momento anterior, quando lhes foi pedida a opinião dos homens, os doze falaram todos juntos: por que deixam a palavra a um de entre eles quando se trata de afirmar a verdade divina? Possivelmente porque não estão totalmente de acordo entre si; possivelmente porque Filipe não percebe a relação essencial de Jesus com o Pai celestial; possivelmente porque Tomé duvida do poder messiânico do seu Mestre. O último capítulo de São Mateus diz-nos que mesmo na montanha da Galiléia, para onde foram convocados por Jesus após a Sua ressurreicção, os apóstolos não se mostraram unânimes e firmes na sua fé: quidam autem dubitaverunt (Mateus xxviii. 17).

Para dar testemunho unânime da verdade pura e simples, um concílio deve estar em acordo absoluto. O acto decisivo deve ser um acto inteiramente individual, o acto de uma única pessoa. Não é a multidão dos fiéis nem o concílio apostólico, mas somente Simão Bar-Jonas que responde a Jesus. Respondens Simon Petrus dixit: Tu es Filius Dei vivi. Ele responde por todos os apóstolos, mas fala por sua própria responsabilidade, sem os consultar ou esperar o seu consentimento. Quando os apóstolos repetiram, um momento antes, as opiniões da multidão que seguia Jesus, eles apenas repetiram o que eram erros; se Simão tivesse apenas desejado expressar as opiniões dos apóstolos, ele possivelmente não teria alcançado a verdade pura e simples. Mas ele seguiu o seu próprio impulso espiritual, a voz da sua própria consciência; e Jesus, ao pronunciar a sua aprovação solene, declarou que esse impulso, apesar de todo o seu caráter individual, vinha, no entanto, do seu Pai celestial,  que era um acto tanto divino quanto humano, uma cooperação real entre o Ser absoluto e o sujeito relativo.

A rocha inexpugnável, foi assim descoberta, o ponto fixo sobre o qual se baseia a actividade divino-humana. O fundamento orgânico da Igreja universal reside num único homem que, com a assistência divina, responde por todo o mundo. Esse ponto, não está fixado nem na impossível unanimidade de todos os crentes, nem no acordo inevitavelmente arriscado de um concílio, mas na unidade real e viva do príncipe dos Apóstolos. E, doravante, sempre que a questão da Verdade for colocada à humanidade cristã, não será da voz das massas nem da opinião dos eleitos que virá a resposta fixa e definitiva. As opiniões arbitrárias dos homens só darão origem a heresias; e a hierarquia separada do seu centro e abandonada à mercê do poder secular abster-se-á de falar ou falará através de concílios como o concílio ladrão de Éfeso (segundo concílio de Éfeso). Só em união com a rocha sobre a qual está fundada é que a Igreja poderá reunir verdadeiros concílios e definir a Verdade por fórmulas autorizadas.

 Onde Pedro não fala, apenas as opiniões dos homens encontram expressão — e os apóstolos permanecem em silêncio. Mas Jesus Cristo não elogiou as opiniões vagas e contraditórias da multidão, nem o silêncio dos Seus discípulos escolhidos; foi a declaração firme, decisiva e autoritária de Simão Bar-Jonas sobre a qual Ele colocou o selo da Sua aprovação. Claramente, essa declaração, que satisfez nosso Senhor, não precisava de ractificação humana; possuía validade absoluta etiam sine consensu Ecclesiae. Não foi por meio de uma consulta geral, mas (como o próprio Jesus o próprio Cristo testemunhou) com a assistência directa do Pai celestial que Pedro formulou o dogma fundamental da nossa religião; e a sua palavra definiu a fé dos cristãos pelo seu próprio poder inerente, não pelo consentimento dos outros — ex sese, non autem ex consensu Ecclesiæ.

 

Russia and The Universal Church, Vladimir Solovyev

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