O pleno desenvolvimento da personalidade humana e a união com Deus
Segundo S. Tomás, a personalidade é álgo de
positivo: é aquilo pelo qual todo o ser dotado de razão é um sujeito independente que pode referir-se
a si próprio como “eu”, ou que se pertence, que é senhor de si mesmo, sui juris; a ele se atribui a naturez aracional,
a existência, e as operações que constituem a sua actividade. Nesse sentido
costuma-se dizer que Pedro e Paulo são pessoas, e duas pessoas distintas; cada
um é um sujeito independente, e um todo, ao qual se atribui a natureza humana,
a existência, a actividade. Cada um deles se refere a si mesmo como “eu”.
Assim, a pessoa distingue-se como um sujeito
primário de atribuição de tudo o que a ela convém, e ela mesma não pode ser
atribuída a outro sujeito. Dizemos: Pedro é homem, Pero existe, Pedro fala bem,
mas não poderíamos atribuir a pessoa de Pedro a outro sujeito. Ele mesmo é um
sujeito primário de atribuição, que existe separadamente e actua separadamente.
Segue-se que a nossa personalidade, ou aquilo pelo qual todo o ser dotado de
razão é um sujeito independente, um todo ao qual se atribui a sua natureza,
existência e acções, não pode ser formalmente constituído por nada do que lhe é
atribuído como parte. A nossa
personalidade fundamental não pode,
pois, ser formalmente constituída nem pelo nosso corpo , nem mesmo pela nossa
alma, isto é, por nenhuma das duas partes da natureza que nos é atribuída, nem
por nenhuma das nossas faculdades ou nenhum dos nossos actos.
Consequentemente, está claro que a nossa
personalidade fundamental, do ponto de vista do ser, ou ontológico, não pode
ser formalmenet constituída pela nossa
consciência. A consciência do “eu”
não é o “eu”, ela supõe-no e
conhece-o, mas não o constitui. A nossa liberdade não é tampouco aquilo que
constitui formalmente a nossa personalidade; ela é somente uma manifestação
psicológica e moral da nossa personalidade fundamental, a qual pertence à ordem
ontológica ou do ser; pois o agir supõe o ser: é preciso primeiro ser, para
poder agir.
A nossa personalidade é, portanto, al go mais profundo que a consciência e a
liberdade; é aquilo pelo qual cada um
de nós é um sujeito inedependente ao
qual é atribuido tudo aquilo que a ele convém.
Para São Tomás, é bastante fácil ver que, do ponto
de vista psicológico e moral, uma
personalidade humana cresce tanto mais quanto mais intimamente tende a unir-se a Deus, eclipsando-se diante
d´Ele. Essa união no apagamento, longe de ser para ela uma servidão, é uma
glorificação.
Se Deus tende a dar-se o máximo possível ao homem,
o homem perfeito tende a unir-se o máximo possível a Deus.
Pensou-se algumas vezes que a personalidade se
desenvolve na medida em que o homem se torna independentee, na sua exist~encia
e nos seus actos, de tudo o que não é
ele, e também na medida em que os outros dependem dele. Glorificou-se , nesse
sentido, a personalidade de um Napoleão ou de um Goethe.
Quem assim pensa esquece-se de que a nossa
personalidade consiste sobretudo na independência, não em relação a todas as coisas, mas sim em relação
àquelas que nos são inferiores e que nós
dominamos pela nossa razão e pela nossa liberdade – independência essa, em
virtude da qual a nossa alma poderá subsistir depois da dissolução do corpo.
Quem glorifica algumas personalidades humanas que
não reconhecem os direitos de Desu, esquece-se sobrtetudo de observar que a
nossa independência especial em
relação às coisas inferiores se fundamenta numa
dependência muito estreita da nossa alma em relação às coisas superiores,
em relação à Verdade e ao Bem, e, em última análise, a Deus. Se a nossa razão conhece o espaço e o tempo, as coisas
sensíveis, é porque ela é feita para conhecer a Deus, a Verdade suprema.
Se o nosso livre arbítrio, a nossa
liberdade, domina a nossa atracção pelas coisas sensíveis, pelos bens
particulares, é porque ela é feita para preferir Deus, o Bem universal e total,
e amá-lo acima de tudo.
Segue-se dasqui uma lei muito elevada e muito
esquecida, a saber, que o pleno
desenvolvimento da personalidade consiste em tornar-se cada vez mais
independente das coisas inferiores, mas também cada vez mais estreitamente
dependente da Verdade, do Bem, do próprio Deus.
A falsa personalidade consiste, pelo contrário,
numa suposta independência em relação a tudo, até mesmo a Deus, a quem se
recusa obediência. Essa falsa personalidade despreza as virtudes ditas passivas
da humildade, paciência, mansidão; ela não é senão insubordinação e orgulho.
Ela encontra-se plenamente realizada no demónio, que tem por divisa: Non serviam: não obedecerei. Ela conduz,
de resto, à pior das servidões. A verdadeira personalidade, pelo contrário,
realiza-se nos santos e sobretudo em Nosso Senhor Jesus Cristo.
Muitas falsas ideias foram difundidas sobre o
desenvolvimento da personalidade, porque já não se contempla o Mistério da
Encarnação, e se esquece que o pleno desenvolvimento da personalidade humana
consiste em eclipsar-se diante da de Deus, unindo-se o mais possível à d´Ele.
Isso é o que importa salientar, para compreender como a humanidade de Jesus em
nada ficou diminuìda pelo facto de que, n´Ele, a personalidade humana deu lugar
à personalidade divina do Verbo. Esse é o ponto culminante que nos permite
entrever esta lei tão elevada: a
personalidade humana cresce quando se apaga perante a de Deus.
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