A Misericórdia e as suas Contrafacções
O amor é o coração e a alma das boas acções. Assim
como não há caridade sem boas obras, também não pode haver boas obras sem
amor. São Paulo expressou-o desta maneira: Ainda
que distribuísses todos os teus bens pelos pobres,…, se não tiveres caridade de
nada valeria 1Cor 13,3.
Na verdade, muitas vezes o egoísmo, a vaidade e o orgulho
tomam de empréstimo o manto da caridade. Como as boas obras atraem a
aprovação geral são uma óptima auto-propaganda, conferindo uma aparência nobre
a quem as faz, constituindo, para muitos,uma espécie de actividade desportiva que lhes dá a sensação
estimulante de se julgarem muito bonzinhos, dando-lhes, ainda, azo a múltiplas oportunidades para conversas egocêntricas.
Por exemplo, o milionário que enriqueceu explorando o trabalho dos outros e, de repente, vai, à noite, servir sopas aos pobres na Mitra; o pai que sempre negligenciou os filhos e, um dia, resolve dedicar umas horas aos órfãos e abandonados; o egoísta que gastou a vida a ignorar os que lhe eram próximos e decide ajudar os refugiados do outro lado do mundo; todos eles, na verdade, estão a obter prazer à custa do seu papel de dispensadores de misericórdia.
Em certo sentido, está a brincar a Deus; está-se a julgar igual a Deus.
Porque a verdadeira misericórdia é uma virtude divina; na verdade ela é própria de Deus e um dos principais meios pelos quais Ele manifesta a sua omnipotência, porque somente um Ser perfeito pode manifestar a Sua perfeição suprindo as necessidades dos outros.
E, assim sendo, por muito que os homens adorem sentir-se superiores ajudando os outros a suprir as suas necessidades, a misericórdia meramente humana não é, assim, uma grande virtude, porque … os homens não são Deus.
O homem não alcança a perfeição acudindo apenas às necessidades dos outros e fazendo-lhes as vontades, mas submetendo-se à vontade de Deus.
A justiça, a fortaleza e a temperança devem, também, estar sempre presentes no que à misericórdia diz respeito; porque, a justiça apenas dá ao próximo o que lhe é devido; e, a fortaleza e a temperança são necessárias para ordenar a misericórdia evitando que descambe em sentimentalismo ou numa contrafacção.
É verdade que Deus é misericordioso; mas não no sentido de que o castigo não seja necessário; nem no sentido de que a misericórdia se sobreponha à Lei de Deus; mas antes no sentido de que, só depois da justiça ter sido satisfeita, a misericórdia pode actuar em modo divino.
Neste sentido, a misericórdia, por si só, não é a maior das virtudes morais.
A sua lei do dever comum não é “Darás ao teu próximo”, mas “Amarás o teu próximo…”.
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