Maria, pelo braço de João, desceu da colina e do Santo Sepulcro para uma cidade vazia de Cristo; mas levavam consigo o segredo que mudaria para sempre a visão dos homens sobre o sofrimento e a morte. Para Maria e João, o mistério da morte e do sofrimento tinha sido esclarecido pela fé: a morte, como fim absoluto, havia sido eliminada pelo conhecimento de que ela era afinal o início de uma nova vida; a sua corrupção foi mais do que compensada pela, anunciada glorificação do corpo - como objetivo final da morte; a inevitabilidade da morte passara a ser mais do que compensada pela certeza da imortalidade.
Eles haviam aprendido com o Cristo morto que o sofrimento deve ser abraçado com alegria; mas que deve ser misericordiosa e constantemente aliviado nos outros. Sabiam agora que o sofrimento é o destino do Homem, para que a sua alegria possa vir a ser plena; que o caminho da cruz, apesar de todas as suas tristezas, é uma estrada alegre que conduz a uma alegria mais plena e perpétua.
Em nítido contraste com tudo isto, as filosofias materialistas da sua época ainda tremiam perante a visão do sofrimento e o terror da morte. Para elas, o sofrimento e a morte permaneciam ainda misteriosos, algo em grande parte odiado, mas, paradoxalmente, algo que podia ser infligido de bom grado aos outros. Essas filosofias eram, como têm sido desde então, aparentemente dedicadas ao prazer e à fuga da dor; no entanto, na realidade, eram filosofias da tristeza, do pessimismo e do desespero, não só para as vítimas sacrificadas aos seus fins, mas também para os próprios defensores dessas filosofias.
Maria e João, e todos os que viriam depois deles, passaram a enfrentar o sofrimento e a morte, não apenas como homens e mulheres, mas como homens e mulheres que tinham sido feitos participantes da vida de Deus. Os seus, e os nossos, contemporâneos materialistas enfrentaram esses mistérios da dor e da morte, não como participantes da vida de Deus, nem mesmo como homens e mulheres, mas de uma forma digna apenas de algo menor do que um homem.
Na visão cristã, a vítima, o sofredor que morre, é na realidade um soberano, empunhando armas tão terríveis como a sua própria dor e a sua própria morte em ordem aos seus elevados propósitos, elevando-se acima do material e do que o meramente material lhe pode infligir; carregando sempre dentro de si aquela centelha que lhe dá independência de tudo aquilo que é menor do que o espírito.
Na visão materialista, pelo contrário, o sofredor é simples e unicamente vítima de forças que lhe são superiores; acaba sempre vencido, derrotado. Não há nada dentro dele que lhe dê um título de independência em relação às forças que, para o destruir, se abatem sobre ele; ele é escravo de forças inelutavelmente superiores; a sua perspectiva é a do desespero sem esperança.
De facto, o materialista não tem qualquer razão para lutar contra adversidades sem esperança. Não tem para onde ir, nenhum objectivo que justifique e dignifique o seu sofrimento, nada que valha o preço da sua morte. A única coisa que ele conhece é a vida que tem nas mãos, e sabe muito pouco sobre ela; para a conservar, deve logicamente fazer tudo, sem olhar a meios, nem a escrúpulos, por mais vil que seja.
Por outro lado, o seguidor de Cristo, ao longo do caminho da cruz, visa objectivos que não apenas são dignos de um homem, são também próprios de Deus; objectivos tão superiores a tudo o que é material que fazem com que a perda de quaisquer coisas materiais, ou de todas elas, seja um mero preço insignificante a pagar.
A pergunta do Mestre ainda permanece, pois, sem resposta: “Que aproveitaria ao homem ganhar o mundo inteiro e perder a sua alma?” A sua incrível promessa ainda se mantém: “Aquele que perder a sua vida, achá-la-á.” Porque há coisas que valem o preço de todos os sofrimentos que um homem possa suportar - e mesmo de todos os sofrimentos que o Homem-Deus pôde suportar. E há coisas para as quais a morte não é uma ameaça, mas uma porta de entrada.
O mundo do nosso tempo, ou de qualquer outro tempo, ao olhar para o Filho de Deus morto na cruz, olha para uma Vítima voluntária que venceu; para um Homem que morreu e, morrendo, venceu a morte; para um Homem que escreveu, nas palavras indeléveis dos Seus actos infinitamente preciosos, uma lição fundamentalmente importante para todos os homens lerem.
Ali está escrito, para nunca mais ser apagado, que o espiritual é superior à matéria, que todas as coisas na vida do homem, mesmo a própria vida, devem ser ordenadas para o bem da sua alma.
Walter Farrel, OP, A companion to the Summa, Volume IV, pags. 130-132.
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