A ASSUNÇÃO
A uma
velha capa que São João deixou
A
Virgem Maria ainda aproveitou…
Escolhendo a parte menos gasta e puída
Desfaz-lhe as costuras, tira-lhe a medida,
Talha uma roupinha para uma criança
Que
era a mais rotinha das da vizinhança.
Prestes a alinhava, logo a cose e prova.
Que
linda, que linda! Parecia nova…
Nesse tempo a Virgem quantos anos
tinha?
Não
ficou a conta. Era já velhinha.
Dava o sol nas casas: brasas de fogueira…
…
Horas de descanso, horas de quebreira…
- E
da idade, e de cansaço, e de calor –
Lento, a invade toda um dúlcido torpor…
Fecham-se-lhe os olhos, e descai-lhe a agulha…
…
Passa uma andorinha. Uma rolinha arrulha.
As
mãos escorregam, ficam-lhe pendentes…
As
cigarras cantam nos trigais dormentes.
E a pendida fronte – ainda
mais pendeu…
E a sonhar com Deus, com
Deus adormeceu…*
Põe-lhe o manto um anjo, curva-se a compô-lo,
E
outros anjos descem, pegam nela ao colo…
Com
as leves mãos (penugens de andorinhas)
Vão-na embalando como às criancinhas…
E,
embalando-a, voam, lá se vão com ela!...
Já
lá vai mais alta que a mais alta estrela!...
Outros anjos chegam, querem-na cantar.
Caluda, caluda, que pode acordar…
Que
as almas dos justos um hino concertem!
Silêncio, silêncio. Que não a
despertem…
Jesus abre os braços, e já quer beijá-la,
Mas
pára, detém-se, que pode acordá-la!...
E a
mãe da Senhora pediu-lhe a sorrir:
-
Mais logo… Mais logo… Deixai-a dormir…
AUGUSTO
GIL
* Este verso foi usado como epitáfio na tumba do poeta
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